A propaganda russa sobre a guerra na Ucrânia teve de se adaptar rapidamente ao revés militar dos últimos dias imposto por Kiev. A mudança de tom é registrada pela imprensa francesa. Em sua edição desta terça-feira (13), o jornal Libération relata as críticas de nacionalistas russos contra o presidente Vladimir Putin, após a retomada pelo Exército ucraniano de uma parcela importante de território antes ocupada pelas tropas russas ao redor da cidade de Kharviv (nordeste).
O Kremlin precisou de 24 horas para ajustar uma propaganda na qual a Rússia não aparece mais como invencível, com armas mágicas capazes de destruir o oeste. Agora, Moscou vende a ideia de que não luta apenas contra a Ucrânia, mas contra todo o Ocidente.
E afirma que os soldados russos foram enviados para o sul da Ucrânia não por terem sido expulsos ou fugido diante do contra-ataque ucraniano, mas para retornarem mais fortes, mais tarde, escreve o jornal. Moscovitas nacionalistas não se conformam com a mudança de tom da redatora-chefe do canal de TV Russia Today, Margarita Simonyan – veículo financiado pelo Estado – que de repente passou a evocar o "passado comum" entre a Rússia e a Ucrânia, depois de passar meses propagando a violência contra os ucranianos nas redes sociais.
Para justificar a debandada das tropas russas de Kharkiv, os jornais russos agora falam de "operação de reagrupamento de soldados", assinala o Parisien. O diário registra outras críticas ao presidente russo, Vladimir Putin, inclusive de aliados muito próximos, como o presidente checheno, Ramzan Kadyrov.
Ele enviou soldados para a linha de frente na Ucrânia e agora diz que a Rússia "errou em sua estratégia militar".
Embaixador francês em Kiev considera vitória ucraniana "possível"
Em entrevista ao site France Info, o embaixador da França na Ucrânia, Étienne de Poncins, disse que a Ucrânia tem chances de vencer a guerra contra a Rússia.
"Esta hipótese não pode mais ser excluída", afirmou o diplomata. Em um vídeo divulgado na noite de segunda-feira (12), o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, informou que seu Exército liberou da ocupação russa 6.000 quilômetros quadrados, no leste e sul do país, desde o início de setembro.
O dobro da área divulgada no domingo. Os Estados Unidos continuam cautelosos. "É muito cedo para dizer exatamente onde isto vai levar", disse o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, durante uma visita à Cidade do México.
A Rússia bombardeia as áreas recém-liberadas, principalmente nos setores de Kupiansk e Izium. Informação que é confirmada pelas autoridades ucranianas, que evocam 40 explosões em instalações civis e militares na segunda-feira.
Papa desembarca no Cazaquistão em meio a tensões com a vizinha Rússia
O papa Francisco iniciou nesta terça-feira (13) uma viagem de três dias ao Cazaquistão com o objetivo de enviar uma mensagem de paz em uma região marcada por tensões.
O presidente deste país da Ásia Central é um tradicional aliado da Rússia, mas o relacionamento com Moscou está estremecido desde o início da guerra na Ucrânia. Com informações da AFP e da correspondente da RFI em Roma, Camille Dalmas
O sumo pontífice foi desaconselhado pelos médicos a viajar para a Ucrânia num futuro imediato e admitiu que precisa desacelerar suas atividades. Mesmo assim, ele decidiu participar da cúpula interreligiosa em Nur-Sultan, capital do Cazaquistão.
O papa também vai visitar a minoria católica local, vestígio da deportação das populações de alemães e poloneses durante a era comunista. Cem delegações de cerca de 50 países participarão nos dias 14 e 15 de setembro do evento nessa ex-república soviética que se tornou independente em 1991.
Essa 38ª viagem internacional do papa é simbólica, pois ao visitar o Cazaquistão, o sumo pontífice vai até as fronteiras com a Rússia e a China, dois países com os quais a Igreja Católica mantém relações complexas. O clima de desconforto geopolítico começou antes mesmo do início da viagem.
A presença do patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa, próximo ao presidente Vladimir Putin, era esperada, mas o religioso cancelou sua participação na cúpula sem dar motivos, varrendo as esperanças de Francisco de conversar sobre a guerra na Ucrânia.
As opiniões de ambos os líderes religiosos colidem nesta questão: o papa pediu paz e denuncia "uma guerra cruel e sem sentido", enquanto Kirill defende a "operação militar" e a luta contra "inimigos internos e externos" da Rússia. Já o presidente chinês, Xi Jinping, estará neste país da Ásia Central ao mesmo tempo que Francisco, mas nenhuma reunião é esperada, apesar das esperanças do Vaticano de renovar um acordo histórico para nomear seus bispos no gigante asiático.
Ambições imperiais de Moscou
Francisco é recebido pelo presidente Kassym Khomart Tokayev. O líder de 69 anos é um tradicional aliado da Rússia, mas a invasão da Ucrânia em fevereiro prejudicou seu relacionamento com Moscou. O presidente cazaque evitou endossar a invasão e teme um renascimento das ambições imperiais de Moscou no norte do Cazaquistão, onde há uma grande comunidade russa.
Rico em recursos energéticos, o Cazaquistão tem 19 milhões de habitantes, dos quais 70% são muçulmanos sunitas e 25% são cristãos, principalmente ortodoxos russos. Apenas 1% é católico.
Tokayev iniciou uma série de reformas após sua eleição em 2019, mas o país foi abalado por protestos contra os altos preços dos combustíveis no início do ano, que deixaram 200 mortos e destruíram sua imagem de estabilidade. Francisco é o segundo papa a visitar o Cazaquistão. João Paulo II visitou o país em setembro de 2001.