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Almirante Othon: “concluir o submarino nuclear é um gesto de independência”


Jornal A Hora do Povo
do PC do B

Ed 2521- 22 Novembro 2006


Almirante Othon: "concluir o submarino nuclear
é um gesto de independência"


(acesse resposta do Comandante da Marinha Link)

ALESSANDRO RODRIGUES

Em entrevista ao HP, o almirante afirmou que a aquisição de um submarino convencional, ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, "é uma âncora no passado"

Em entrevista ao HP, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, criador e coordenador do Programa Nuclear da Marinha de 1979 a 1994 e uma das maiores autoridades no assunto, considerou "uma âncora no passado" a aquisição de um submarino convencional (diesel-elétrico), o que ele chama de "submergível", ao invés de concluir a construção do submarino nuclear brasileiro, o SNA, que estava previsto para entrar em funcionamento até 2020.

Desde 1979, a Marinha Brasileira investe no projeto para a construção do SNA e, ao longo dos anos, mesmo com restrições financeiras, desenvolveu tecnologias de ponta. O abandono ou o adiamento da conclusão do programa geraria grandes prejuízos para o desenvolvimento da pesquisa tecnológica nacional, visto que o programa nuclear da Marinha já alcançou importantes conquistas, como o domínio do ciclo do combustível atômico e a criação de ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio.

Para finalizar o submarino nuclear brasileiro o governo precisa investir cerca de US$ 1,2 bilhão. Para se ter uma idéia, o acordo fechado com bancos europeus, liderados pelo ABN-Amro Bank, para a aquisição de um submarino convencional e a reforma de outros cinco que compõem a frota nacional, irá consumir R$ 1 bilhão.

Considerado um "jacaré" pelo almirante Othon, pois é facilmente localizável, o submarino convencional precisa retornar à superfície a cada 36 horas para ligar seu motor, carregar as baterias e seu estoque de ar, enquanto o nuclear pode ficar até 5 anos submerso – tempo limitado apenas por necessidades humanas, como reabastecimento de alimentos, por exemplo -, perfeito para defender a costa marítima brasileira.

Além disso, o IKL-214 está sendo "bombardeado" na Grécia – que também o adquiriu – por ter apresentado uma série de problemas, tais como, oscilação de 50 graus em relação ao eixo quando está em águas revoltas, alto ruído nas máquinas, problemas com a assinatura eletrônica de sistemas, perda de potência em determinadas condições e a baixa precisão do periscópio de ataque. O projeto do SNA começou a ser boicotado no governo Collor e foi praticamente abandonado no governo Fernando Henrique. Veja a seguir entrevista com o almirante Othon.

"O submarino convencional é como uma foca ou um
jacaré: ficam expostos e são fáceis de abater"


HP: A Marinha está finalizando um acordo para a compra de um submarino convencional. Qual a sua opinião?
Othon:
Espero que não seja concretizado, porque, realmente, vai ser um retrocesso. O submarino convencional não é um submarino, é um barco submergível. Como funciona o submarino convencional? Na superfície, ele coloca para funcionar o motor a diesel. O motor a diesel aciona um gerador elétrico e o gerador elétrico carrega a bateria. É mais ou menos parecido com uma foca ou com um jacaré. Submerge e depois ele tem que voltar para a superfície para pegar o ar novamente. Quando ele vem para pegar o ar ele fica exposto. Certa vez me disseram: 'escuta, têm alguns camaradas seus, colegas da Marinha, que acham que os submarinos convencionais são tão bons quanto os nucleares'. Eu disse: olha, se ele fosse tão bom assim, os países mais desenvolvidos teriam submarinos convencionais, que, reitero, não são submarinos, são submergíveis convencionais. A França não tem mais submergível convencional, os Estados Unidos não tem, a Rússia não tem, a Inglaterra também. Só tem o convencional quem não pode ter o nuclear. Mas, para não haver dúvida, quem assistiu a uma pescaria de uma gaivota ou de um martim-pescador entende perfeitamente. Você vê a gaivota e o martim-pescador pegar um peixe quando ele está próximo da superfície, pois é muito difícil eles pegarem um peixe lá no fundo. Se esses colegas meus de Marinha não conseguem entender, nem ler o que a natureza nos dá, como é que eles irão entender a arte da guerra. Realmente é isso, os navios nucleares têm condições de ficarem meses lá em baixo, produzir o próprio oxigênio para a tripulação, quer dizer, fica limitado só pela resistência das pessoas pela parte emocional. O outro tem que fazer igual a foca para pegar o ar e aí ele fica vulnerável aos satélites que saberão onde ele está e saberão também quando ele irá retornar à superfície para respirar novamente. Então, num país como o nosso, com dimensões continentais, o não entendimento disso é ignorância.

HP: Esse acordo pode atrapalhar o desenvolvimento de tecnologia nacional?

Othon: Eu acho que só vale a pena comprar daqueles países que podem nos ajudar, podem transferir tecnologia, porque a propulsão nuclear está desenvolvida, falta a plataforma. Se nós fizermos uma aquisição, mesmo de convencional, enquanto não faz o nuclear, mas com um país que possa nos ajudar a caminhar para a direção nuclear, tudo bem. Mas a Alemanha não pode, mesmo que queira, porque tem um tratado que a impede. Então, continuar naquele programa, comprar um submarino que foi feito aqui na Argentina na década de 70 é ficar ancorado, ancorado no passado. Se a Marinha fizer isso, não é Marinha, é um grupinho da Marinha que está querendo, apressadamente, tomar essa decisão, realmente, será uma âncora no passado. A maior parte dos oficiais gostaria de ter propulsão nuclear, porque todo mundo sabe que a Marinha tem que investir os seus recursos em duas coisas: numa patrulha costeira boa na época de paz e num pequeno grupo de submarinos nucleares. O sonho nuclear é uma negativa à concentração de força. Quem vier nos ameaçar um dia, tem que vir com uma força naval concentrada para desembarcar aqui. Ninguém ousará fazer isso se nós tivermos um submarino nuclear. Então, aqueles oficiais da Marinha que não priorizam a propulsão nuclear, são oficiais que querem que a Marinha continue como uma guarda costeira de luxo, ou seja, um país eternamente subserviente. O submarino de propulsão nuclear é um gesto de independência, não é de afronta a ninguém, é um gesto de independência e de auto-respeito.

HP: Qual o custo de um submarino nuclear?

Othon: A sua pergunta é muito boa, pois é custo. Tem duas coisas aí, uma coisa é custo e a outra é preço. No submarino nuclear nós temos custo, porque nós desenvolvemos. Nos outros nós pagamos o preço, porque preço é sempre custo mais alguma coisa. Então, essa é a grande vantagem de nós colocarmos brasileiros desenvolvendo os equipamentos, porque nós pagamos custos, mesmo que paguemos a mesma coisa, nós pegamos brasileiros e geramos tecnologia aqui no país. Com o submarino nuclear nós vamos pagar custo, com o outro nós vamos pagar preço. Com um bilhão de euros já teríamos terminado o submarino nuclear. Durante dez anos, doze anos, que passou essa escola de 1970 que permaneceu na Marinha, eles gastaram mais de dois bilhões de dólares em navios de superfície que não servem para nada. Isso eu disse no Clube Naval e posso repetir tranqüilamente em qualquer momento. Praticamente pararam o programa de submarino nuclear. O que nós precisamos é de brasilidade e a média dos oficiais da Marinha têm muita brasilidade e a maior parte deseja a propulsão nuclear.

HP: Em que fase se encontra o projeto do SNA?

Othon: Eu, particularmente, estou um pouco fora dele há alguns anos. Todos os componentes da produção nuclear estão prontos, ou seja, nós íamos fazer um protótipo em terra da produção, que começou a ser feito e depois parou. É que houve uma determinada fase, em 1994, que o ministro da Marinha, o almirante [Ivan da Silveira] Serpa, baixou a prioridade desse programa. Era número 1 na Marinha e ele baixou para 18. Ao que me consta, pode ser mera coincidência, mas nesse mesmo ano nós compramos quatro navios velhos na Inglaterra. Talvez tenha sido o maior preço pago em um navio velho na história do Brasil. Nós compramos quatro fragatas por 185 milhões de dólares, foi uma vergonha, mera coincidência, mas houve. Daí em diante o programa caiu de prioridade, mas nós já sentimos sinais de que pode ser retomada a prioridade. O almirante Serpa ainda tem uns dois ou três adeptos da escola dele, mas que felizmente devem se aposentar em breve.

HP: Qual o motivo do SNA não ter voltado a ser prioridade?

Othon: Veja só o paradoxo. Na história da Marinha não tem um motor de propulsão que tenha sido produzido no país. O país partiu logo para desenvolver a propulsão nuclear. Todos os componentes e a propulsão estão prontos e estão parados, por que determinada escola de pensamento – e nós tivemos quatro administrações dessa escola – não quer terminar. Mas tenho certeza que o atual governo é extremamente favorável à propulsão nuclear. Por isso eu tenho muita esperança de que ele seja retomado. O atual Chefe do Estado-Maior da Armada – que espero que entre na compulsória – propôs a parada do programa. Eu não podia imaginar que houvesse uma coisa dessas. Eu estou na reserva e estou falando como um cidadão, não estou falando mais como ex-oficial da Marinha.

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