Em 22 de novembro de 1910, um grupo de marinheiros do Rio de Janeiro promoveu uma das mais importantes rebeliões da história do Brasil: a Revolta da Chibata.
Liderados pelo marinheiro negro João Cândido Felisberto, os marujos tomaram três encouraçados na Baía de Guanabara e ameaçaram disparar os canhões contra a então capital da República. O que eles queriam? O fim dos castigos corporais na Marinha do Brasil e melhores condições de alimentação e de trabalho. Foi um ato de coragem contra as Forças Armadas, que naquele momento contavam com uma das mais modernas frotas navais do planeta.
Planejado por cerca de dois anos e que culminou com um motim que se estendeu de 22 até 27 de novembro de 1910 na baía de Guanabara, na ocasião, rebelaram-se cerca de 2400 marinheiros contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos (as faltas graves eram punidas com 25 chibatadas), ameaçando bombardear a cidade.
Durante o primeiro dia do motim foram mortos marinheiros infiéis ao movimento e cinco oficiais que se recusaram a sair de bordo, entre eles o comandante do Encouraçado Minas Geraes, João Batista das Neves.
Na manhã do dia 23, o emissário do governo, o deputado federal e capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Carvalho esteve a bordo do encouraçado São Paulo, onde lhe foi determinado que se dirigisse ao Minas Geraes para falar com o líder da revolta, João Cândido, dando-se assim início às negociações entre o governo e os revoltosos.
José Carlos de Carvalho levou para o Congresso a impressão que teve da força dos marinheiros e um Manifesto com exigências, sendo a principal o fim da chibata. O Manifesto, que tinha sido escrito durante as reuniões preparatórias, citava todos os oficiais presos nos navios e relacionava todos os navios sob o controle dos marinheiros. Isso demonstra que os revoltosos acreditavam que poderiam fazer a revolta sem mortes, e que a adesão à revolta seria total, quando a realidade era diferente disso.
Os navios que não aderiram à revolta, na maioria contratorpedeiros, entraram em prontidão para torpedear os revoltosos. No dia 25 de Novembro, o então Ministro da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista de Leão expediu a ordem: "hostilize com a máxima energia, metendo-os a pique sem medir sacrifícios." No mesmo dia, entretanto, o Congresso Nacional aprovou a anistia para os revoltosos. Há versões de que o encouraçado Deodoro chegou a receber tiros dos contratorpedeiros, que logo cessaram fogo e voltaram para a orla.
Quatro dias depois do motim, a 26, o governo do presidente Marechal Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28, foi feito um novo decreto, que permitia que fossem expulsos da Marinha aqueles elementos "inconvenientes à disciplina".
A chamada "segunda revolta"
Duas semanas depois de os rebeldes terem se rendido e terem desarmado os navios, obtendo do governo um decreto de Anistia, eclodiu o que a Marinha denomina de "segunda revolta". Em combate, num arremedo de motim num dos navios que não aderiram à Revolta pelo fim da Chibata, morreram mais um oficial e um marinheiro. Esta "segunda revolta" desencadeou uma série de mortes de marinheiros indefesos, ilhados, detidos em navios e em masmorras, além da expulsão de dois mil marinheiros, atos amparados pelo estado de sítio que a "segunda revolta" fez o Congresso Brasileiro aprovar.
No Congresso, parlamentares levantaram a possibilidade de esta "segunda revolta" ter sido encomendada, ou no mínimo fomentada pelo Governo Federal (Presidente, Marinha, Exército e simpatizantes no Congresso), pois foi o Governo o maior beneficiado, com o estado de sítio, que não somente lhe permitiu excluir 2.000 marinheiros (eram 2379 os revoltados) e matar um número incerto mas estimado em duas centenas de marinheiros, como também afastar os adversários políticos, que ficaram a favor da Anistia dos marinheiros rebeldes, como o candidato à presidência derrotado, Rui Barbosa, isolando-o em São Paulo.
Apesar de se declarar contra a "segunda revolta", e até mesmo ter atirado (graças a uma culatrinha de canhão que um dos marinheiros havia escondido dos oficiais) contra os fuzileiros, companheiros seus da Marinha, para provar lealdade ao Governo Federal que havia dado a Anistia e garantido o fim da chibata, João Cândido também foi preso e expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os fuzileiros rebeldes. Entre os detidos na Ilha das Cobras, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva.
Ali foi atirada cal virgem, na véspera de Natal, 24 de Dezembro de 1910. Após vinte e quatro horas, estavam mortos asfixados 16 homens; apenas João Cândido e o soldado naval João Avelino, conhecido como "Pau de Lira" sobreviveram na cela 5. Numa outra cela morreram mais dois.
Mais vindita aconteceu: cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, tendo sido onze destes fuzilados nesse trânsito . Além disso, testemunhas, entre elas João Cândido e Marcelino Rodrigues(o chicoteado na véspera da revolta), demonstram que vários marinheiros foram mortos nos quartéis e nas ruas. Sem contar o massacre da Ilha das Cobras do dia 10, à qual não foi permitido o acesso da Imprensa a partir do dia 10.
Estima-se que havia na Ilha 300 presos (somando anteriores à Revolta e após 26 de Novembro, fim da revolta e do decreto da anistia) e 300 fuzileiros navais. Quando estalou a "segunda revolta", 350 fugiram entre a noite do dia 9 e a manhã do dia 10. Destes 250 marinheiros e fuzileiros restantes, houve notícia de 60 sobreviventes encontrados após o cessar-fogo. Os números reais das mortes comandadas pelo governo, exército e marinha, nas dependências do Estado nacional, rendidos, nunca foram oficialmente divulgados.
A estimativa de duas centenas é bastante conservadora. Duzentos mortos e dois mil expulsos após a revolta. Barbaridade que não se compara às 6 mortes de marinheiros e 6 mortes de oficiais em situação de combate no dia 22 de Novembro e no dia 09 de Dezembro. Matar homens amarrados, rendidos, por vingança, realmente uma mancha na imagem da Marinha de 1910. Uma época felizmente superada.
O Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de 1911, como louco e indigente. Ele e nove companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em 1 de dezembro de 1912.
João Cândido, o Almirante Negro, apelido dado pela imprensa da época. Desde a infância numa fazenda na divisa do Rio Grande do Sul com o Uruguai, passando pela liderança da Revolta da Chibata até internação como louco, ele enfrentou muitas dificuldades, que se seguiram até o fim da sua vida, em 1969. Herói pouco conhecido, morreu na miséria e no esquecimento.
Com Agência Senado e Creative Commons Attribution/Share-Alike License