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SOMÁLIA – A BATALHA DO CHECKPOINT PASTA. PRELÚDIO AO BLACKHAWK DOWN

“A BATALHA DO CHECKPOINT PASTA”.

PRELÚDIO AO BLACKHAWK DOWN.

A Somália, na era moderna, é visceralmente ingovernável. As múltiplas facções tribais inconciliáveis, a corrupção pervasiva e a tendência perene de alimentá-la e dela participar, tornou a Somália isolada, caótica e famélica. O New York Times classificou o éthos somali como “individualismo legendário”; os somalis foram os primeiros homens a domesticar o camelo por volta de 2.500 a.C. Em 1995, o General Colin Powell disse da Somália: “A situação tornou-se confusa quando nós decidimos, a ONU decidiu, que poderíamos ditar aos Somalis um modo de vida democrático de convivência em paz. Neste momento, perdemos autoridade …”

 

Frederico Aranha

 Pesquisador independente

Advertência: tradução livre

No começo do século XX, os Derviches somalis repeliram com sucesso quatro operações militares do Reino Unido, menosprezando a força e a fama do Império Britânico, então no ápice; o movimento derviche somali ‘Halgankii Daraawiishta’ foi uma resistência armada às potências coloniais no Chifre da África, particularmente aos britânicos, entre 1899 e 1920.

A República da Somália foi formalmente criada em 1960, pela confederação do protetorado britânico, Somalilândia, e antigas colônias italianas – Sultanatos de Hobyo e de Majeerteen. O Conselho Supremo Revolucionário tomou o poder em 1969 e estabeleceu a República Democrática da Somália.

 

Estes franzinos somalis foram formidáveis adversários nos conflitos do final do século XIX e início do XX.

Mohamed Siad Barre, Presidente da Junta de Governo, assumiu o poder, governando como ditador até 1991, quando foi deposto em consequência de sangrenta guerra civil. A política de governo de Barre era por ele classificada como "socialismo científico”, sem caracterizar o que realmente significava. Na realidade, era uma combinação excentrica de Islamismo e Marxismo, somada a algum nacionalismo somali para torna-lo palatavel ao povo. Abrigava o “pior conjunto de regras de direitos humanos em África” sem paralelo no Continente. A ditadura somali era brutalmente opressora e sanguinária.

Em 1980, vários clãs passaram a exigir mais autonomia, particularmente na região do norte do país (que inclui a antiga Somalilândia britânica). Barre enviou tropas para reprimir a ferro e fogo os grupos pró-independência, porém sem sucesso; após dez anos de violentos conflitos e matanças generalizadas, entremeados por tréguas em regra não respeitadas, as milícias rebeldes penetraram em Mogadíscio em 1991, pondo fim ao seu governo.

Depois da expulsão de Barre, a Somália deixou de ter um Governo formal. A Governança consistia em algo como um sistema feudal dirigido pelos clãs, pela religião e pelas conexões tribais; o resultado foi o caos total e o surgimento de uma crise de fome sem precedentes; mais de dez por cento das crianças somalis com idade inferior a cinco anos morriam de fome. O mundo, por meio da ONU, organizou-se para prover ajuda humanitária. Este movimento universal de doações converteu-se, na verdade, numa péssima ideia.

O planeta mandou mantimentos massivamente para aplacar a fome do povo somali, mas os Senhores da Guerra, armados até os dentes, apetrecharam as cargas de alimento para aumentar o poder dos seus pequenos feudos. Sob o comando da ONU foram deslocadas forças militares para a Somália, num esforço para estabilizar suficientemente uma situação sem controle, de modo a distribuir os alimentos e mitigar a fome reinante. As milícias reagiram roubando as cargas, atacando as tropas da ONU e tornando a vida desesperadora para todos.

Alimentos foram doados mundo afora e distribuídos pela ONU. Todavia, os Senhores da Guerra usaram a fome como arma para controlar a população.

 

O aspecto formal e plácido de Mohamed Siad Barre dissimulava um inveterado “açougueiro”.

 

A ONU INTERVÉM. “ITALFOR” – O CONTINGENTE ITALIANO.

 

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Os italianos estavam amplamente apoiados por forças blindadas orgânicas, ao contrário dos americanos que os substituíram.

Os italianos chegaram em 1993 prontos para agir. Deslocaram tropas paraquedistas, alpini, bersaglieri, carros de combate M-60, viaturas blindadas e ‘tank destroyers'. Tratava-se do primeiro engajamento importante envolvendo tropas italianas após a IIª GM. A missão tomou o codinome de ‘Operation Kangaroo 11’. O comando italiano dispôs suas forças mecanizadas em duas colunas, que penetraram em força no Distrito Haleiwa, grande mercado público no norte de Mogadíscio, em 07 de abril de 1993.

O objetivo era desarmar as forças leais ao Senhor da Guerra local, General Mohamed Farrah Aidid e sua Aliança Nacional Somali. Aidid cursara a Academia Militar M.V. Frunze, na União Soviética;  comandava o poderoso clã Habar Gidir, bem como toda a região em torno da capital desde os tempos da ditadura de Barre, embora sua influência se estendesse por todo o país; tal como Barre, era um carniceiro.

Como parte da operação, os italianos implantaram um ‘checkpoint’ numa bifurcação com base de apoio, apropriadamente, numa antiga fábrica de massas. Os consequentes choques sangrentos ficaram conhecidos como “A Batalha do Checkpoint Pasta”.

Vista aérea do Checkpoint Pasta

 

ARMAMENTO PESSOAL DA MILÍCIA SOMALI

O jovem acima está armado com uma “singular peça de ferro”. É um AK-47 com a culatra usinada (1954-1959), a coronha dobrável removida e carregadores unidos por fita adesiva. É de notar a posição do dedo do gatilho, demonstrando disciplina de tiro.

Esta zona da África, tem sido inundada com armas de todo tipo há décadas. Originalmente, a Somália esteve alinhada com o bloco soviético até o final dos anos 1970, quando o ditador Barre, abruptamente, fez um expurgo no governo e nas milícias leais, aderindo com ressalvas à política Ocidental para a região. Em consequência, o mercado de armas portáteis somali é uma cornucópia de armas provenientes de todo o mundo. Por exemplo, fuzís FN FAL, HK G3, M16, AKs47 soviéticos/russos – lotes e lotes de AKs. Metralhadoras de uso geral PKM soviéticas/russas e chinesas em grande quantidade fazem parte do arsenal somali.

 

Miliciano somali com um lança-rojão RPG-7.

 

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O RPG-7 pode disparar vários tipos de granadas-foguete, desde as anticarro e antipessoal, passando pelas anti búnkers.

 

Esta arma, criada na União Soviética, é uma evolução do lança rojão ‘Panzerfaust’ alemão da IIª GM e tem sido largamente empregada em múltiplas áreas do mundo nos mais diferentes conflitos, contra tropas, carros de combate, viaturas blindados ou não, helicópteros, fortificações, com marcante resultado. A rusticidade, simplicidade e efetividade do RPG-7 tornou-o a arma anticarro mais empregada no mundo e altamente eficaz no combate aproximado e no urbano. Atualmente, é dotação de forças militares de cerca de 40 países, sendo que é fabricado com variações em nove deles. É extremamente popular entre forças irregulares e guerrilheiras. Tem sido usado em todos os conflitos, através de todos os continentes, desde meados dos anos 1960 até a Guerra Civil em andamento na Síria.

É extremamente fácil de operar por qualquer atirador, mesmo aqueles sem maior experiência. Para se ter uma ideia, um atirador iniciante pode acertar um alvo em movimento até 100 metros; já um mais experiente pode acertar um alvo imóvel até 500 metros e em movimento até 300 metros. Na Batalha de Mogadíscio em 1993, a milícia somali derrubou dois helicópteros Blackhawk americanos empregando o RPG-7, além de danificar ou destruir inúmeros carros blindados leves ‘Humvee’ 4X4 e outras viaturas.

CONCLUSÃO

Culminando seu movimento de ataque à ITALFOR, a milícia usou mulheres e crianças como escudos humanos e investiu contra as duas colunas mecanizadas. Os somalis engajaram as viaturas blindadas de transporte de pessoal VCC-1 Camillino (carros M-113 americanos otimizados) com lança-rojões RPG-7, imobilizando alguns deles. Entrementes, montaram fortes barricadas nas ruas circunvizinhas, guarnecidas por gente armada com tudo que tinham. O resultado foi um épico tiroteio a curta distância numa das áreas mais convulsionadas do planeta. O avanço das duas colunas ficou bloqueado e a situação tornou-se extremamente delicada para os italianos.

Baixas começaram a ocorrer; nesta altura do conflito, o comando da operação deslocou da retaguarda em direção ao ‘checkpoint’ oito carros de combate M-60, sete ‘tank destroyers’ B1 Centauro e vários viaturas blindadas leves Fiat 6614 4×4, estacionado-os perto do pastifício, de onde abriram fogo com armas automáticas.

Ao mesmo tempo, helicópteros italianos UH-1H Huey armados, juntamente com helicópteros de ataque Agusta A129 Mangusta, se juntaram à ação. Os carros de combate e os ‘tank destroyers’ também passaram a disparar com munição explosiva seus canhões 105 mm contra containers marítimos usados pela milícia como cobertura e proteção. Por causa deste ataque, somalis foram mortos ou feridos, refreando o entusiasmo da milícia. Um dos Mangustas destruiu com um míssil AC TOW uma viatura blindada Iveco VM 90 capturada pela milícia.

A Batalha do Checkpoint Pasta tem sido considerada uma derrota dos italianos, mas isto não condiz com a realidade dos acontecimentos. A milícia somali conseguiu bloquear e cercar a força italiana. Ocorre que os italianos abriram caminho num ambiente caótico para uma posição segura, onde se reagruparam para uma ataque decisivo, que foi cancelado pelo comando da ONU. Os italianos reuniram sua gente e seus equipamentos e foram para casa. Ao passo que sofreram baixas de três mortos e vinte e dois feridos, as perdas somalis somaram centenas de mortos e feridos civis e das milícias.

A Batalha do Checkpoint Pasta estabeleceu o modelo para a desgastante luta urbana que envolveria as forças americanas de elite três meses depois na chamada Batalha de Mogadíscio. Foram dois dias de ferozes combates e de um banho de sangue impressionante contra forças comandadas por Aidid, o mesmo senhor da guerra que enfrentara os italianos; estes acontecimentos foram traduzidos em livro e no filme ‘Blackhawk Down’. Os americanos sofreram dezenove mortos e setenta e cinco feridos contra, possivelmente, mais de um milhar e meio de milicianos somalis e civis abatidos.

Um dos aspectos mais bisonhos do combate foi que as forças americanas não tiveram apoio de forças blindadas. Ao contrário do contingente italiano, o governo americano de Bill Clinton avaliou, erradamente, que a inclusão de blindados na luta contra milícias poderia chocar a opinião pública mundial. Esta decisão forçou parte da tropa americana a retirar-se do campo de luta a pé, combatendo para sobreviver. E o desastre não foi maior, porque o grosso da força americana teve a proteção de unidades blindadas paquistanesas da ONU para voltar à base.

Exatamente um ano após a retirada total das forças da ONU, o poderoso General Mohamed Farrah Aidid morreu de ataque cardíaco na mesa de cirurgia, durante atendimento para tratar ferimentos graves sofridos em luta contra facções rivais. Curiosamente, seu filho Hussein Mohamed Aidid havia emigrado para os Estados Unidos em 1979 com a idade de 17 anos e era um veterano do ‘US Marine Corps’. Hussein retornou à Somália após a morte do pai, assumindo a liderança da Aliança Nacional Somali e o comando das milícias do clã Habar Gidir, alçando-se a “Presidente Interino” da República Democrática da Somália; todavia, renunciou em 1997. As últimas forças militares da ONU haviam deixado a Somália em março de 1995. A partir daí, a Somália tornou-se um dos lugares mais deletérios do mundo.

FONTES DE CONSULTA

https://virtualglobetrotting.com/map/check-point-pasta-2-7-1993-moga

dishu/

https://www.infiltrato.it/sicurezza/checkpoint-pasta-folgore-video/

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Os senhores das ruas na Somália.

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