Armada Argentina encomenda ‘milagre’ à INVAP
Roberto Lopes
Exclusivo para DefesaNet
A recente decisão do Ministério da Defesa argentino de contratar a companhia INVAP – estatal de alta tecnologia – para desenvolver novos radares e novos sistemas de controle de armas de quatro corvetas classe “Espora” e de dois submarinos TR-1700 – todos navios de projeto alemão – , sinaliza para a total falta de perspectivas de uma modernização da frota de alto-mar da nação platina. Ao menos a curto prazo.
No último dia 9, o titular da Pasta da Defesa, Agustín Rossi, um engenheiro civil prestes a completar seu 55º aniversário, anunciou que “todos os sistemas de armas [dos navios] precisam remover obsolescências” e que o objetivo do governo é substituí-los por tecnologia e desenvolvimentos nacionais que “impliquem uma economia no cômputo final”.
Por meio dessa opção, que Rossi definiu pomposamente como decisión estratégica, caberá à INVAP substituir equipamentos alemães e holandeses que ainda são analógicos por outros digitais, mais modernos.
O assunto é, contudo, bastante complexo, e, grosso modo, se resume a três questões básicas:
a) qual a qualificação de que dispõe, hoje, a Invap para lançar-se à empreitada;
b) quais resultados poderão ser alcançados, e,
c) em que prazo.
Agustín Rossi não avançou em detalhes sobre o problema dos custos do programa ajustado com a Invap porque, segundo suas palavras, tais dispêndios devem ser “avaliados” (valorados) em função da “ocupação de mão de obra argentina altamente qualificada” e da “economia de divisas” que o governo fará, ao não precisar importar modernos equipamentos de eletrônica naval.
Nesse capítulo dos custos, Rossi, aliás, omite um importante detalhe: o de que a solução INVAP evita que a Armada argentina precise retomar contato com a indústria naval alemã – uma ligação marcada, no passado, pelas reclamações dos germânicos com a falta de quitação de serviços prestados à Marinha platina.
Foi precisamente isso que, no último trimestre de 2012, retardou a permanência da corveta “Espora” na Cidade do Cabo, após um exercício naval conjunto das frotas sul-africana, argentina e brasileira (ver meu livro “As Garras do Cisne, pág. 67, lançado no fim de agosto). A “Espora” apresentou um problema técnico que a impedia de fazer a travessia do Atlântico, de retorno à base. Representantes da indústria alemã foram convocados para fazer o conserto e só compareceram após longas tratativas – e enfáticas promessas de pagamento –, que envolveram o comando da Armada argentina, em Buenos Aires. Finalmente, em janeiro de 2013, a embarcação argentina pôde suspender para Puerto Belgrano.
Outro argumento que o ministro Rossi não explicitou (mas está implícito): face ao vínculo da Invap com o governo argentino, a remuneração desses serviços nas corvetas e nos submarinos será feita do jeito que as finanças públicas permitirem.
Prioridades
Para justificar a escolha da Invap, Rossi mencionou o bem sucedido plan de radarización (cobertura por radar) executado pela empresa.
Nos meios diplomáticos de Buenos Aires parece claro, entretanto, que o pedido de socorro dos militares à estatal reflete a incapacidade do governo de acenar aos almirantes com um horizonte confiável para a renovação dos seus meios navais.
Nesse momento, os chefes navais argentinos parecem priorizar a parcela da sua frota destinada às geladas e tempestuosas águas austrais.
A Marinha já gastou mais de 100 milhões de dólares na reforma do quebra-gelos “Q-5 Almirante Irizar” – seriamente danificado por um incêndio em abril de 2007 –, e planeja agora a substituição dos seus três velhos rebocadores de origem americana que patrulham o extremo sul do litoral continental argentino e o Estreito de Magalhães – na Flota de Mar reclassificados como avisos.
Chama a atenção, também, o fato de Rossi ter se referido a apenas quatro das nove corvetas da Flota de Mar. Como ele deixou escapar que a aparelhagem a ser substituída é de origem alemã e holandesa, é certo que ele se referiu à classe de corvetas leves (1.790 tons.), de emprego geral, construídas na década de 1980 nos estaleiros de Río Santiago, sob planos da fabricante alemã Blohm + Voss.
Isso pode indicar que do grupo de seis corvetas classe “Espora”, os almirantes argentinos planejam desativar duas, possivelmente para que seus componentes sirvam de peças de reposição às embarcações que permanecerão na ativa.
No caso das “Espora”, os equipamentos que a INVAP deverá substituir são, em sua maioria, da prestigiosa marca holandesa Signaalapparaten: um console de enlace de dados Sewaco, um sistema WM22/41 integrado a uma diretora de radar Lirod, um radar de busca aérea DA05 com infravermelho e um radar de controle de tiro WM2. Também deverá ser trocado o radar de navegação do navio, do tipo Decca TM 1226.
No caso dos submarinos classe “San Juan” (tipo TR-1700), os especialistas da Invap precisarão se debruçar sobre o funcionamento de dois equipamentos americanos: o radar de navegação Thompson e os periscópios de ataque e observação Kollmorgen.
Tanto os equipamentos das corvetas quanto os dos submarinos eram plenamente utilizáveis até meados dos anos de 1990, mas nas últimas duas décadas tornaram-se consideravelmente antiquados. Eles também foram instalados a bordo das unidades de combate das esquadras do Brasil e do Peru, mas nesses dois casos já cederam lugar a versões mais modernas, o que não aconteceu na Força Naval argentina.
Prazo
Nos últimos anos, sem descontinuar a sua linha de produtos para a geração de energia nuclear (reatores, instrumental e plantas nucleoelétricas), a Invap investiu nos segmentos de radares, satélites artificiais e sistemas terrestres de monitoramento do espaço. A eletrônica naval está fora de seu portfólio.
E isso, mais uma vez, justifica a pergunta: quanto tempo os desenvolvimentos requeridos pela Marinha argentina demandarão – em pesquisa, fabricação e testes operacionais – da Invap?
O mais certo é supor que, mesmo levando em consideração a experiência anterior da companhia com radares para a detecção de alvos aéreos e fenômenos meteorológicos, nenhum resultado significativo poderá ser obtido antes do final da presente década.
Como todo o trabalho que agora se inicia tem como objetivo permitir que os navios modernizados possam permanecer na ativa por mais 15 ou 20 anos (talvez até um pouco mais), o mais correto é admitir que a vida útil de alguns deles será prolongada, pelo menos, até o ano de 2040 – época em que a Marinha do Brasil já terá sido completamente repotencializada, pela incorporação de dois submarinos nucleares, quatro diesel-elétricos, ao menos um porta-aviões e cerca de 30 navios-patrulha de 500 toneladas.
Mas a extensão da permanência de corvetas e submarinos argentinos na ativa dependerá, claro, do grau de cooperação que a Invap puder obter dos fornecedores de equipamento naval militar da Alemanha e da Holanda que tiveram seus produtos instalados nas corvetas argentinas – se é que esse espírito de cooperação irá imperar.
Uma alternativa que se abre aos tecnólogos argentinos é recorrer à expertise de empresas européias e americanas de manutenção de aparelhagem eletrônica com know how nos modelos embarcados nos navios da Flota de Mar.
Brasil e Venezuela
O desafio que se abre à INVAP é, contudo, imenso.
A Marinha do Brasil passou os últimos 45 anos tentando inovar no sensível campo da eletrônica naval militar – e a verdade é que nem sempre conseguiu.
Por exemplo: pesquisas e experimentos consagrados ao desenvolvimento de um torpedo nacional (inclusive com assistência estrangeira) fracassaram.
Outras iniciativas, conduzidas por sucessivas gerações de oficiais, deram mais certo, mas demandaram um tempo enorme – medido, conforme já foi dito, em décadas.
Tais esforços se concentraram, inicialmente, na manutenção da aparelhagem estrangeira, e depois na adaptação de componentes de fabricação nacional aos equipamentos importados. Só então foi possível à Força Naval e a algumas prestadoras de serviço se lançarem à concepção de produtos inovadores. E somente nos últimos 15 ou 20 anos os chefes navais puderam iniciar a padronização dos sistemas embarcados nas unidades da Esquadra com base em tecnologia nacional.
Em meu livro “O Código das Profundezas, Coragem, Patriotismo e Fracasso dos submarinos argentinos nas Malvinas”, às páginas 210-211, narro o esforço da Armada platina, na metade final da década de 1970, para fazer funcionar a Empresa de Desarrollos Especiales, EDESA cujo objetivo era precisamente esse: alavancar projetos estratégicos, nas áreas de eletrônica e de sistemas de armas navais.
Em 1982, durante a guerra contra a Inglaterra, os desesperados almirantes argentinos recorreram à EDESA, na esperança de que ela pudesse solucionar o problema do mau funcionamento dos torpedos alemães embarcados em submersíveis classe IKL-209 de sua Força de Submarinos. A EDESA chegou a um protótipo que nunca funcionou.
Outro que investiu, recentemente, no projeto de criação de uma indústria eletrônica naval para a sua Marinha foi o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez.
O coronel Chávez autorizou a construção de um Nodo Socialista de Innovación de Alta Tecnología Naval, com centenas de metros quadrados dedicados a laboratórios, campos de testes e linhas de produção, mas nada, até agora, saiu de concreto daí (ver meu livro “As Garras do Cisne, pág. 96).
Tornou-se evidente que, para os venezuelanos, os experimentos nesse campo dependem da assistência técnica estrangeira.
O problema é que a posição de franca hostilidade do Chavismo em relação aos Estados Unidos e a outras potências ocidentais deixa à Armada Bolivariana poucas opções. Caracas precisará buscar a ajuda da Rússia, da China ou do Irã… Ou, quem sabe, da Coreia do Norte…
Aos militares argentinos sempre restará a saída de aprender com seus vizinhos mais preparados no campo da eletrônica naval de aplicação militar – casos de Brasil e Chile, dois países que, desde o início dos anos de 1990, vêm alcançando algum destaque no cenário internacional da produção de softwares.
A questão é saber até que ponto será permitido, aos oficiais da Flota de Mar e aos especialistas da Invap, se inteirar dos avanços tecnológicos das Marinhas do Brasil e do Chile.
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