Jamil Chade
A China desembarca de vez no setor aéreo mundial e assina com a principal rival da Embraer – a canadense Bombardier – um acordo para o desenvolvimento conjunto de aviões. Para especialistas do setor aéreo, a aliança promete causar uma revolução no setor: garantirá acesso a tecnologia de ponta para a China e, para a Bombardier, acesso a um financiamento ilimitado.
Em entrevista ao Estado no final de 2010, o presidente da Embraer, Frederico Curado, admitiu que a China seria o maior desafio para a empresa na próxima década. Mas o novo acordo pode acelerar a concorrência.
Para completar, cria uma nova suspeita em relação ao financiamento da empresa canadense. Embraer e Bombardier já se enfrentaram nos tribunais internacionais há dez anos, alegando mutuamente o fato de terem recebido subsídios ilegais de seus respectivos governos. Desde então, Brasil e Canadá fecharam acordo de cavalheiros, estabelecendo os níveis de apoio a suas indústrias. Mas a Embraer passou a monitorar o desenvolvimento da nova linha de aviões da Bombardier e, em diversas ocasiões, entrou com queixas nos tribunais contra os subsídios recebidos pelos canadenses.
A entrada da China no projeto promete transformar a equação na disputa por mercado. O acordo foi assinado entre a estatal Commercial Aircraft Corporation of China (Comac) e a empresa canadense, sem a divulgação de valores de investimentos. Especula-se que a injeção de recursos da China atinja US$ 1 bilhão.
A Embraer já deixou claro que um dos temores que tem é de que a China passe a subsidiar o setor, o que representaria a total falta de dados sobre o financiamento na fabricação de jatos.
Na Airbus, o projeto é ainda visto como o maior desafio para o setor nos próximos anos. O acordo estabelece a meta do desenvolvimento de produtos em comum, principalmente aeronaves para uso civil.
De forma concreta, o projeto alavancará o novo modelo da Bombardier, conhecido como CSeries, que competirá com a Embraer. Já os chineses receberão tecnologia de ponta para os aviões da Comac conhecidos como C919, que competirão com Airbus e Boeing. "Acreditamos que essa colaboração vai gerar resultados positivos tanto para o programa C919 como para o CSeries, e abre também a porta para colaboração adicional em outros projetos mutuamente benéficos", disse Pierre Beaudoin, presidente da Bombardier.
Curado, da Embraer, tem questionado a forma pela qual ocorrerá a cooperação, alertando que haveria mais ganhos para os chineses que para os canadenses. Segundo ele, a Bombardier já estaria mais avançada no desenvolvimento de seu novo jato, enquanto os chineses ainda estariam em um estágio menor.
Segundo Curado, ou o jato da Bombardier será retardado em seu desenvolvimento ou o avião chinês será adaptado às tecnologias canadenses.
Militar. A guerra da Embraer contra os subsídios obteve ainda assim uma vitória ontem. A OMC condenou os subsídios americanos à Boeing, à pedido da Airbus. O Brasil, porém, havia sido terceira parte na disputa e os argumentos do Itamaraty foram em grande parte atendidos pelos juízes.
O Brasil argumentava que serviços prestados pela Nasa – a agência espacial americana – e pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos à Boeing deveriam ser considerados como ilegais e uma ajuda desleal que distorce os mercados.
Pela regras da OMC, apenas o financiamento de compra de material e acesso a capital deveria ser considerado como ilegal. Mas, em sua petição, o Brasil chamou a atenção da OMC para que serviços também fossem considerados auxílio ilegal para a competitividade de uma empresa.
A entidade acabou considerando que equipamentos providenciados pela Nasa para a Boeing, além de tecnologia e mesmo mão de obra especializada, permitiram que o jato 787 fosse lançado. Para a OMC, sem a ajuda estatal, o novo avião americano simplesmente não existiria.
Aliança
PIERRE BEAUDOIN
PRESIDENTE DA BOMBARDIER
Acreditamos que essa colaboração vai gerar resultados positivos tanto para o programa C919 como para o CSeries, e abre também a porta para colaboração adicional em outros projetos.