A campanha eleitoral americana diminui o soft power (poder brando, ou poder de persuasão e influência) dos Estados Unidos, uma tendência que se mantém com o início do governo do presidente Donald Trump, afirma o cientista político Joseph Nye, da Universidade de Harvard.
"Acho que isso continua quando você olha o jeito como Trump tem usado o Twitter para publicar declarações provocativas", afirmou Nye, que é responsável por cunhar o termo soft power, em entrevista à DW. "Muitas dessas coisas não criam atração ou admiração pelos EUA."
DW: Na nossa última entrevista, pouco antes das eleições americanas, o senhor disse que Donald Trump não tinha política externa, mas atitudes. O que Trump fez desde então mudou sua impressão?
Joseph Nye: Apenas de certa forma. Ele foi questionado e teve que responder a algumas perguntas. Ele também fez indicações para cargos, algo que ajuda a dar mais detalhes. Mas, em geral, muitas de suas políticas ainda são muito vagas. Um exemplo são as mudanças climáticas: durante a eleição, ele se apresentou como um cético, mas, ao responder uma pergunta do The New York Times depois da sua vitória, disse que talvez alguma coisa esteja acontecendo. Ainda assim nomeou para chefiar a EPA [Agência de Proteção Ambiental] uma pessoa que é cética. Então é difícil saber se tal atitude se converteu em uma política.
Nós temos que esperar para ver como essa indicação vai funcionar e como a EPA vai interagir, por exemplo, com o Departamento de Estado [responsável pela diplomacia], que teve como indicado para a chefia Rex Tillerson, um ex-presidente da petroleira Exxon Mobil que, mesmo assim, diz que existe alguma influência humana nas mudanças climáticas. Então esse é apenas um exemplo de uma área para a qual sabemos qual é a atitude de Trump e na qual surgiram coisas mais específicas graças ao resultado de respostas a perguntas e indicações para cargos. Mas nós ainda não sabemos como vai ser a sua política. E isso vale para muitas outras áreas.
Se alguém tentar traduzir os comentários de Trump e suas indicações para seus ministérios em uma perspectiva geopolítica o que vai emergir é que ele essencialmente quer ser amigo da Rússia e pegar mais pesado com a China. O senhor concorda com essa avaliação e, se sim, ela é necessariamente errada?
Ele tem de fato expressado atitudes nessa linha, de melhorar as relações com a Rússia e de ser mais duro com a China. Mas, novamente, muita coisa vai depender do que isso significa. Se, por exemplo, melhorar as relações com a Rússia significa manter as sanções por causa da invasão da Ucrânia e, ao mesmo tempo, lidar dentro de um estilo de negócios com os russos em, digamos, assuntos como o Oriente Médio e a proliferação de armas, então isso é positivo. Se ele, por outro lado, desistir da abordagem comum do Ocidente em relação à Ucrânia, então penso que isso não seria saudável.
Em relação à China: se ser duro com a China significa que ele vai pressionar em algumas questões comerciais ou agir com reciprocidade diante da maneira como as empresas americanas são tratadas na China em comparação com suas equivalentes chinesas nos EUA, isso pode ser saudável. Por outro lado, se ele tentar impor tarifas pesadas contra a China – algo que ele sugeriu ao longo da campanha –, isso pode dar início a uma guerra comercial, que pode ter um efeito olho por olho. Ambos os lados estariam em desvantagem nesse caso.
O senhor também disse na sua entrevista anterior que o discurso político nos EUA durante as eleições poderia fragilizar a atração que o país exerce internacionalmente. Como o senhor pode descrever o efeito da eleição de Trump – e o que tem ocorrido desde então – para a imagem global dos EUA e sua credibilidade?
Eu ainda acredito que os EUA perderam soft power (poder de persuasão e influência) como resultado da campanha eleitoral e da qualidade do discurso político. E acho que isso continua quando você olha o jeito como Trump tem usado o Twitter para publicar declarações provocativas que tem como objetivo manipular a imprensa. Muitas dessas coisas não criam atração ou admiração pelos EUA. Por outro lado, ainda é um fato que, apesar das diferenças políticas – que são mesmo consideráveis – os EUA continuam sendo uma sociedade estável, na qual a transição é resultado das urnas e não de balas. Acho que isso tem algum efeito sobre reforçar a atração pelos EUA. Mas, em geral, penso que a pobreza da qualidade do discurso provavelmente fragilizou o soft power americano.
Já que o senhor mencionou o Twitter, o que pensa sobre sobre a inédita "diplomacia pelo Twitter" que vem sendo executada por Trump?
Isso é algo que não era considerado como o comportamento presidencial no passado. É verdade que presidentes como Obama usaram o Twitter, mas as publicações não passavam de informes sobre a política do governo, elaborados por uma equipe. Já Trump comanda sua conta no Twitter de maneira solitária, e isso frequentemente acaba gerando publicações raivosas e provocativas que têm por objetivo chegar ao público passando por cima da imprensa – e dessa maneira manipular a imprensa. É um uso diferente das mídias sociais, especialmente do Twitter, em comparação com o que vimos antes. E parece que isso deve continuar durante o seu governo.
O senhor acha que isso é, ou deveria ser, viável quando ele finalmente virar presidente?
Penso que Trump foi um candidato fora do comum quando se vê a maneira como ele usou o Twitter e a mídia em geral. E suspeito que ele vai ser um presidente pouco convencional em sua forma de governar. Se você olhar para o fato de que a sua coletiva de imprensa foi a primeira em seis meses, isso é incomum. Se você olhar para o uso constante do Twitter de forma pessoal, isso também é incomum. Acho que podemos esperar que a natureza pouco convencional da sua campanha vai continuar durante a sua presidência.
Algumas pessoas expressaram preocupação de que essa tendência de tuítar frequente e rapidamente pode vir a provocar conflitos internacionais ou crises. Qual é a sua opinião?
Acho que vai tornar algumas coisas mais difíceis de se lidar, já que é difícil sintetizar uma política nuclear em 140 caracteres. Por outro lado, apesar de achar que isso vai criar dificuldades de interpretação para o Departamento de Estado e chancelarias de outros países, isso não deve necessariamente provocar crises.
Muitos parceiros tradicionais dos EUA na Europa, como a Alemanha, estão extremamente preocupados com o governo Trump e ainda não sabem como lidar com ele. Qual é seu conselho?
É preciso paciência para tentar entender esse novo fenômeno. Em relação aos parceiros da Otan e o Japão, esse novo governo ainda está em compasso de espera. Os indicados de Trump têm tentado expressar para seus aliados que a retórica de campanha sobre se retirar de alianças não é provável. Também dizem que o sistema de manutenção de alianças internacionais que tem sido fundamental para a ordem internacional desde 1945 provavelmente vai se manter.
Mas o que isso realmente significa na prática? A resposta: nós ainda não sabemos. Então, neste momento, penso que é crucial não reagir de forma exagerada. É preciso usar a paciência e responder a interesses específicos, se estiver claro que interesses são esses.