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Venezuela pode cortar energia de Roraima

Daniel Rittner

 

A Venezuela poderá cortar o fornecimento de energia elétrica para Roraima a partir da primeira semana de setembro. O aviso foi feito ao governo brasileiro por meio de ofício encaminhado à Eletronorte no dia 4 de junho. A estatal venezuelana Corpoelec deu prazo de 90 dias para receber uma dívida acumulada em pouco mais de US$ 30 milhões pelo suprimento de megawatts ao Brasil.

Roraima é o único Estado fora do sistema interligado nacional. Mais de dois terços do consumo são atendidos pela importação de energia gerada na usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela, que chega a Boa Vista e outros nove municípios por uma linha de transmissão inaugurada pelos então presidentes Fernando Henrique Cardoso e Hugo Chávez em 2001.

O restante, incluindo uma complementação nos horários de pico, vem de térmicas movidas a óleo combustível.

Não falta dinheiro para o pagamento. O problema estaria relacionado, conforme relataram ao Valor duas fontes do setor elétrico, às sanções econômicas aplicadas contra Caracas pelo governo de Donald Trump

O Banco do Brasil informou ao Ministério de Minas e Energia (MME), no dia 21 de junho, que não conseguiu concluir a transferência de recursos. A Caixa também não teve sucesso na operação. Houve tentativas de transferir os valores por Nova York e o Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA, não apontou impedimentos.

Mas o banco em que a Corpoelec tem conta, localizado em um terceiro país, recusou-se a receber a ordem de pagamento – supostamente por receio de sofrer punição do Fed ao fazer o repasse para a Venezuela. Como em um TED ou DOC de pessoa física, mas em grandes proporções, o dinheiro retornou para a Eletronorte.

O ministro Moreira Franco disse ao Valor que a confusão se deve às dificuldades causadas pelo "desmantelamento do sistema financeiro venezuelano", mas afirmou desconhecer relação direta com o embargo da Casa Branca.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central foram acionados para encontrar uma solução. A Eletrobras, enquanto isso, se dedica à elaboração de um plano de contingência para evitar que o Estado caia no escuro em caso de desabastecimento para o Estado.

O drama já foi levado ao Palácio do Planalto. "Ponto crítico: elevado risco de interrupção do fornecimento pela Venezuela a partir de setembro de 2018!", diz o trecho de uma apresentação restrita feita pelo MME. O último pagamento à Corpoelec ocorreu em novembro do ano passado.

O Ministério das Relações Exteriores também entrou em campo e acionou os escassos canais diplomáticos mantidos com Caracas. Nos bastidores, segundo fontes próximas às discussões, o tom usado é de que a confusão tem origem em problemas alheios ao desejo brasileiro de quitar a fatura e de que seria insensibilidade cortar o suprimento de energia para um Estado onde dezenas de milhares de refugiados venezuelanos estão sendo acolhidos. Procurado, o Itamaraty não fez comentários sobre o teor das conversas, mas disse por sua assessoria que "acompanha o tema e tem realizado gestões com o governo venezuelano".

Socialmente, a insegurança energética poderia agravar a crise deflagrada pela entrada maciça de refugiados. Politicamente, representaria um duro golpe na campanha do senador Romero Jucá (MDB-RR), visto em Roraima como uma espécie de "resolvedor-geral" de problemas do Estado em Brasília. Ele tenta a reeleição ao Senado e está apenas em terceiro lugar, com 25% das intenções de voto, segundo pesquisa do Ibope na semana passada.

Autoridades da área energética minimizam o risco de falta permanente de luz em Roraima, mas admitem que o atendimento emergencial por meio das térmicas exigiria uma operação logística complexa e custos muito maiores. Estima-se um gasto perto de R$ 200 milhões, em 2018, com a compra de óleo para o funcionamento das usinas locais como fonte complementar de eletricidade.

Se elas forem acionadas em tempo integral, a despesa anual aumentaria para R$ 1,2 bilhão. Além disso, o número de caminhões carregando combustível pela BR-174, entre Manaus e Boa Vista, poderia até triplicar.

Em carta enviada ao ministro e colega de partido Moreira Franco, no dia 18 de maio, Jucá advertiu sobre o risco de problemas. "Não é segredo algum que a Venezuela enfrenta crise política e econômica de proporções explosivas. A produção daquele país encontra-se em queda livre e em processo de desorganização, e seu setor energético não constitui exceção a essa regra", disse o senador na carta.

"Bem por isso, são mais e mais frequentes e prolongados os cortes no fornecimento de energia a Roraima, o que nos permite vislumbrar, em futuro bem próximo, a definitiva interrupção desse serviço. Roraima encontra-se sob o risco iminente de ficar, literalmente, no 'escuro'", completou.

Dados compilados por Jucá indicam que Roraima sofreu 34 blecautes no ano passado e outros 13 apagões nos quatro primeiros meses deste ano devido à instabilidade no suprimento da Venezuela. Para ele, as térmicas não constituem solução e devem ser ligadas apenas por períodos limitados de tempo.

Ele cobra o início das obras da linha de transmissão Manaus-Venezuela pode cortar energia de Roraima. Boa Vista, projeto leiloado em 2011, mas que nunca pôde sair do papel por causa da falta de autorização da Funai. A linha passa por terras da comunidade indígena Waimiri-Atroari, que foi devastada na ditadura militar.

O Valor apurou que uma das possibilidades, agora, é usar o Convênio de Crédito Recíproco (CCR) – espécie de caixa de compensação entre bancos centrais da América Latina.

A Venezuela tem dívida de US$ 274 milhões com o governo brasileiro por garantias dadas pelo Tesouro Nacional a empresas brasileiras que exportam para o país. Os valores devidos pela Eletronorte à Corpoelec poderiam ser deduzidos desse montante.

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