Geralda Doca
BRASÍLIA – Com o fim da Webjet e a fusão entre Azul e Trip, a concentração da aviação civil nas mãos de poucas empresas acendeu a luz amarela no governo. Além de mudar as regras de distribuição de slots (autorizações para pouso e decolagens) em aeroportos lotados, como Congonhas e Guarulhos, os técnicos do setor defendem a retirada dos principais entraves à entrada de novas empresas no mercado, como o limite de 20% ao capital estrangeiro, e maior rapidez no processo de concessão, para enfrentar o problema da infraestrutura aeroportuária.
Já há um consenso entre os técnicos de que o teto de participação estrangeira pode subir para 49% ou até acima deste percentual, quando houver concordância entre os países. Mas há resistência por parte da Casa Civil, que teme afetar a soberania do país e defende a necessidade de proteção das empresas nacionais.
– Capital não tem nacionalidade – defendeu um técnico, alegando que a exigência de nacionalidade brasileira para donos de empresa afasta investidores.
Slots seriam redistribuídos em caso de venda
Segundo interlocutores, o governo quer romper com a brecha criada pela Justiça do Rio na venda da Varig (comprada pela Gol) de que companhia aérea é dona de slots . O entendimento é que esses espaços pertencem à União. Uma das metas é que, em caso de venda de companhias, parte dos slots não migre para a nova empresa, sendo redistribuídos.
– As normas foram feitas em uma época que se esperava uma fusão para criar uma gigante nacional, mas agora a realidade é outra, e devem ser estimulados novos participantes, em vez de fusões – explicou uma fonte que participa das discussão sobre o setor aéreo.
A regra da Anac para slots será alterada também para que as companhias que não forem eficientes, com muitos cancelamentos e atrasos, percam espaços nos aeroportos mais concorridos. Hoje é exigido delas um aproveitamento de 80%. A proposta é elevar este percentual para 90% em Congonhas, Guarulhos e Santos Dumont, onde os slots são mais concorridos.
– A lógica é ter um mecanismo para aumentar o número de entrantes – disse uma fonte.
Os gargalos nos aeroportos afetam o caixa das empresas, disse Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). Ele explicou que, sem espaço para os aviões pernoitarem nos aeroportos com maior demanda, as companhias são obrigadas a fazer voos desnecessários no deslocamento das aeronaves para terminais mais vazios.
– Acho preocupante ver a concorrência do mercado nas mãos de poucas empresas. O ideal seria ter novos concorrentes, mas o problema da infraestrutura é enorme, as empresas não têm para onde voar. O processo de concessão dos aeroportos está lento. Fala-se em conceder Galeão e Confins há pelo menos dois anos – disse o professor de Engenharia de Transporte Aéreo da Universidade de Calgary (Canadá), Alexandre Barros.
Diante dos prejuízos das empresas, motivado principalmente pela variação cambial e pelo aumento do preço do combustível, pelo menos uma parte do governo, como a Secretaria de Aviação Civil (SAC) e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), defende a necessidade de reduzir os custos do setor, sobretudo do querosene de aviação, um pleito antigo das empresas.
A revisão na formação do preço do combustível já foi encaminhada ao Ministério da Fazenda, mas a solução levará algum tempo, pois está condicionada ao pleito da Petrobras para reajustar o preço a gasolina. Recentemente, a Fazenda autorizou a inclusão do setor na desoneração da folha de pagamento. E a Aeronáutica estuda pedido das companhais de dividir o reajuste das tarifas de navegação, que entra em vigor em janeiro.
Para André Castellini, da Bain & Company, as empresas terão que dar um passo atrás para voltar a crescer. O planejamento de expansão foi frustrado pelo desempenho da economia e pela alta dos custos.
– É preciso adequar a oferta à realidade do mercado. Num primeiro momento, as passagens vão subir e menos passageiros deverão voar. Mas a medida é necessária e deverá vir acompanhada de enxugamento de malha, além de corte de custos. Os prejuízos não se sustentam mais por muito tempo – disse Castelini.
Sac: investimentos de R$ 8 bi em aeroportos
A SAC informou, em nota enviada ao GLOBO, que o setor aéreo tem apresentado um crescimento impressionante desde 2003, numa taxa média de 11,2% ao ano. O número de passageiros transportados passou de 33 para 85 milhões ao ano. "Os preços de hoje são, em média, 43% mais baixos do que há 10 anos."
"Todas essas mudanças obviamente exigem investimentos tanto nos aeroportos como das companhias aéreas", reconhece a SAC, que prevê para até 2014 investimentos públicos e privados de mais de R$ 8 bilhões nos aeroportos brasileiros. "Isso promoverá o aumento na oferta de voos pelas companhias aéreas, maior concorrência entre as empresas e, consequentemente, continuidade da queda das tarifas."
A SAC informa que acompanha de perto a competitividade do setor. A partir de janeiro de 2013, informa, entrará em vigor a desoneração da folha de pagamento das companhias aéreas, o que deve significar uma redução de custos da ordem de R$ 300 milhões ao ano.