Felipe Corazza
Quando as tropas do Exército de Libertação Popular invadiram o acampamento de manifestantes na Praça da Paz Celestial, um dos alvos prioritários era claro segundo relatos da época: câmeras fotográficas e filmadoras. Soldados prestavam especial atenção aos registros e destruíam todos os equipamentos, rolos de filme e fitas que encontravam. Poucas imagens sobrevieram ao ataque.
Entre elas, a mais icônica de todo o processo que culminou no massacre dos dias 3 e 4 Junho 1989: a cena do homem comum que parou uma coluna de tanques na avenida Chang’an. Sozinho, o “homem do tanque” – cuja identidade até hoje permanece um mistério – conseguiu impedir por alguns instantes o avanço das tropas que limpavam o local já pela manhã.
O cinegrafista responsável pelas imagens estava hospedado no Beijing Hotel, uma das construções mais imponentes da região próxima à Praça da Paz Celestial. Charles Cole manteve sua câmera filmando a movimentação de manifestantes e tropas na janela de seu quarto. O hotel, que abrigava mais jornalistas, era constantemente revistado pelos militares. Registros de imagem eram confiscados para serem destruídos.
Após o massacre e a filmagem do “homem do tanque”, Cole retirou a fita da câmera, guardou em um saco plástico e escondeu o material na caixa de água do vaso sanitário. Cerca de 10 minutos depois, guardas invadiram o quarto e confiscaram todas as filmagens que Cole havia feito na noite anterior.
A fita que revelou ao mundo a coragem do “homem do tanque” permaneceu no vaso sanitário. O cinegrafista relatou a história várias vezes. Em 2011, Cole contou a história para um documentário da rede americana PBS a respeito do anônimo que ajudou a mudar o rumo da história mundial. A censura aos registros do massacre continua até hoje. As menções à data 04/06 na internet são monitoradas pelos equipamentos de coleta e vigilância de dados do governo chinês. Imagens dos protestos e, especialmente, as fotos do “Tank Man” não são encontradas na busca pelo Google Images na China.
Para poder operar em território chinês, a empresa americana precisou se submeter a acordos de “controle de conteúdo” impostos por Pequim. Tentativas de driblar os controles acontecem e algumas viram casos folclóricos. Blogueiros dissidentes passaram a usar “535” como referência à data do massacre. Pelo formato de data “mês/ano”, o número formaria o dia “35 de maio” – traduzindo, 4 de junho. A estratégia durou algum tempo, mas também foi sufocada pelos cães farejadores virtuais chineses e o 535 entrou na lista dos termos vigiados e banidos.