CARACAS — “Aqui há uma revolução militar em marcha e deve ser permanente, não pode deter-se.” O sentido da frase deveria resultar inequívoco. Foi pronunciada por Nicolás Maduro, vice-presidente da Venezuela e designado sucessor de Hugo Chávez no caso de este, convalescente em Cuba de sua quarta operação desde junho de 2011, não esteja capacitado para assumir seu terceiro mandato presidencial em 10 de janeiro.
Mas Maduro a leu de um texto que atribuiu a Chávez e em que exorta em termos imperativos a manter a doutrina militar bolivariana. Muitos analistas sentiram falta, no recado, do estilo do presidente. Também contribuiu para o ceticismo sobre a autoria da mensagem o fato de que fosse lido durante uma saudação às guarnições militares em 28 de dezembro, Dia dos Inocentes – o equivalente venezuelano do 1 de Abril.
Desta vez a data foi ocasião de indícios explícitos sobre a importância que as Forças Armadas vão adquirindo como árbitro na luta pelo poder que se gesta no interior do chavismo. Com uma sutileza que poucos lhe atribuíam, no mesmo ato militar se fez presente Diosdado Cabello, ex-tenente do Exército e atual presidente da Assembleia Nacional, rival de Maduro na linha sucessória, vestido com um casaco verde-oliva no estilo militar.
Na Venezuela, já começou a transição. Já não parece decisivo se o presidente Chávez conseguirá se recuperar de sua recente operação. Mesmo nesse caso, dá-se por certo que, cedo ou tarde, ficará incapacitado para completar o mandato que expira em 2019. Nesta segunda-feira, Chávez acumulou 110 dias de tratamento em Havana, um em cada cinco dias do último ano e meio de sua gestão.
Em qualquer cenário, o sinal verde militar parece imprescindível. Não tanto por seu poder de fogo, mas pelo controle logístico e administrativo que as Forças Armadas mantêm sobre as funções vitais do Estado. No Gabinete, os militares ocupam três pastas. E nos 23 estados venezuelanos, 11 ex-oficiais ou suboficiais foram eleitos – candidatos pelo chavismo escolhidos pelo próprio presidente – para encabeçar os governos locais.
Além disso, os militares se integraram de maneira orgânica à condução do aparato paraestatal de assistência e controle social. Trata-se de um “corpo biopolítico”, como o qualifica a psicóloga política Colette Capriles, professora da Universidade Simón Bolívar.
– Este regime assume para si mudar e ordenar a vida das pessoas – assinala. – E para isso construiu um sistema eficaz de localização e mobilização dos indivíduos através de organizações em que devem se inscrever, às vezes sem sua vontade, que os conduzem do berço ao túmulo.
Se o setor militar quiser influir nos rumos políticos da Venezuela, não precisará fazê-lo mediante um clássico golpe. Basta-lhe pôr em andamento esse aparato à disposição de algum dos candidatos à sucessão. É este o troféu que, junto com a mitologia do comandante Chávez, disputam Maduro e Cabello. Se a estas alturas Maduro leva vantagem pela vontade expressa de Chávez, a longo prazo o resultado pode favorecer Cabello. A maioria dos oficiais do Exército que hoje têm comando de tropa forma parte das promoções de 1987, a mesma de Cabello.
Uma grande incógnita é a Milícia Bolivariana. Com 120 mil membros e armas leves, não é páreo para nenhum outro corpo profissional, mas foi constituída a mando de Chávez e se vê como uma guarda pretoriana do processo.