A eleição de Donald Trump à frente da primeira potência militar da OTAN preocupa uma União Europeia em crise, que teme um menor envolvimento dos Estados Unidos na defesa de seus aliados transatlânticos ante uma Rússia mais desafiadora.
"Uma administração Trump aumentará as tendências isolacionistas dos Estados Unidos, o que representa um golpe adicional à [sua] liderança" mundial, assegura Fabian Zuleeg, analista do European Policy Centre, em Bruxelas.
O futuro 45º presidente dos Estados Unidos, considerado um isolacionista em política externa, já deixou entrever durante a campanha eleitoral que o apoio militar a seus parceiros europeus dependeria da contribuição destes à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Trata-se de uma advertência nada desprezível em um momento em que a Europa enfrenta desafios do Oriente Médio e do norte da África, e quando a Aliança Atlântica reforça suas capacidades em um nível inédito desde o final da Guerra Fria frente à Rússia de Vladimir Putin.
A vitória de Trump representou, assim, um impacto na Europa, onde os líderes da UE ressaltaram a necessidade de reforçar as relações transatlânticas e evitar o isolacionismo.
"A liderança dos Estados Unidos é mais importante do que nunca", afirmou o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg.
Preocupação no Leste Europeu
A preocupação é mais palpável nos países do Leste Europeu, antigamente na esfera de influência da União Soviética, pela atitude agressiva de Moscou desde o conflito na Ucrânia, em 2014. Em março daquele ano, a Rússia anexou a então península ucraniana da Crimeia.
"Esperamos sinceramente que sua liderança abra novas oportunidades para nossa cooperação baseada em um compromisso mútuo", pediu a Trump o presidente polonês, Andrzej Duda.
A Polônia – onde a mobilização da OTAN, prevista em 2017, é liderada por um batalhão americano – quer evitar um cenário similar da Ucrânia.
Putin comemorou a vitória do republicano, o qual enalteceu em várias ocasiões a liderança do presidente russo, mostrando esperança de "tirar as relações entre a Rússia e os Estados Unidos de sua situação crítica".
Para alguns analistas, o medo dos europeus pode estar superdimensionado, já que a Política Externa não foi um tema central nas eleições, o enfoque de Trump é nacional e é cedo para conhecer sua política presidencial, especialmente quando ainda se desconhece sua equipe de governo.
E, como aponta Félix Arteaga, especialista em Defesa do Real Instituto Elcano, embora haja "certa química" entre Putin e Trump, "grande parte do Partido Republicano é partidário de uma linha dura contra a Rússia, sobretudo, a partir de 2014".
"Seria difícil que Trump, que se apresentou como um avalista de uma América forte, fizesse algo que destruísse essa imagem", acrescentou.
Uma oportunidade para a defesa europeia?
Nesse clima de incertezas, algumas capitais europeias veem a oportunidade para avançar no debate atual sobre uma UE mais autônoma no tema da defesa, em especial depois que um dos países mais reticentes sobre o tema – o Reino Unido – expressou a intenção de deixar o bloco.
A presença de 22 dos 28 países europeus na OTAN dá argumentos a várias capitais do bloco a descartar um avanço para uma defesa comum maior, mas o Brexit e uma eventual desmobilização dos Estados Unidos na Aliança Atlântica os obrigaria a repensar sua estratégia, afirma Arteaga.
"A existência da OTAN depende da liderança dos Estados Unidos", apontou.
"Em um cenário mundial em mutação, a Europa será cada vez mais uma potência indispensável", segundo a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, defensora de uma maior cooperação militar no bloco e para quem há uma demanda crescente de segurança.
Uma opinião compartilhada por Berlim, Paris, Roma e Madri, já que, nesse contexto, os europeus devem ser "claros em sua vontade de agir conjuntamente" para controlar as fronteiras externas da UE e lutar contra o terrorismo, nas palavras do presidente francês, François Hollande.
De acordo com um diplomata europeu, a vitória de Trump deveria convencer os mais reticentes a uma defesa reforçada.
"É o momento de se dar conta de que tudo o que se fez não é completamente inútil, que existem boas razões para isso", comentou a fonte consultada pela AFP.
Vice-chanceler russo nega euforia após vitória de Trump
Não há "nenhuma euforia" na Rússia após a vitória na eleição presidencial americana de Donald Trump, que pode se revelar tão "antirrusso" quanto seu antecessor, estimou nesta quinta-feira o vice-ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov.
"Não há nenhuma euforia (…) Não gostaria que exista a impressão de que estamos cheios de belas esperanças", declarou Ryabkov à agência de notícias russa Interfax.
"As posições sobre a Rússia expressadas por (Donald Trump), pelos representantes de sua campanha e de seu círculo íntimo são bastante duras", disse.
Estes comentários do vice-ministro contrastam com os formulados anteriormente por autoridades russas e pela televisão pública, mais favoráveis ao republicano que a sua rival democrata, considerada especialmente hostil a Moscou.
Donald Trump, eleito o 45º presidente dos Estados Unidos, foi várias vezes acusado por Hillary Clinton de ser um fantoche de Vladimir Putin.
O presidente russo, que felicitou Trump por sua vitória, se declarou na quarta-feira "disposto a percorrer sua parte do caminho" para restaurar suas relações com Washington, percurso que classificou de difícil.
Ryabkov indicou, por sua vez, que Moscou havia mantido contatos com a equipe do novo presidente americano, mas sem dar mais detalhes.
As relações entre a Rússia e os Estados Unidos estão cercadas de grandes tensões em torno do conflito sírio e da crise ucraniana.