Comerciantes e cidadãos venezuelanos aguardavam ansiosamente o lançamento de uma série de reformas pelo autocrata Nicolás Maduro para tentar recuperar a economia do país, incluindo a introdução de uma nova moeda nesta segunda-feira (20/08) e o aumento de mais de 3.000% do salário mínimo.
Os bancos do país mantiveram escritórios, agências e caixas fechados nesta segunda-feira para que pudessem se preparar para o início da circulação do "bolívar soberano", que elimina cinco zeros da moeda nacional, o "bolívar forte", reduzindo seu valor de face em 96%.
O bolívar soberano terá oito notas diferentes e duas moedas metálicas. A reforma monetária é uma tentativa de controlar a hiperinflação no país, que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), pode chegar a 1.000.000% ao ano em 2018.
Por conta da inflação, obter papel moeda-ficou mais difícil. A nota de maior valor do sistema que começa a sair de circulação é a de 100 mil bolívares, sendo que uma xícara de café custa mais de 2 milhões de bolívares.
Ambas as moedas permanecerão em circulação durante um período de transição, em que o bolívar soberano será usado para pagar transações maiores, e o bolívar forte será destinado para pequenas despesas.
A conversão monetária é a segunda nos últimos 20 anos no país. A primeira ocorreu em janeiro de 2008 sob a liderança do então "presidente" Hugo Chávez, que retirou três zeros do antigo bolívar e criou o bolívar forte. A atual reconversão foi anunciada por Maduro em 22 de março.
Também é parte do pacote de medidas o aumento do salário mínimo de 5.196.000 bolívares para 180.000.000, ou 1.800 bolívares soberanos, salto de mais de 3.000 por cento. Ainda não há data para que o aumento, anunciado na sexta-feira, comece a vigorar.
Maduro anunciou ainda, na semana passada, mudanças no subsídio do governo sobre a gasolina, considerada a mais barata do mundo. A venda pelo preço subsidiado será mantida apenas para cidadãos registrados em censos do governo. Aqueles que não se registrarem terão que pagar o preço internacional.
Muitas lojas não abriram as portas durante o fim de semana devido à conversão e à incerteza de comerciantes com relação às medidas. Consumidores enfrentaram longas filas nos estabelecimentos abertos devido ao temor de alta de preços.
Resistência da oposição
Na avaliação de economistas, contudo, é mais provável que as medidas acelerem a hiperinflação em vez de resolver o cerne das dificuldades econômicas da Venezuela.
"A reconversão do bolívar será como se submeter ao bisturi de um dos famosos cirurgiões plásticos de Caracas", escreveu o economista Steve Hanke, da Universidade de Johns Hopkins, no site da revista Forbes. "As aparências mudam mas, na realidade, nada muda. É isso que está diante do bolívar: uma plástica."
A oposição convocou uma greve e um protesto para terça-feira.
"As medidas anunciadas na sexta-feira não são nenhum plano de recuperação econômica para o país”, disse o líder da oposição, Andrés Velásquez. "Pelo contrário, elas representam mais fome, ruína, pobreza, sofrimento, dor, inflação e deterioração da economia”.
Comerciantes temem que o repentino reajuste salarial os impossibilite de pagar seus funcionários sem um aumento acentuado dos preços, apesar da intenção de Maduro de auxiliar empresas de pequeno e médio porte pelos primeiros três meses.
Jesus Pacheco, que emprega seis pessoas em seu açougue em Caracas, disse que pode não ter opção a não ser dispensar alguns de seus funcionários.
A falta de segurança, os baixos salários, os altos preços e a escassez de produtos e medicamentos têm levado dezenas de milhares de venezuelanos a emigrar, especialmentecom destino aos vizinhos Brasil e Colômbia, mas também para Peru e Equador.
No Brasil, a migração tem levado a uma escalada da violência na região de Roraima. O governo brasileiro anunciou que será enviado para a região um reforço de 120 homens da Força Nacional, além de 36 voluntários da área da saúde para atendimento a imigrantes venezuelanos.
Após conflito, 1.200 venezuelanos deixam Roraima
Após o conflito que ocorreu no sábado (18/08) em Pacaraima, no norte de Roraima, 1.200 venezuelanos deixaram a cidade, de acordo com informações do Exército. Ao longo do dia, grupos de brasileiros armados com pedras, paus e bombas caseiras atacaram venezuelanos e incendiaram acampamentos dos imigrantes na cidade. Não houve feridos. O conflito começou após um comerciante local ter sido assaltado e agredido por quatro venezuelanos.
O comando da Operação Acolhida, uma força-tarefa logística e humanitária para tratar da crise migratória na região, informou ainda que durante o conflito o posto de controle entre a Venezuelana e Brasil chegou a ser fechado.
Neste domingo (19/08), a situação era mais tranquila na cidade. O posto de identificação e recepção da Polícia Federal na fronteira funciona normalmente.
-A escalada de violência na região foi tema de uma reunião convocada neste domingo pelo presidente Michel Temer no Palácio da Alvorada.
Após o encontro, o governo anunciou medidas para conter a violência em Roraima e lidar com os milhares de imigrantes venezuelanos que regularmente chegam ao Estado fugindo da crise no país vizinho.
Segundo nota da Presidência, será enviado para a região um reforço de 120 homens da Força Nacional, além de 36 voluntários da área da saúde para atendimento aos imigrantes venezuelanos.
O governo também afirmou que vai trabalhar para enviar os venezuelanos para outros Estados, além de estabelecer um “abrigo de transição” entre Boa Vista e Pacaraima, “de forma a reduzir o número de pessoas nas ruas”. Ou seja, um abrigo fora da cidade.
A nota diz ainda que o governo continua em condições de empregar as Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Roraima. Por força de lei, tal iniciativa depende da solicitação expressa da governadora do estado.
O conflito no sábado chegou a provocar uma manifestação do governo venezuelano, que pediu que as autoridades brasileiras protegessem seus cidadãos.
De acordo com a chancelaria venezuelana, foram solicitadas ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil "garantias correspondentes aos nacionais venezuelanos e medidas de resguardo e segurança de seus familiares".
O governo da Venezuela expressou ainda "preocupação pelas informações que confirmam ataques a imigrantes venezuelanos, bem como desalojamentos massivos de nossos compatriotas, acontecimento que viola normas do direito internacional, além de vulnerar seus direitos humanos".
Caracas também criticou o que chamou de "violência alimentada por uma perigosa matriz de opinião xenófoba, multiplicada por governos e meios a serviço dos inconfessáveis objetivos do imperialismo".
O conflito começou na tarde de sábado com um protesto em frente ao Comando Especial de Fronteira do Exército em Pacaraima. A manifestação havia sido convocada após um comerciante ter sido assaltado e agredido por quatro venezuelanos. A população também ficou irritada com a falta de uma ambulância para socorrer o comerciante, que foi atendido no hospital da cidade. Ele foi posteriormente transferido para Boa Vista e seu estado de saúde é estável.
"O fato gerou um descontentamento de alguns moradores de Pacaraima e, na manhã deste sábado, 18 de agosto, ocorreu uma manifestação com atos de violência e destruição de acampamentos de imigrantes situados em alguns locais públicos”, informou o comando da Operação Acolhida.
Após a manifestação se dispersar, grupos de brasileiros passaram a atacar venezuelanos nas ruas.
Uma tenda usada por imigrantes chegou a ser derrubada com um trator. Outras foram queimadas, Um grupo de brasileiros chegou a atirar pedras em venezuelanos que tentavam cruzar a divisa. Membros da guarda venezuelana acabaram disparando tiros de advertência para afastar os brasileiros. Em resposta, venezuelanos passaram a vandalizar carros de brasileiros na fronteira.
Em um vídeo divulgado no Twitter, um brasileiro que participou da queima de tenda disse "estamos expulsando os venezuelanos”. "Agora é desse jeito. Se não tem governante, se não tem autoridade por nós, nós que vamos fazer nossa autoridade. Fora venezuelanos!”
Com a grave crise política e econômica que atinge a Venezuela, centenas de milhares de pessoas têm deixado o país, a maior parte com destino à Colômbia e ao Equador. Entre 2017 e 2018, mais de 120 mil venezuelanos entraram em Roraima. Mais da metade deles já deixou o Brasil. Em julho, o governo brasileiro informou que quatro mil venezuelanos permaneciam em abrigos em Roraima.