Pablo Uchoa
A oposição na Venezuela parece ter optado pelo caminho do apaziguamento após a escalada de tensão no início desta semana, detonada pelo resultado apertado da eleição presidencial de domingo, que resultou na vitória do candidato governista, Nicolas Maduro.
Em Caracas, o som de tiros ouvidos na noite se segunda-feira foi substituído, na noite de terça-feira, por uma uma cacofonia de panelas, buzinas e fogos de artifício, expondo uma oscilação de ânimos que só se experimenta em um país sob intensa volatilidade política, como tem sido esta nação caribenha desde a divulgação dos resultados da eleição.
Na segunda-feira, convocados pelo candidato da oposição no pleito, Henrique Capriles Radonski, manifestantes saíram às ruas e protagonizaram, em diversas partes do país, incidentes que culminaram em pelo menos sete mortos e mais de 60 feridos.
Entre os incidentes, registraram-se o que estão sendo tratados como assassinatos políticos, incêndios contra casas de oficiais do partido governista, e depredações de hospitais públicos mantidos pelo governo com o apoio de Cuba.
Na terça-feira, a escalada da retórica reforçava o sentimento de um desfecho explosivo para a megapasseata convocada pela oposição para pressionar as autoridades eleitorais a recontar os votos.
Até que, a horas do protesto, os opositores decidiram cancelar o ato. Governo e oposição acusaram-se mutuamente de fomentar a violência para gerar instabilidade.
A marcha da oposição foi substituída por um panelaço pacífico, sem tomar as ruas, convocado por Capriles para se iniciar a partir das 20h.
Minutos depois, o presidente eleito, Nicolás Maduro, pedia a seus seguidores que soltassem saraivadas de fogos de artifício em resposta à manifestação dos rivais políticos.
À noite, Caracas era uma sinfonia caótica pelos estralos das colheres nas panelas, os estrondos de fogos de artifício, as vuvuzelas, os gritos e os buzinaços de carros e motos.
Não eram fogos de artifício de celebração nem panelaços de alegria. Mas eram mais palatáveis que as balas da noite anterior.
Oscilação
O pêndulo dos ânimos venezuelanos oscila de acordo com a posição de cada parte no tabuleiro do xadrez político.
Assim que foram divulgados os números das últimas eleições presidenciais, governo e oposição realizaram jogadas de certa forma surpreendentes.
Capriles, afastando-se de um discurso moderado que o caracterizou na última semana, partiu para o ataque, desconhecendo os resultados já na sua primeira manifestação sobre o pleito.
Já Maduro indicou que concordava com a auditoria de 100% dos votos, um gesto que, se não chegava a ser exatamente estender a mão para o adversário, pelo menos rompia com a retórica inflamada que ele adotara ao longo de sua curta e incisiva campanha.
As razões que o levaram a ignorar as próprias palavras para ser oficializado como presidente eleito apenas horas depois de seu discurso na varanda do povo, no palácio presidencial de Miraflores, ficaram perdidas na retórica inflamada que ele adotou a partir de então.
O auge deste exaltado estado de ânimos veio na terça-feira, quando ele prometeu "radicalizar" a revolução bolivariana, se isto fosse necessário para protegê-la. Seus inimigos entenderam como uma ameaça, política e quem sabe física.
Pode-se dizer que Maduro adotou uma estratégia de radicalismo à la Chávez.
Mesmo não tendo nem o capital político que o seu mentor obtinha nas urnas, nem a mesma ligação com o povo, que fazia este último engrossar as fileiras da sua revolução.
Escolhas
A oposição caprilista, ao se deparar com as opções de se radicalizar no sentido oposto ou apaziguar os ânimos, preferiu a segunda.
A história venezuelana não tem sido condescendente com os opositores que, nos momentos mais conflituosos, optaram por radicalizar contra o chavismo.
Os líderes do fracassado golpe de abril de 2002 contra Chávez, da greve patronal do fim de 2002 e início de 2003 que quase levou o país ao colapso econômico, e da estratégia de boicote às eleições parlamentares de 2005, quase todos caíram dos vagões do trem da história.
Nestas ocasiões, o partido de Capriles, Primero Justicia, era uma agremiação em ascensão e foi poupada do descrédito que nocateou os mais tradicionais, como o social cristão Copei e o partidão Ação Democrática (AD).
Alguns membros do Primero Justicia demonstram uma veia mais radical que outros: por exemplo, o popular Leopoldo López, contra a qual o governo de Chávez respondeu com igual radicalismo.
Mas a agremiação conseguiu permanecer identificada com a sua origem a partir de trabalhos de base no ativismo jurídico, bem como seu posicionamento centrista.
Na terça-feira, Henrique Capriles fez um retorno àquele partido ao baixar o tom da retórica inflamada.
"Fizemos muito para chegar até aqui", disse ele durante uma entrevista coletiva a meios de comunicação venezuelanos e estrangeiros.
Procurou chamar atenção para as denúncias de irregularidades que, no seu entender, justificam uma recontagem dos votos, e sacudir a imagem do "burguesinho" que quer chegar no poder por capricho.
É uma caricatura, mas que os venezuelanos que se sentiam excluídos da política antes de Chávez, os eleitores sem o qual seu desempenho eleitoral não seria o mesmo, entendem perfeitamente.
Motivações
A Venezuela amanhece nesta quarta-feira sob o suspense de qual será a próxima jogada do primeiro ator político a mover as suas peças neste complexo e carregado tabuleiro de xadrez político.
A partir dessa movimentação oscilará o pêndulo do estado de ânimos de um país dividido.
Dele, dependerão sobrevivências políticas. E quem sabe, vidas humanas.