Autoridades da Uniao Europeia estão preocupadas com o uso de sites de mídia social como Facebook para engajar jovens europeus na guerra da Síria.
A Comissão Europeia recomendou recentemente aos governos do bloco "ir além da proibição ou remoção de material ilegal" postado no Facebook e "passar a publicar mensagens opostas para contrariar as versões dos extremistas" e reduzir o impacto das redes sociais na radicalização de jovens.
Diversas páginas foram abertas no Facebook com mensagens explícitas para tentar recrutar jovens europeus. Páginas supostamente criadas por outros jovens que já lutam em território sírio, exibem um objetivo claro: promover a causa e atrair mais simpatizantes à luta.
A maioria dessas páginas seria de jovens que teriam se convertido ao islamismo radical contra a vontade de suas famílias e passado a integrar os batalhões do Estado Islâmico no Iraque e Levante (EIIL), um grupo ligado à Al-Qaeda que pretende instalar a sharia (lei islâmica) na Síria.
As autoridades francesas estimam que cerca de 250 cidadãos desse país participam do combate na Síria e outros 150 teriam manifestado o desejo de participar.
Na Bélgica, o ministério de Assuntos Exteriores já identificou cerca de 200 cidadãos que lutam em território sírio, além de 20 já mortos, mas afirma que esses números variam rapidamente.
Incentivo
As páginas trazem estampadas fotos dos supostos combatentes com o rosto à mostra e mensagens disponibilizadas a todo o público da rede social não apenas contra o governo de Bashar al-Assad, mas também contra grupos rebeldes moderados e contra toda forma de democracia.
Em contas abertas com pseudônimos religiosos, são publicadas regularmente fotos mostrando esses jovens em mansões em que viveriam, na região de Aleppo, expropriadas de ricos habitantes que fugiram das cidades depois da chegada dos radicais, e nelas eles comentam seu dia a dia.
"Coloco minhas fotos para dar força aos irmãos para vir (à guerra)", afirma o francês Abou Shaheed ao lado de uma imagem na qual aparece em uniforme camuflado, um grande sorriso no rosto descoberto e um fuzil na mão.
A mesma justificativa é dada por Abu Houdaifa Ahmed, que se diz belga, de 21 anos. Ele exibe orgulhoso suas armas e uma grande jarra de suco fresco de fruta, explicando como os "candidatos ao martírio" têm tudo o que necessitam na "terra de Alá" que tentam conquistar.
Ismail, outro que se diz belga, afirma que se uniu ao combate há um ano, aos 16 anos. Ele revela um rosto angelical coroado com um turbante em meio a imagens de fuzis AK 47 e lança-granadas.
Nos comentários embaixo das fotos, muitos simpatizantes se dizem "ansiosos por se unir" ao grupo e "combater os infiéis".
Os combatentes na linha de frente prometem ajudar com a logística e "esperar de braços abertos" os novos recrutas, mas não se limitam às palavras.
Simpatia
Warda Salame, jornalista do semanário belga Le Vif, se passou por um simpatizante e, depois de meses de contatos, recebeu indicações precisas e números de telefone de intermediários que a ajudariam a chegar a uma brigada do EIIL através da fronteira turca.
Até as fotos de cadáveres de companheiros de luta – menos frequentes – despertam simpatia entre os contatos dos combatentes, que louvam a coragem do defunto e desejam "que Alá abra as portas do paraíso" ao "mártir" ou "reserve a mesma honra" a si próprio.
"Viemos todos aqui para isso", lê-se em um desses comentários.
A rede social também é usada para pedir doações e enviar mensagens às famílias, por intermédio de membros do grupo que ficaram no país de origem.
Exibicionismo
Para François Ducrotté, analista do centro de pesquisa International Security Information Service (ISIS), com base em Bruxelas, essa atividade explícita é também uma forma de exibicionismo para jovens procedentes de classes desfavorecidas.
"É um orgulho para eles (mostrar a vida que levam na Síria). Essas pessoas, que são geralmente esquecidas pela sociedade, podem ter um momento de glória lutando por uma causa que talvez nem conheçam. E elas utilizam as redes sociais para ganhar protagonismo", afirmou em entrevista à BBC Brasil.
No entanto, "sendo inconscientes e orgulhosos, (os autores das páginas) também ajudam as autoridades a identificar as células de recrutamento e células terroristas" ativas em seus países de origem, acredita o analista.
O Ministério de Interior da Bélgica afirma que esses sites são monitorados pelos serviços antiterrorismo e que as informações divulgadas nessas páginas são usadas nas investigações sobre os combatentes que voltam ao país.
Segundo a Europol, as autoridades europeias não têm poderes legais para controlar publicações em internet realizadas fora de seu território ou perseguir suspeitos em outros países.
Questionado pela BBC Brasil, o Facebook disse que as páginas identificadas pela reportagem violam as regras do site que proíbem a difusão de conteúdo incitando ou apoiando a violência, mas continuavam no ar porque não haviam sido denunciadas por nenhum usuário.
Os perfis foram rapidamente desativados, mas a empresa admitiu que é incapaz de impedir que as mesmas pessoas criem uma nova conta ou de supervisionar o conteúdo publicado por seus mais de um bilhão de usuários, o que poderia ser qualificado como invasão de privacidade.