Em dois anos, muitos analistas passaram da euforia ao descrédito sobre a América Latina, afirma Enrique Garcia, presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). E isso, segundo ele, piora com a situação política, que se apresenta como o maior risco para a região.
Sem entrar no mérito do impeachment de Dilma Rousseff, o economista, cuja instituição aprovou no total US$ 12,2 bilhões (R$ 39,9 bilhões) em projetos no ano passado, lembra que os prognósticos agora são sombrios e adverte: um Brasil que cresce pouco não é um problema apenas para os brasileiros, mas para todo o continente.
— Para mim, o maior risco para a América Latina é sua situação política — afirmou o presidente ao GLOBO, na sexta-feira, em Washington, onde o CAF fez seu seminário anual. — E os desafios do Brasil são os mesmos da região: restabelecer a estabilidade política e o diálogo. Não vou entrar no juízo de valor do que aconteceu no país (impeachment de Dilma Rousseff ), mas a missão deste novo governo é avançar para evitar que existam graves desequilíbrios macroeconômicos, além de criar uma agenda, para que a administração seguinte chegue com algum espaço de ação, além de atrair investimentos.
Garcia afirma que a falta de uma agenda de longo prazo é um dos principais problemas da região, e a crise política que afeta todos os países latinos de alguma maneira é o que mais impede este planejamento. Ele diz que é necessário fazer isso em um ambiente democrático, onde a ideia de país supere as disputas partidárias.
Somente com o retorno da confiança da sociedade nas instituições, que precisam de mais transparência e controle, será possível começar a mudar o prognóstico da região — que, segundo ele, não deve crescer mais que algo entre 2%e 3% ao ano nos próximos cinco anos, o que considera insuficiente para atingir o objetivo de reduzir o atraso latino em relação às economias desenvolvidas.
O presidente do CAF lembra que a América Latina segue como a parte mais desigual do mundo e que há um risco muito grande de que as pessoas que subiram para a classe média nos últimos anos regridam à pobreza caso a situação piore.
Se o crescimento chinês e o apetite do país por produtos básicos geraram uma época de bonança para os países da América Latina, agora a região paga por não ter diversificado a economia, quando os preços destes produtos estão baixos. Isso explica parte dos problemas fiscais, ainda mais graves no Brasil, que vive uma das maiores recessões de sua história.
Parceria com Bancos do BRICS
Assim, na opinião de Garcia, o ajuste fiscal que o Brasil tem de fazer deve levar em conta a necessidade de investimentos para reposicionar o país, que precisa apostar em produtos de maior valor agregado, não apenas em matéria prima.
— Hoje, na média, a taxa de investimento da América Latina está em 20% do PIB. Precisamos de algo entre 26% e 27% para que a região cresça de forma sustentável, acima de 5% ao ano, para reduzirmos as distâncias dos países industrializados até 2030 — disse ele, boliviano que há 20 anos preside a instituição. — Mas o grande desafio é a baixa taxa de poupança dos nossos países. Até podemos aumentar isso um pouco, mas precisaremos atrair capital privado e investimentos externos.
Neste contexto, ele acredita que o CAF pode auxiliar. O banco — que já administra operações de crédito de US$ 2,6 bilhões no Brasil, e está preparando ou estudando outras frentes que podem somar US$ 3,3 bilhões em projetos —, quer intensificar sua atuação no país. Além de criar um fundo de investimento, a instituição está fazendo parcerias com o Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado banco dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para criar formas alternativas de captação de recursos: — Podemos não só entrar com recursos, mas com nossa atuação atrair fundos de pensão, bancos e instituições estrangeiras — afirmou ele.
— Nosso desafio é grande: precisamos duplicar os investimentos em infraestrutura e logística, e agora sem descuidar da sustentabilidade social e ambiental dos projetos.
Além disso, Garcia diz ser necessário relançar os projetos de integração da região, de forma mais pragmática, citando os impasses do Mercosul e da Unasul. Ele afirma que os líderes da região precisam de planos que durem mais que um ou dois mandatos presidenciais.
Segundo o boliviano, só a volta da credibilidade nas instituições permitirá um avanço duradouro: — Vemos um movimento nacionalista em vários locais, mas isso não vai durar — disse ele, que não se mostrou muito preocupado com uma eventual eleição de Donald Trump, que faz toda campanha baseado no nacionalismo, no protecionismo e na aversão aos latinos: — Em política tudo pode acontecer e, se há algo realmente bom nos Estados Unidos, é a força de suas instituições, com um legislativo poderoso e um Judiciário independente. O poder executivo não pode fazer o que quiser.