Uma brincadeira de mau gosto pode acabar em tragédia. Canetinhas de laser, aquelas comuns em apresentações, estão sendo usadas para atrapalhar pousos e decolagens de aviões. O número de queixas de pilotos disparou em 2011.
A reportagem do Fantástico foi até São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, para acompanhar uma missão do helicóptero Águia da Polícia Militar para encontrar autores de pontos de luz como estes. Em apenas 25 minutos de voo, foram cinco raios em direção ao avião.
Imagens mostram raios laser, vindos de canetinhas, iguais às de raio vermelho usadas em apresentações de empresas. Mas estas, de laser verde, são muito mais potentes: conseguem alcançar a cabine de um avião, a 400 metros de altura.
Em 2011, esse tipo de laser atrapalhou pelo menos 250 voos no país. Quatro vezes mais do que em 2010. Em Rio Preto, foram as queixas de pilotos que fizeram a polícia agir. O primeiro flagrante ocorreu apenas minutos após a decolagem. Com a ajuda de um holofote, os policiais tentam encontrar o autor. A surpresa: é uma criança.
“Olha, eu estava trabalhando lá no fundo, eu não vi. Os meninos estavam jantando até”, disse o morador após ser abordado. Dentro da casa, os meninos, de 11 anos, entregam a caneta de laser.
A brincadeira é perigosa e capaz de prejudicar a visão dos pilotos. Em voos noturnos, o laser provoca um clarão inesperado na cabine.
“É a mesma sensação de estar num quarto escuro, olhar pra uma lâmpada, acender e apagar. Você vai ficar com aquele branco na tua frente assim, que você não consegue ter referencia com quase nada”, diz o piloto Marcelo Prado.
O piloto perde contato visual com o que está à frente. Um perigo principalmente no pouso, que exige atenção total do comandante. Em alguns casos, o resultado é uma manobra brusca. Aconteceu com um piloto de helicóptero em São Paulo.
“Eu já tive que procurar fugir da luz pra tentar não só manter minha acuidade visual como também fugir desse desconforto que ela causa”, revelou Rodrigo Duarte, presidente da Associação Brasileira dos Pilotos de Helicópteros.
Aviões comerciais de companhias aéreas também são alvo. A situação ficou tão grave que o centro de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos adaptou o procedimento de informar sobre pontos de luz para pilotos e copilotos. Um deles deve sempre manter o olhar no painel de controle.
“Um dos pilotos do voo concentrado nos instrumentos internos do avião, enquanto o outro piloto olha pra fora. De forma que os dois não sejam alvejados ao mesmo tempo”, afirmou Marcio Vieira de Mattos, major do Cenipa.
Enquanto a tripulação precisa se virar para evitar acidentes, a febre do laser segue descontrolada pelo país. As canetas são vendidas livremente no Brasil, sem regulamentação. A reportagem encontrou o laser em cidades como São Paulo, Campo Grande e até dentro do Aeroporto de São José do Rio Preto.
Na internet, vídeos ensinam como aproveitar ao máximo a potência das canetinhas – ignorando seus riscos. E os riscos são muitos, mesmo à distância.
“Um laser pointer desse verde tipicamente consegue percorrer de 3 a 4km na atmosfera sem perda significativa de potência”, explicou o físico Anderson Zanardi de Freitas, pesquisador do Ipen.
Uma exposição prolongada a esse laser pode causar queimaduras irreversíveis nos olhos.
“Ele vai deixar de enxergar detalhes , enxergar cores e vai ter um campo de visão sempre com uma mancha no centro”, disse Ana Luisa Hofling-Lima, professora da Unifesp.
A brincadeira também pode dar cadeia. O Código Penal prevê pena de dois a cinco anos de reclusão para quem colocar aeronaves em perigo. Daniel, de 22 anos, foi preso em junho em Imperatriz, no Maranhão. Ele foi acusado de apontar o laser para aviões. Em entrevista ao Fantástico, Daniel nega a acusação. Mas confirma que comprou uma das canetas para se divertir com os efeitos do laser. Ele aguarda a conclusão do inquérito em liberdade. Já o caso dos meninos de São José do Rio Preto, flagrados pela PM, foi encaminhado ao conselho tutelar.