Marcos Ommati
Santo Domingo, dividida pelo Haiti, no lado ocidental, e pela República Dominicana a leste, era uma das muitas ilhas caribenhas habitadas pelos índios taínos à época da chegada dos Europeus, em 1492. Ayiti (“terra de altas montanhas”) era o nome indígena taíno para as montanhas no lado ocidental da ilha e que acabou inspirando como o país é chamado atualmente. Com a chegada dos colonizadores europeus, doenças e massacres dizimaram a população nativa, que foi reduzida de 500 mil para somente 60 mil habitantes em menos de 15 anos.
Séculos mais tarde, outra tragédia dizimou grande parte da população do Haiti. Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto que atingiu 7,3 graus na escala Richter sacudiu o país, deixando um rastro de morte e destruição em seu caminho. O governo haitiano estimou que o número de mortos foi superior a 230 mil e a Cruz Vermelha Internacional informou que cerca de três milhões de pessoas foram afetadas.
Cinco anos se passaram desde aquela terrível tarde de terça-feira, quando a natureza deixou o Haiti de joelhos em questão de poucos segundos. Em seguida o mundo acompanhou uma sequência de imagens chocantes, que reproduziam a devastação nos noticiários. Nos dias e semanas que se seguiram ao desastre, a comunidade solidária internacional entrou em ação.
Felizmente, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) – que celebrou seu 10º aniversário em 1º de junho de 2014 – já estava posicionada e com força total, já que sua participação nos esforços de socorro e reconstrução foi imprescindível para mitigar o sofrimento do povo haitiano.
“O treinamento realizado de forma rotineira pelos militares em todo o mundo mostrou-se muito benéfico durante a resposta ao desastre do terremoto de 2010 no Haiti. As forças militares já estavam posicionadas no país, trabalhando com a MINUSTAH. Forças militares adicionais chegaram de todo o mundo em poucos dias.
A capacidade dessas forças de definir suas responsabilidades individuais, coordenar seus esforços, apoiar uns aos outros, conversar, atuar e fazer ajustes à medida que a situação se alterava, é um tributo ao profissionalismo, ao objetivo comum de ajudar o povo haitiano, e à familiaridade que essas forças têm entre si, conquistada por meio de treinamentos conjuntos, recorrentes e combinados. A resposta teria sido muito menos eficaz sem essa interoperabilidade,” afirmou o Tenente Brigadeiro do Ar reformado Douglas Fraser, Comandante do Comando do Sul dos Estados Unidos (SOUTHCOM) na época do terremoto.
A comunidade internacional respondeu imediatamente com uma efusão de esforços de socorro e solidariedade diante da crise, enviando importante ajuda humanitária à população haitiana, em atendimento à solicitação do governo local. Foram arrecadados bilhões de dólares e agências humanitárias de todo o mundo correram para enviar pessoas para auxiliar nos esforços de ajuda e socorro. Contudo, sem uma coordenação quase perfeita entre as forças militares em solo, o governo do Haiti e as organizações não governamentais (ONGs), a tarefa de organizar a distribuição de todo o socorro teria sido dificílima, se não quase impossível.
O General de Divisão retirado Ken Keen, do Exército dos Estados Unidos e que comandou a Força-Tarefa Conjunta Haiti – com um contingente de mais de 20 mil homens –, estava em Porto Príncipe quando ocorreu o terremoto, concorda. “Diante de obstáculos tremendos e perdas de vidas significativas, as Nações Unidas e a MINUSTAH, lideradas pelo então General de Brigada brasileiro Floriano Peixoto, demonstraram o verdadeiro espírito de colaboração e coordenação ao procurarem agir de forma rápida e eficiente no talvez momento mais difícil da história do Haiti.
A resposta dos Estados Unidos, liderada pela agência USAID e apoiada pela Força Tarefa Conjunta organizada pelo SOUTHCOM, acompanhada por outros países da região e de todo o mundo, demonstrou o mesmo espírito e priorizou o trabalho conjunto e com o governo e o povo haitianos”.
Grande parte do planejamento da imensa tarefa de gerenciar e maximizar a presença de milhares de trabalhadores humanitários, que afluíram ao Haiti de diversas partes do mundo, e de encontrar a melhor maneira de distribuir alimentos e suprimentos, recaiu nas mãos do então comandante da força MINUSTAH, o atual General de Divisão retirado Floriano Peixoto. “A interoperabilidade é um requisito fundamental para alcançar o sucesso em ambientes assimétricos que caracterizam os conflitos atuais, denominados de quarta geração, seja para a aplicação do aparato militar para o enfrentamento de ameaças, ou mesmo nos cenários em que as forças trabalham na busca da estabilização de um ambiente, como ocorre no Haiti, vencidas as primeiras fases de atrito.
A interoperabilidade assegura que todos os elementos estejam sintonizados em princípios, procedimentos operacionais e capacitação técnica para o cumprimento das diversas missões que lhes são impostas. Somente a integração do esforço orientado segundo essas condições, alinhado com os mesmos objetivos, sob o exercício de fortes lideranças em todos os níveis é que se pode visualizar uma possibilidade consistente de êxito”.
“A experiência do terremoto haitiano serve para lembrar a todos nós e demonstrar a importância da interoperabilidade de nossas forças militares e a capacidade de trabalhar em harmonia com outras agências governamentais e organizações não governamentais. Quanto maior a nossa capacidade de treinar e operar em conjunto, compartilhar lições e conduzir exercícios conjuntos e combinados, melhor todos estaremos preparados para responder diante da próxima crise ou do próximo desastre”, acrescentou o General Keen.
Um aspecto positivo que o terremoto deixou em seu caminho de devastação, no entanto, foram as lições aprendidas com a experiência, aqui bem resumidas pelo General Fraser:
1. Unidade de trabalho – Construir um entendimento comum de missão, prioridades, capacidade e limitações de todas as inúmeras organizações que responderam ao desastre, e coordenar seus esforços de forma eficiente é difícil, mas fundamental para o sucesso.
2. Unidade de informação – Na atual era das comunicações, as informações fluem da área do desastre às principais cidades, ao público internacional e às organizações privadas por meio de inúmeros canais. Filtrar essa enorme quantidade de informações para formar uma compreensão das necessidades, especialmente no início, na fase de resposta, é um desafio enorme, mas uma necessidade fundamental. A eficiência do trabalho de resposta aumenta substancialmente com a velocidade com que a unidade de informação é obtida.
3. Unidade de logística – As operações de resposta a desastres dependem de logística, ou seja, a velocidade para obter o suporte certo, no lugar certo, para as pessoas certas e no momento certo. A rápida construção de um entendimento comum e a prioridade ao suporte de logística melhoram consideravelmente a velocidade e a eficiência de qualquer trabalho de resposta a desastres.
“Acrescento, ainda, a experiência no relacionamento com outros setores e representantes das Nações Unidas também mobilizados no Haiti, o que constituiu uma oportunidade excepcional para a prática do relacionamento entre órgãos, tão importante na convivência operacional da atualidade”, acrescentou o General Peixoto. “Após o terremoto, as demandas que surgiram expuseram o comandante [ da MINUSTAH ] e seus subordinados a um constante desafio de suas capacidades, direcionado à solução de situações extremamente críticas que subjugavam todos os que foram afetados pelo evento.
Nessa oportunidade, devo acrescentar a rica experiência que tive no relacionamento com contingentes militares de outros países, agências e líderes internacionais e organizações diversas, que incrementaram a ajuda humanitária ao país. O componente militar foi, de fato, o único não afetado pelo terremoto, em termos de capacidade e pronta-reposta, em que pesem as baixas ocorridas em seu efetivo. Com isso, pudemos assumir a vanguarda na prestação da ajuda humanitária imediata, além de manter o esforço direcionado para a segurança, como estabelecem os termos do Mandato da ONU.”
O terremoto devastador também ceifou as vidas de estudantes estrangeiros, de vários militares e de oficiais de polícia que serviam a MINUSTAH naquela época. “Lembro-me do Tenente-Coronel Ken Bourland, oficial da área estrangeira do SOUTHCOM e a cargo do Haiti, que estava entre as mais de 200 mil pessoas que pereceram durante o terremoto. Neste 12 de janeiro devemos fazer uma pausa para lembrarmos e lançarmos uma luz sobre o Haiti”, concluiu o General Keen.