Patrícia Campos Mello
SÃO PAULO
O governo Bolsonaro deve iniciar uma abertura inteligente do mercado brasileiro para os produtos americanos, e isso deve reduzir o apetite em Washington para adoção de tarifas como as impostas sobre aço e alumínio no início do ano.
Essa é a opinião de Thomas Shannon, que foi embaixador no Brasil durante quase quatro anos (2010-2013) e ocupava o terceiro mais alto cargo do Departamento de Estado dos EUA até o início deste ano.
“Acredito que o presidente eleito e sua equipe entendem que, ainda que seja importante vender commodities para a China, o tipo de relação econômica que o país tem com os EUA oferece muito mais para o futuro do Brasil”, disse Shannon, que hoje é assessor para política internacional no escritório Arnold & Porter. Ele virá ao Brasil para participar de uma conferência da Fundação FHC, no dia 29.
O assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, virá ao Brasil na semana que vem para se reunir com o presidente eleito, Jair Bolsonaro. O que podemos esperar das relações entre Brasil e EUA daqui para frente? O presidente Trump e o presidente eleito deram um tom muito positivo a suas primeiras comunicações e têm se empenhado bastante, o que é muito importante. Parece haver um alinhamento de interesses entre os dois e o assessor de segurança nacional irá ao Brasil para dar início a uma conversa mais ampla com Bolsonaro e sua equipe. (ver John Bolton vistará Bolsonaro dia 29 no RJ Link)
Em quais áreas governos anteriores não conseguiram avançar e, agora que os dois presidentes têm afinidade, pode haver progressos? As áreas que têm potencial de avanço continuam as mesmas. Uma delas é, obviamente o comércio. Brasil e EUA precisam focar em investimento e acesso a mercado. Transferência de tecnologia e proteção de propriedade intelectual também são prioridades. Há espaço para uma cooperação em segurança, envolvendo as Forças Armadas dos dois países. Podemos expandir programas de treinamento, desenvolvimento de tecnologia militar e de armamentos. No campo político, a Venezuela é certamente a questão maior e mais premente, mas é preciso falar sobre a China.
Integrantes do governo Trump têm manifestado preocupação com a expansão da influência da China na região.
Sabemos que o comércio com a China tem sido importante para o Brasil e outros de nossos parceiros tradicionais na América do Sul. Mas os EUA ainda são o principal parceiro comercial do Brasil em produtos com alto valor agregado, o comércio entre Brasil e EUA está muito mais no século 21, porque se concentra em produtos industrializados, conexão de cadeias de valor, e traz enormes benefícios. Acredito que o presidente eleito e sua equipe entendem que, ainda que seja importante vender commodities para a China, o tipo de relação econômica que o país tem com os EUA oferece muito mais para o futuro do Brasil.
O sr. afirma que comércio é uma das prioridades, mas Trump impôs tarifas sobre alumínio e aço brasileiros no primeiro semestre (parte transformada em cotas) e estuda adotar sobretaxas sobre carros. Como é possível Bolsonaro convencer seu público doméstico sobre a necessidade de abrirmos o mercado para os EUA?
O mercado brasileiro é relativamente fechado. Vejo o presidente eleito como alguém que reconhece a importância de iniciar uma abertura da economia brasileira, de forma inteligente, e enxerga que isso trará enormes benefícios para o país como crescimento econômico, aumento de produtividade e custos menores. Há espaço para essa abertura e acho que ela reduziria o apetite de Washington e da Casa Branca de usar instrumentos como tarifas e cotas. Além disso, muitas empresas brasileiras investiram pesadamente nos EUA para ter acesso direto ao mercado, e, de certa maneira, antecipando esses obstáculos.
O sr. acompanhou de perto os acontecimentos dos últimos anos na Venezuela. O que o Brasil poderia fazer, que ainda não está fazendo?
No último um ano e meio, o Brasil desempenhou um papel muito importante, por meio da OEA e do Grupo de Lima. É importante haver coerência nas ações da região, e a conversa entre Bolsonaro e Bolton será importante para isso. Tanto o Brasil como os EUA querem continuar pressionando o governo venezuelano a permitir a entrada de ajuda humanitária.
O governo americano sempre insiste para que o Brasil adote sanções contra Caracas, como fizeram EUA e UE. O sr. acha que agora o Brasil pode estar disposto a esse passo?
Isso depende da estrutura de sanções do país, não sei até onde o Brasil pode ir nesse sentido. Mas o Brasil tem investimentos significativos na Venezuela e é um grande fornecedor de alimentos, ou seja, tem outras alavancas que pode usar.
O Brasil, entre Pequim e Washington Bolsonaro precisa escolher entre eles?
Clóvis Rossi
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, perdeu uma oportunidade de ouro para definir prioridades na relação com a China ao não aceitar o convite de Michel Temer para acompanhá-lo à cúpula do G20 na próxima semana em Buenos Aires. É compreensível que Bolsonaro não vá, pelo incômodo que causa a bolsa de colostomia que tem que carregar.
Mas, se pudesse ir, testemunharia ao vivo e em cores o previsível choque de trens entre Donald Trump e Xi Jinping em torno da guerra comercial em curso. O anunciado encontro entre os dois mandatários é o grande assunto do G20.
É pouco provável, no entanto, que haja um desenlace qualquer nesse tipo de reunião, por mais que Trump seja tão imprevisível e instável que, de repente, abraça e beija Xi e dá a guerra por encerrada, claro que com vitória dos EUA.
O mais lógico, no entanto, é que a disputa continue e force o governo Bolsonaro a definir-se. Por enquanto, o que se tem é uma frase de Bolsonaro crítica à China: “A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil”.
Não é bem verdade, mas, de fato, a China investiu mais de US$ 20 bilhões (R$ 75 bilhões) no Brasil entre 2016 e 2017. Em contrapartida, é, desde 2009, o mais importante parceiro comercial do país, tendo importado em torno de US$ 47 bilhões neste ano (R$ 178 bi), mais do que o dobro do que os EUA compraram no Brasil.
“O investimento da China e o comércio são cruciais para manter a economia brasileira à tona”, escreve para Americas Quarterly Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na FGV-SP.
É razoável supor que o vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, tenha esses dados na cabeça porque, em entrevista ao Financial Times, desqualificou a retórica do seu superior hierárquico: “Às vezes, o presidente tem uma retórica que não combina com a realidade. A China não está comprando o Brasil porque ninguém pode comprar o Brasil”.
Mourão defende a tradição pragmática da política externa brasileira e sugere manter o equilíbrio no que toca à relação com a China.
É o mais sensato a fazer, até porque China e EUA são os dois mais importantes parceiros comerciais do Brasil. Não faz sentido alinhar-se incondicionalmente a um ou ao outro.
Que se mantenham as melhores relações com os Estados Unidos é inevitável. Não seria, aliás, nada mais do que uma continuidade do que ocorreu desde o governo Fernando Henrique Cardoso, salvo um breve intervalo quando se revelou o grampo no telefone da então presidente Dilma Rousseff.
Mais complicado é definir o relacionamento com a China. A guerra comercial entre chineses e americanos é apenas a parte mais visível de uma disputa pela liderança global.
O New York Times publicou nesta quarta-feira (21NOV2018) amplo levantamento sobre a chamada “Belt and Road Initiative”, plano chinês para criar vasta rede de comércio, investimento e infraestrutura “que remodelará laços financeiros e geopolíticos —e trará o resto do mundo para mais perto de Pequim”.
O Brasil necessita desesperadamente de investimento em infraestrutura e de vender ainda mais à China (e a outros países, claro). O problema é saber quão perto quer ficar de Pequim e se essa proximidade o afastará de Washington.
Não é jogo para amadores.
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