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Rússia sinaliza mudança tática na invasão da Ucrânia

As forças russas na Ucrânia parecem ter mudado de foco, deixando em segundo plano uma possível ofensiva terrestre contra Kiev para, em vez disso, priorizar o que Moscou chama de "libertação" da região separatista de Donbass, parcialmente controlada por forças pró-russas, sugerindo uma nova fase da guerra. 

Parece muito cedo para se saber se isso indica uma redução das ambições do presidente russo, Vladimir Putin, na Ucrânia, mas movimentos militares russos nesta semana indicam um reconhecimento da resistência surpreendentemente robusta dos ucranianos. 

As forças de Putin estão sob grande pressão em muitas partes do país, e os Estados Unidos e outras nações estão acelerando as transferências de armas e suprimentos para a Ucrânia. 

Nos últimos dias, autoridades dos EUA. disseram que veem evidências de que defensores ucranianos partiram para a ofensiva de forma limitada em algumas áreas. 

O vice-chefe do Estado-Maior da Rússia, Sergei Rudskoy, informou que o exército russo teria cumprido "o objetivo principal da primeira fase" do que Moscou chama de "operação militar especial" na Ucrânia e que se concentrará em "libertar" a região de Donbass, no leste do país. 

Ceticismo ucraniano

Os militares ucranianos receberam com ceticismo o anúncio russo e afirmaram que ainda acreditam que um ataque em larga escala das tropas russas a Kiev é possível.

"Para este fim, o inimigo continua a reunir grande quantidade de tropas", disse o chefe do Estado-Maior do Exército da Ucrânia, Olexander Grusewitsch. Recentemente, as tropas ucranianas conseguiram recapturar várias posições e cidades nos arredores de Kiev.

Um relatório de inteligência do Ministério da Defesa do Reino Unido divulgado neste sábado (26/03) alerta que a Rússia provavelmente continuará a "usar seu poder de fogo pesado em áreas urbanas, pois procura limitar suas próprias e já consideráveis perdas". 

O texto diz que em mais de um mês de combates, as tropas russas não conseguiram capturar e manter nenhuma grande cidade ucraniana, embora vários centros importantes, incluindo Kharkiv, Chernihiv e Mariupol, permaneçam sob cerco. 

O relatório de inteligência afirma que as forças russas estariam confiando principalmente no uso indiscriminado de bombardeios aéreos e de artilharia "na tentativa de desmoralizar as forças de defesa", em vez de operações de infantaria em larga escala dentro das cidades. Essa estratégia viria "à custa de mais baixas civis", acrescentou o documento.

"Golpes poderosos" contra os russos

Em uma mensagem de vídeo divulgada na madrugada deste sábado, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, voltou a pedir conversações ”sérias” com a Rússia. Ele afirmou que a resistência das tropas ucranianas está levando a liderança russa a "uma ideia simples e lógica: conversas é necessário". Ele enfatizou que, nas negociações, a Ucrânia não abrirá mão de sua soberania e e integridade territorial. 

Zelenski agradeceu aos ucranianos que lutam contra a invasão russa, afirmando: “Na semana passada, nossas heroicas forças armadas desferiram golpes poderosos no inimigo, perdas significativas”. Ele disse que mais de 16 mil russos foram mortos, incluindo comandantes. A Rússia diz que 1.351 de seus soldados morreram em combate.

Campanha de retirada de Mariupol

O governo francês planeja, em cooperação com as lideranças de Turquia e a Grécia, uma campanha humanitária de retirada de cidadãos de Mariupol. 

O anúncio foi feito pelo presidente francês, Emmanuel Macron, após a cúpula da UE em Bruxelas. Ele afirmou que já existem conversas concretas com o prefeito da cidade e com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. Segundo Macron, também é necessário obter um acordo com a Rússia, cujas tropas estão sitiando a cidade há semanas. 

A vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, afirmou que neste sábado foi alcançado um acordo sobre o estabelecimento de 10 corredores humanitários para a retirada de civis dos pontos críticos da linha de frente nas cidades ucranianas. 

Falando na televisão estatal, ela disse que os civis que quiserem deixar Mariupol terão que fazê-lo em veículos particulares, já que as forças russas não permitiriam que ônibus passem por seus postos de controle ao redor da cidade portuária. 

Segundo o presidente Zelenski, a situação na cidade continua "absolutamente trágica". Em uma mensagem de vídeo divulgada na madrugada deste sábado, ele acusou a Rússia de bloquear a ajuda a civis em Mariupol. Até agora foi possível retirar pouco mais de 26 mil civis da cidade. 

Luta por retomada de Kherson

De acordo com um funcionário do Departamento de Defesa dos EUA, as forças ucranianas estão lutando para retomar dos russos a importante cidade de Kherson, no sul. Segundo a fonte, os militares russos não teriam mais controle sobre a cidade como antes, que é, por isso, agora considerada novamente uma "área contestada". 

Kherson é uma cidade portuária estrategicamente importante, por estar no início do delta do estuário do Dnipro. Segundo o membro da Defesa americana, se os ucranianos conseguirem recapturar a cidade, isso complicaria o ataque russo à cidade vizinha de Mykolaiv. Também tornaria uma possível ofensiva terrestre na direção da cidade portuária de Odessa significativamente mais difícil. 

Mísseis atingem base ucraniana

O quartel-general da Força Aérea Ucraniana em Vinnytsia foi alvejado com vários mísseis de cruzeiro russos. Alguns dos seis foguetes disparados foram derrubados quando se aproximaram, o restante atingiu o prédio, conformea liderança da Força Aérea ucraniana, em sua página no Facebook. Houve "danos consideráveis" à infraestrutura. Nenhuma informação foi dada sobre possíveis vítimas do ataque.

De civis a soldados: como os voluntários defendem Kiev

Imediatamente após os primeiros ataques aéreos russos na Ucrânia, em 24 de fevereiro, vários ucranianos começaram a se apresentar às autoridades para o serviço militar. Em poucos dias, a mobilização militar foi concluída com aqueles que estavam em primeiro da fila.  

Ao mesmo tempo, unidades de defesa territorial foram formadas nas cidades. Mesmo homens e mulheres que não tinham experiência em combate e treinamento militar básico pegaram em armas.

De vendedor de móveis a lançador de granadas

O combatente de 35 anos de uma brigada de defesa territorial de Kiev, que se autodenomina "Tornado", mudou-se de Lugansk para Kiev em 2014, antes mesmo do início dos combates na região de Donbass. Como empresário de sucesso, vendia móveis na capital ucraniana. Mas, em 24 de fevereiro de 2022, quando Kiev foi abalada pelos primeiros ataques aéreos das tropas russas, ele se ofereceu para a defesa territorial.

"Estou com raiva porque alguns alienígenas querem me escravizar. Não sou escravo, sou um homem livre! Não tive escolha a não ser estocar comida para minha esposa, filho e animais de estimação, colocar uma metralhadora na mão e esmagar os intrusos", diz o homem.

Pessoas com experiência em combate lhe ensinaram a atirar à medida que o conflito se estendia. "Foi caótico no começo, tínhamos que ficar do lado de fora dia e noite, dormindo no concreto. Homens com experiência de combate dividiam comida enlatada com inexperientes como eu. Eles nos ensinaram a atirar, cavar trincheiras e organizar defesas", conta Tornado. 

Por causa do frio constante, a pele do rosto e do corpo começou a descascar. Principalmente as mãos racharam e ainda não cicatrizaram. A falta de instalações para poder se lavar também é um problema.

Sete homens da unidade não aguentaram e deixaram a defesa territorial. Mas Tornado ficou. Ele atualmente guarda uma "instalação estratégica" onde pode dormir em um quarto aquecido. Ele recebe comida de outros soldados e voluntários. 

"As Forças Armadas da Ucrânia nos deram apenas sacos de dormir e roupas de baixo térmicas. Tudo é de excelente qualidade. Mas só no dia 3 de março pudemos nos vestir totalmente com uniformes militares, antes estávamos em roupas civis. Agora também temos um médico, muitos remédios, estoque de meias e outras coisas. Mas ainda faltam óculos táticos, luvas, coletes à prova de balas e capacetes", diz Tornado.

Construção de barricadas e defesa territorial

Antes do início da guerra, Oleksandr Kolot, de 40 anos, trabalhava para uma empresa de TI. Na manhã de 24 de fevereiro, foi acordado por explosões e, no mesmo dia, se dirigiu ao serviço de armas para se apresentar. Mas não conseguiu. Lá, ouviu dos homens reunidos que as tropas russas invadiriam o distrito de Obolon, no norte de Kiev, e que as autoridades estariam entregando armas aos moradores da capital bem na rua. Mas elas não eram suficientes – e Kolot ficou sem.  

No entanto, quando viu homens em trajes civis construindo uma barricada, se juntou a eles. Primeiro, cavou trincheiras a noite toda, depois, tornou-se parte da defesa territorial.

"No início estávamos por conta própria, depois vieram homens que já haviam assinado contrato com a defesa territorial. O resto de nós conseguiu assinar um contrato duas semanas depois, quando conseguimos um comandante ligado às forças armadas", diz Oleksandr. 

Segundo ele, os voluntários da defesa territorial, ao contrário dos soldados das Forças Armadas da Ucrânia, não recebem remuneração e podem rescindir o contrato a qualquer momento.

"No começo foi difícil se acostumar com o fato de que você só pode dormir quando tem oportunidade e não quando quer. Mas já me acostumei", disse Oleksandr. 

Agora, ele usa um uniforme das Forças Armadas da Ucrânia, mas comprou o colete à prova de balas com o próprio dinheiro. Os civis que permanecem em Kiev, levam chá e café para os homens da defesa territorial. Voluntários montaram uma cozinha de campo e também fornecem comida para os soldados.

"Na minha unidade, a maioria dos caras que têm experiência de combate e lutaram contra os russos vem do Donbass. Alguns vêm de Kherson, alguns de Odessa. Mesmo que algumas opiniões políticas sejam diferentes, você olha além delas agora. Estamos todos aqui como irmãos", enfatiza Oleksandr.

"Todo mundo está na linha de frente"

As posições mais perigosas em Kiev são as a noroeste, nos subúrbios de Bucha, Hostomel e Irpin, onde há intensos combates. "Todos estão na linha de frente: as forças armadas, a Guarda Nacional, guardas de fronteira, defesa territorial, polícia, Serviço de Segurança da Ucrânia, oficiais de inteligência e batalhões voluntários.

Entre eles, estão jovens que só conheciam metralhadoras de suas aulas nas universidades. Eles querem estar com combatentes experientes na batalha", diz Yuriy Kulatschek, de 62 anos, major da reserva no serviço de fronteira. 

Antes da guerra, ele tinha uma empresa de mineração de granito. Por dois anos, defendeu a Ucrânia no Donbass e, até pouco tempo, estava na reserva. Mas, depois do dia 24 voltou à ativa.

"Nós, soldados, somos empoderados por aqueles civis que saem às ruas desarmados para protestar contra os invasores em Kherson, Melitopol e Berdyansk. A coragem dos refugiados de Hostomel ocupada também nos impulsiona. E os civis seguem nosso exemplo, como estamos lutando contra os russos. É assim que damos um ao outro muita força e energia, é simplesmente indescritível", diz Kulatschek. 

Para ele, prova do grande espírito de luta é o fato de que todos que deixaram o serviço militar com ele em 2016 agora estão se voluntariando novamente no front, independentemente da idade.

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