A Suprema Corte de Justiça do Uruguai (SCJ) emitiu sentença ontem na qual considera inconstitucional a lei aprovada em 2011 que permitia a investigação de crimes ocorridos durante a ditadura (1973-1985), antes abrigados sob a lei de anistia aprovada em 1986. A decisão, tomada por quatro votos a um, provocou reação imediata da oposição de direita, que defendeu a liberdade de posição da corte, e do governo esquerdista, para quem a sentença foi "uma barbaridade", como disse o vice-presidente da coalizão de governo Frente Ampla, Juan Castillo:
– É incrível que ainda existam artifícios que permitam aos violadores de direitos humanos ficarem impunes. O recado que está sendo dado às vítimas e a suas famílias é aterrorizante.
O presidente do Uruguai, José Mujica – um ex-guerrilheiro tupamaro que passou mais de dez anos preso durante a ditadura -, não tinha comentado a decisão até a noite de ontem.
Seu partido, o MPP, afirmou em comunicado que "a maioria da SCJ é responsável pela manutenção da impunidade". O PVP, outra legenda da Frente Ampla, prometeu denunciar a SCJ à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Oposição cobra respeito à decisão
Enquanto o governo já programa uma manifestação para a segunda-feira em Montevidéu, os partidos da oposição reclamaram do posicionamento da Frente Ampla após a decisão judicial.
"Não respeitam o povo quanto vota, nem os juízes quando ditam sentença; acreditam estar por cima da Constituição", escreveu o senador Ope Pasquet, do Partido Colorado, no Twitter.
Ao jornal local "El País", Ignacio Errandonea, integrante da Associação de Familiares de Desaparecidos, disse ter ficado surpreso com a "contradição" da corte:
– Não sei o que pretendem. Será necessário ver caso a caso.
A incerteza jurídica levantada por Errandonea não foi dissipada pelo porta-voz da SCJ, Raúl Oxandabarat.
– O destino de cada um dos procedimentos ou julgamentos sobre crimes da ditadura dependem do juiz da causa, e nisso a SCJ não pode intervir. Por isso, neste momento não é possível saber o que vai acontecer.
Segundo especialistas consultados pelo "El País", a decisão determina que causas judiciais abertas e nas quais não há militares processados por crimes na ditadura deverão ser arquivadas. Já as causas nas quais já há processados poderão continuar a ser investigadas.
Cerca de 200 uruguaios foram sequestrados e mortos durante a ditadura. A lei de 2011 que foi alvo da decisão do SCJ levou à prisão ditadores como Bordaberry e Gregorio Álvarez.