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Aviação – Ao contrário do previsto, há excesso de pilotos

Alberto Komatsu

Quase 18 anos como piloto de avião, 16 dos quais na Varig, onde chegou a voar para Ásia, Europa e Estados Unidos. Apesar da experiência de 12 mil horas de voo, o comandante Renan Sampaio agora trabalha com engorda de gado e plantação de soja, numa fazenda da família. Ele fez parte de um corte de 270 pilotos após a extinção da Webjet pela Gol Linhas Aéreas, em novembro do ano passado. No total, 850 pessoas foram dispensadas.

"Tem que tocar o barco. A esperança é que apareça uma oportunidade boa, pois a minha paixão é pilotar", afirmou Sampaio. "Os ciclos de crise na aviação estão cada vez menores."

Mesmo que seja temporária, a troca de atividade do ex-comandante da Webjet faz parte da atual realidade dessa categoria profissional. No ano passado, o menor crescimento econômico, a escalada do preço do combustível e a desvalorização do real em relação ao dólar, aliados ao processo de redução da oferta doméstica de assentos nos aviões, adiou a projeção de que a partir de 2013 haveria falta de pilotos para a aviação comercial. Em 2010, essa perspectiva era consenso entre empresas aéreas, universidades e especialistas do setor, diante de taxas de crescimento de demanda consistentes nos seis anos anteriores, cinco deles com dois dígitos.

"A gente achava que com a Copa e a Olimpíada haveria uma falta muito grande de pilotos. A situação se inverteu, porque vemos agora o fechamento da Webjet, que supria bastante o mercado", afirmou o professor Elones Ribeiro, do curso de ciências aeronáuticas da PUC-RS, uma das 10 universidades do país que formam pilotos.

O ano de 2010 terminou com crescimento de 23,81% no fluxo de passageiros transportados no país e aumento de 19,26% na oferta de assentos nos aviões. Esses dois índices são os maiores da séria histórica da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), iniciada em 2001.

No ano passado, no entanto, a demanda doméstica registrou o crescimento mais baixo em nove anos, de 6,79%. A oferta de assentos nos aviões avançou só 2,72%, a menor variação desde 2003. Com a alta do combustível, que responde por 43% dos custos das empresas, e a desvalorização do real, o prejuízo somado de Gol e TAM foi de R$ 2,7 bilhões, o pior resultado combinado da história.

"Vamos ter problemas com pilotos entre três a cinco anos. Vai depender de como for a recuperação da economia mundial e de como vai ser a taxa de crescimento econômico brasileira", afirmou o consultor técnico da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Adalberto Febeliano. Estudo feito por ele, no ano passado, mostra que o Brasil vai precisar de 24 mil pilotos nos próximos 20 anos. A projeção foi feita com as previsões de vendas das fabricantes de aviões Boeing, Airbus e Embraer para o mesmo período. No total, são 5.439 aeronaves.

Segundo Ribeiro, da PUC-RS, a última turma de 60 alunos que se formaram em 2012 estão sem emprego. A PUC-RS e a Azul Linhas Aéreas têm um acordo no qual a Azul aproveitava todos os graduados da faculdade gaúcha, mas no ano passado nenhum deles foi contratado pela empresa.

"Com a aviação aquecida, o aluno vem para cá. Se o Brasil não retomar o crescimento econômico, a tendência é recuar", disse Ribeiro. O custo total do seu curso, com três anos de duração e 160 horas de voo é R$ 140 mil.

"Enviamos uma proposta ao governo para criar uma universidade pública com formação de pilotos. Essa proposta foi feita em 2003. Hoje quem pode fazer curso de piloto é filho de milionário", afirmou a diretora do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio. "Hoje a situação é totalmente contrária à tese de que em 2013 haveria um gargalo", acrescentou.

A Secretaria de Aviação Civil (SAC), que recebeu a proposta de criação de uma faculdade pública para a aviação, afirmou que estuda como fomentar a formação de pilotos. "Até o momento, não há nada conclusivo", informou.

Em 2011 se verificava um crescente interesse pela carreira de piloto, segundo o dado mais recente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação. Foram 3.660 inscrições no processo seletivo de 12 cursos naquele ano, mais que o dobro do número de inscritos em 2010. A quantidade de vagas, porém, recuou 5,2% de 2010 para 2011, para 1.450 vagas. Em 2011, 323 alunos concluíram cursos de aviação no país, ante 228 pessoas em 2010.

"Como houve "boom" de contratação, houve "boom" de formação. Temos um conjunto de profissionais formados aptos a trabalhar na aviação regular. Eles buscam outros tipos de contratação para continuar a sua profissão, ganhando experiência", disse o diretor da Anac Carlos Eduardo Pellegrino.

Dados da Anac mostram um forte recuo na concessão de licenças para piloto de linha aérea, a habilitação necessária para pilotar em companhias aéreas de voos regulares. Segundo levantamento da Anac feito a pedido do Valor, de janeiro a março deste ano foram concedidas 58 licenças, uma redução de 45,3% diante das 106 licenças do mesmo período de 2012.

"Naquela época [meados de 2010] havia um número enorme de jovens que entraram em aeroclubes e cursos de ciências aeronáuticas porque a profissão estava demandada e os salários subiram", afirmou o vice-presidente técnico e de operações da TAM Linhas Aéreas, Ruy Amparo. "Esses jovens agora estão terminando seus cursos de piloto e vão encontrar um pouco de dificuldade ao longo deste ano para se posicionar no mercado", acrescentou.

A TAM e a Gol iniciaram no ano passado uma redução de capacidade, diante de um quadro de superoferta no mercado doméstico. De 2005 a 2011, a oferta de assentos no país teve crescimento médio anual de 14,56%. Segundo Febeliano, da Abear, na década de 90 a oferta anual de assentos da Vasp equivalia ao que hoje é a capacidade mensal das principais aéreas do país, em torno de 9 bilhões de assentos por quilômetro voado.

Em 2013, Gol e TAM planejam um corte de 7% na oferta de assentos no pais. Esse corte é feito com menos aviões, menos utilização de horas diárias e, portanto, menos pilotos são necessários. Na Gol, a previsão é a de que o quadro de contenção de oferta se estenda para 2014.

"Se a indústria está voando com 10% a menos de assentos, por exemplo, ela precisaria de 10% a menos de pilotos", afirmou o especialista em aviação da consultoria Bain & Company, André Castellini.

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