Durante horas, Robeson Arthiste arrastou-se pela terra, marchou "esquerda, dois, três, quatro", se escondeu atrás de arbustos apontando uma arma imaginária e fez caretas quando uma lâmina de barbear tirou cada fio de cabelo de sua cabeça, deixando um fio de sangue.
Encharcado de suor e lama após os treinos com alguns companheiros, ele disse que estava pronto para entrar para as forças armadas do Haiti – isto é, se houvessem forças armadas no país. "As coisas não estão fáceis aqui no Haiti", disse Arthiste, 35, que, como muitos dos futuros militares, está desempregado. "Precisamos de algo para fazer."
Se esse algo para fazer for fazer parte de um novo Exército, tanto o Haiti quanto o exterior ficaram alertas. As forças militares do país foram dissolvidas por abusos dos direitos humanos em 1995 pelo presidente Jean-Bertrand Aristide, após anos de turbulência política, tornando o Haiti um país sem Exército.
Mas agora o presidente Michel Martelly está comprometido com o retorno das forças, apostando em um plano para reconstituir os militares haitianos como uma espécie de guarda nacional ou força de defesa civil para complementar a fraca polícia nacional.
Sua proposta de US$ 95 milhões inclui uma equipe inicial de 3,5 mil patrulheiros na fronteira, que ajudaria a acalmar a agitação civil e criaria empregos necessários para os jovens. Ele deixou de lado US$ 15 milhões para compensar ex-soldados que há muito se queixam de não receber pensão.
Um rascunho da proposta circulou no mês passado entre diplomatas de países doadores e foi vazado, um sinal de inquietação entre muitos que se lembram do envolvimento dos militares em golpes e questionam a sua prioridade em um país que ainda se recupera do terremoto de janeiro de 2010.
Mesmo os membros do Parlamento que apoiam a ideia como uma questão de orgulho nacional – e, como muitos cidadãos aqui, estão frustrados com a alta criminalidade – duvidam do apoio para financiar a proposta. A Constituição exige uma força de defesa armada, então Martelly pode já ter a autoridade legal de que precisa. Na verdade, ex-militares argumentam que eles tecnicamente seguem em serviço. Mas os membros do Parlamento acreditam que eles controlariam algo muito mais importante: os fundos.
"Nossos generais começaram em 1804", disse Jean Rodolph Joazile, um ex-oficial militar e presidente do Senado, referindo-se à rebelião de escravos que deu origem à independência do país da sua metrópole, a França. "Mas o Exército a que eu pertencia não era profissional. Agora temos de ver quais são as nossas necessidades. Existe necessidade de termos um Exército agora?"
As Nações Unidas há muito tempo planejam eventualmente substituir as forças de paz alocadas no país com uma força de polícia nacional fortificada, e nesse mês o Conselho de Segurança cortou o tamanho máximo do contingente de paz de 13.331 para 10.581. Mas o terremoto atrasou o desenvolvimento da força policial, que está em 10,2 mil para uma população de 10 milhões, menos de metade do tamanho que deveria ser, disse o chefe de polícia, Mario Andresol.
Andresol, também um ex-oficial do Exército, se recusou a dizer se apoia o projeto de Martelly, mas disse: "Precisamos desenvolver a força policial para ver até onde podemos ir com o que temos."
A ONU decidiu reduzir suas forças de paz para os níveis pré-terremoto – uma decisão a que Martelly se opôs dado os persistentes problemas com crimes – e o sentimento popular sobre eles piorou. Acredita-se que uma unidade do Nepal trouxe a cólera para o país, enquanto forças de paz do Uruguai são acusadas de abusar sexualmente de um homem de 18 anos de idade. Ambas as questões têm levado a protestos no país.
Essa corrente de desconfiança e a animosidade ajuda a alimentar os grupos de ex-soldados e aspirantes, além de reforçar Martelly, que fez sua campanha com promessas de reduzir a influência internacional e restaurar o orgulho do Haiti. Ele enviou uma mensagem ao Parlamento que planeja nomear um general em 18 de novembro, um feriado militar, embora não tenha anunciado formalmente seu plano.
Martelly, que abandonou a academia militar nacional, visitou um grupo informal em novembro, em um acampamento perto daqui, como candidato presidencial e foi recebido com uma cerimônia de saudações e desfiles, disse Nestor Appolon, o comandante do grupo.
"Ele veio para nos alegrar e encorajar e disse que apoia um Exército", disse Appolon, da Coordenação Nacional das Forças Militares Reestruturadas, que começou como um acampamento para sobreviventes do terremoto coordenado por ex-oficiais militares e hoje é um dos vários grupos vagamente ligados que pedem o novo Exército.
Arthiste pertence a outro grupo, a , que treina semanalmente com base em uma boate abandonada nos arredores de Porto Princípe, a capital. Ele também é liderado por ex-oficiais militares, que insistem que seu único objetivo é ajudar a reconstruir e proteger o país, não desestabilizá-lo.
Eles não mencionam a questão das armas. Nenhuma arma foi vista durante uma sessão de treinamento na semana passada, mas um dos líderes do grupo, Daniel Esperance, 53, um antigo cabo, disse: "Nós não temos armas agora, mas um dia, se estivermos em perigo, vamos encontrá-las."
O treinamento com armas parecia uma preocupação distante durante a sessão no fim de semana. Os recrutas tiveram bastante dificuldade de marchar no tempo, com muitos tendo que pagar pelo erro em flexões.
Alguns inicialmente resistiram antes de sucumbir à navalha para que suas cabeças fossem raspadas. "Este é um movimento tet kale!", disse um dos "barbeiros", usando o termo para designar cabeça careca e que também é o apelido de Martelly.
Esperance disse que os membros – cerca de 2 mil, ele estimou, embora cerca de 100 estivessem presentes para a formação no sábado – doam o que podem para o almoço e uniformes, calças de camuflagem, cinza, camisetas e botas.
Os recrutas pareciam tão interessados no emprego futuro quanto em defender o país. Muitos deles não saíram da escola há muito tempo e disseram nunca ter tido um emprego formal, algo comum em um país onde cerca de dois terços da população está desempregada. "Somos pessoas pobres, precisamos de renda", disse Frederic Markendy, 28. "O Exército é um caminho. O que faz um país? Um Exército."
Por Randal C. Archibold