Fabio Murakawa
O Brasil já classifica como default o atraso de mais de dois meses no pagamento, pela Venezuela, de US$ 262,5 milhões a fornecedores brasileiros no âmbito de um convênio de pagamentos de créditos recíprocos, o chamado CCR.
O mecanismo funciona como uma espécie de câmara de compensação em que os bancos centrais dos 13 países da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) atuam como garantidores das operações.
Na semana passada, o Ministério da Fazenda encaminhou à Embaixada da Venezuela em Brasília uma correspondência em que aborda o tema do atraso e comunica que levará o assunto ao Clube de Paris – tido como o principal fórum de restruturação de dívidas de países com outros governos.
Uma cópia da carta foi enviada à Embaixada do Brasil em Caracas para que fosse entregue à chancelaria do país vizinho. Porém, segundo apurou o Valor, o embaixador Ruy Pereira não vem conseguindo há semanas agendar encontros com autoridades venezuelanos, que têm demonstrado pouca disposição de tratar do tema.
Os bancos Credit Suisse e Bank of China, que avalizaram as operações, também assinaram a carta, segundo disseram fontes ao Valor. Se o atraso completar 120 dias, as instituições acionarão um seguro coberto pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), uma empresa pública.
Em última instância, dizem as fontes, quem arcará com o prejuízo será o Tesouro Nacional. Essas mesmas fontes afirmam que, com o gesto de levar o tema ao Clube de Paris, o governo brasileiro e os dois bancos comunicam aos venezuelanos, em linguagem diplomática, que já consideram estar levando um calote.
"Na segunda compensação de 2017, que seria realizada no dia 8 de setembro passado, o Brasil deveria ter recebido US$ 334,5 milhões. Tais valores eram compostos pela soma dos saldos bilaterais do Brasil com todos os demais países do CCR", explica o BC brasileiro.
"Tendo em vista o ocorrido com a Venezuela, os valores a receber pelo Brasil foram recalculados, excluindo os valores da Venezuela". Neste novo cálculo, o Banco Central brasileiro diz ter recebido um total de US$ 72 milhões dos demais países.
"A diferença entre os dois números citados é igual à parcela de crédito do Brasil com a Venezuela, ou seja, tal país nos deve pagar um total de US$ 262,5 milhões", diz o BC.
Questionado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores disse que não comentaria o assunto. "O Itamaraty participa, mas não coordena a ação do governo brasileiro nessa área, que é responsabilidade do Ministério da Fazenda", informou a pasta em nota.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central têm tentado há meses enviar uma missão a Caracas para tratar dos atrasos. As tratativas entre a embaixada em Caracas e os vizinhos, porém, estão travadas pela falta de interesse demonstrada pelos venezuelanos.
As más relações entre os governos de Michel Temer e Nicolás Maduro contribuem para a falta de diálogo. Também em comunicado, o Ministério da Fazenda afirmou que, "na qualidade de garantidor de operações de crédito à exportação, tem acionado os canais oficiais de comunicação do governo da Venezuela para garantir a regularização dessas operações".
"O Ministério mantém suas tentativas de contato com o governo venezuelano para envio ou recebimento de uma comitiva para tratar desses assuntos, ainda sem data definida", disse. Segundo apurou o Valor, a maior parte do montante devido ao Brasil por meio corresponde à exportação de alimentos. Com a economia altamente dependente do petróleo, a Venezuela importa boa parte dos demais produtos que consome.
O país entrou em sérias dificuldades financeiras nos últimos anos devido à queda dos preços do petróleo. A escassez de divisas, que antes afetava mais a importação de diversos bens de consumo, agravou-se nos últimos meses, e o país ficou sem dinheiro até para importar produtos essenciais, como alimentos e remédios.
Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as importações da Venezuela caíram 35,4% em 2016 e devem cair mais 21,8% neste ano. A Cepal atribui isso à recessão no país e à escassez de divisas.
Os US$ 18,546 bilhões a serem importados em 2017 correspondem à metade das compras externas de 2015, ou US$ 36,901 bilhões. Em 2012, em meio ao boom petroleiro, a Venezuela fechou o ano com US$ 59,3 bilhões em importações.