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Resposta emocional dificulta compreensão da validade do terrorismo

Felipe Schroeder Franke

Em 2001, o então presidente americano declarou aberta a guerra ao terror após os ataques ao World Trade Center; em 2011, o agora presidente Barack Obama declarou que, com a morte do terrorista Osama bin Laden, a "justiça havia sido feita". Dos aviões do 11 de setembro às explosões rotineiras de um Oriente Médio ocupado por forças estrangeiras, a visão do terror povoa o imaginário ocidental e espalha a repulsa pelo outro.

Esse é o cenário contemporâneo que Angelo Corlett, professor de Filosofia da Universidade de San Diego, enxerga e contesta. Para ele, um ácido crítico do governo dos Estados Unidos, o cultivo permanente de uma "resposta emocional" ao terror dificulta a compreensão da possibilidade da legitimidade de determinados atos terroristas, impedindo assim a identificação de alguns Estados como causadores ou atores mesmo do terrorismo. "A maioria das pessoas está tão chocada com o terrorismo", diz, que passam a "acreditar que o terrorismo é sempre mau".

No lugar desta reação emocional, Corlett defende o entendimento do terrorismo como um caso específico de violência política. Isso faria com que a validade dos atos chamados terroristas fosse averiguada por meio dos parâmetros através dos quais julgamos a própria validade, por exemplo, das próprias guerras ("e há guerras justas", lembra). Embora conceda que a maioria dos atos terroristas sejam condenáveis, ele chama atenção para que nem tudo o que chamamos de "terror" é moralmente inválido.

Terra – Quais são as principais questões filosóficas que o terrorismo evoca?
Angelo Corlett – Duas das principais questões filosóficas que envolvem o terrorismo são: o que é o terrorismo?, e poderia ele ser moralmente justificado? Eu acredito que a maioria das pessoas, ao menos nos Estados Unidos, não compreende as respostas a ambas estas perguntas. Especialmente o governo. E, enquanto não compreender a natureza do terrorismo, ele simplesmente não conseguirá lidar efetivamente com o terrorismo.

Terra – Por que é tão difícil definir o terrorismo?
Corlett – Ao menos nos Estados Unidos, a maioria das pessoas está tão chocada com o terrorismo (e elas foram levadas pela propaganda do governo a acreditar que o terrorismo é sempre algo que algum terrorista faz a nós, e não que o governo dos Estados Unidos se empenha em atividades terroristas contra algum país ou grupo) que tem uma resposta emocional a ele e pensam que é sempre mau. Em outras palavras: eles pensam sempre no terrorismo como algo ao qual se opõem. Ele nunca pode ser correto.

Terra – O que você parece indicar é que as pessoas não compreendem o que está por trás do ato terrorismo. Ou por que, afinal de contas, existe terrorismo.
Corlett – As pessoas não entendem isso em diferentes níveis. Nos Estados Unidos, o governo e a mídia desempenharam um grande papel desinformando as pessoas sobre o terrorismo. As pessoas não querem ouvir o que ele realmente é ou não é. Até mesmo acadêmicos que se chamam esquerdistas neste país acreditam que terrorismo precisa envolver algo moralmente condenável, como tomar civis como alvos de ataques. Isso é claramente falso. Há atos terroristas que não fazem isso. O próprio fato de que podemos pensar em ações que são claramente terroristas, claramente violentas, mas sem envolver inocentes, ao menos num sentido direto, isso mostra que as próprias definições com as quais as pessoas estão trabalhando acerca da natureza do terrorismo estão fundamentalmente erradas. Enquanto as pessoas não conseguirem pensar o terrorismo de uma maneira moralmente neutra, elas sempre o pensarão de modo injusto.

Terra – Como devemos então compreender o terrorismo?
Corlett – Eu acredito que devemos tratar o terrorismo como uma forma de violência política, porque é isso que ele é. Como eu julgo isso? Em termos da Teoria da Guerra Justa (TGJ). Eu tomo os princípios básicos da TGJ, olho para os fatos de um caso particular de terrorismo, e me pergunto: ele se encaixa nas regras? Se sim, ele é um ato moralmente justificável de terrorismo. Se não, ele não é um ato moralmente justificável de terrorismo. No meu livro Terrorism, a philosophical analysis (Terrorismo, uma análise filosófica, em tradução livre), eu discuto condições para o terrorismo moralmente justificável, como, por exemplo, se ele objetiva somente aqueles que merecem o ato de violência política (nunca inocentes ou animais); se ele usa uma dose de violência proporcional ao mau político causado pelo alvo; se ele é programado (e não aleatório). Ou seja: é errado condenar todos os atos de terrorismo como sendo moralmente injustificados. Não há nada no terrorismo, em si, que automaticamente o condene moralmente – somente por que é terrorismo.

Terra – Assim como a guerra.
Corlett – Se a guerra é errada, é porque ela viola regras morais. Mas nós sabemos que há guerras que podem ser justificadas – por exemplo, se você está se defendendo, numa guerra, contra um agressor. Isso seria justificável. Mas aí surgem outras perguntas sobre como você se comporta na guerra. Você pode justificar entrar em guerra por estar se defendendo, mas você pode não estar justificando como você entra em guerra – você pode acabar tendo civis como alvos, e isso não seria justificável. Algo similar ocorre com o terrorismo. Você pode justificar o engajamento no terrorismo, mas você não justificar como você faz isso.

Terra – Você pode citar um ato de terrorismo que seja moralmente justificável?
Corlett – Em 1997, quando o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) toma a embaixada japonesa em Lima, no Peru. Até onde sei, nada de violento foi feito contra os civis tomados como reféns. Aqui, a pessoa que violou as normas de conduta moral foi o ditador Alberto Fujimori. Ele disse que negociaria pacificamente, mas não fez isso. Eles invadiram a embaixada e mataram todos os terroristas. Os terroristas só queriam negociar. O que os terroristas fizeram me parece justificado e satisfaz as condições da TGJ. Há outros casos se você olha a história das Américas. Muitas vezes, os europeus envolvidos na colonização referiam-se aos índios americanos como "terroristas" quando estes respondiam de modo violento à expansão em direção ao Oeste. Bem, se eles fossem terroristas, isso seria um terrorismo justificável.

Terra – Você enxerga alguma mudança na postura entre os governos Bush e Obama quando ao terrorismo?
Corlett – Eu tenho esperado isso, mas não detectei nenhuma mudança até agora entre as administrações Obama e Bush no que se refere a terrorismo. Os Estados Unidos ainda maltratam países menores para obter o que querem. Foi a administração Obama que basicamente assassinou Osama bin Laden ao invés de lhe dar um julgamento justo através do Tribunal Penal Internacional (TPI). A Constituição dos Estados Unidos garante a todos o direito ao devido processo, e isso não foi fornecido a Bin Laden, embora ele estivesse desarmado, de acordo com os relatos da mídia; ele não brigou, não resistiu e foi basicamente assassinado.

Terra – Denis Rosenfield, professor de filosofia brasileiro, defende o direito dos Estados Unidos em assassinar Bin Laden. Ele argumenta que a Al-Qaeda não respeitou os direitos dos americanos no 11 de setembro.
Corlett – Isso não faz sentido, essa pessoa obviamente não entende coisa alguma sobre a Constituição e a lei dos Estados Unidos. Isso é o tipo de pensamento do qual estou falando: é emocional, e não lógico. Olhemos para a Segunda Guerra Mundial: o que os Estados Unidos fizeram? Os EUA capturaram diversos oficiais nazistas e soldados, e foram feitos julgamentos. O que foi isso? Um reconhecimento de que até nazistas mereciam o devido processo. Você não acreditaria que alguém como Bin Laden, que cometeu um ato que nem chega aos pés do que Hitler fez, não mereceria o mesmo processo que os nazistas? Negar isso seria moralmente absurdo. Nossas leis são muito, muito claras: a menos que Bin Laden representasse uma ameaça imediata àqueles que estavam capturando-o, ele deveria ser posto sob julgamento. Mas o fato é que os Estados Unidos não quiseram que isso acontecesse.

Terra – Por quê?
Corlett – Porque se fosse ao Tribunal Penal Internacional e fosse posto em julgamento por seus atos de terrorismo, então todo o mundo teria que ouvir ambos os lados da história. O mundo inteiro escutaria ambos os lados da história e a longa história de males dos Estados Unidos teria que ser trazida à luz. E todos veríamos como o terrorismo de Bin Laden foi uma resposta a esses males. À medida que o terrorismo não satisfizesse às condições do terrorismo moralmente justo – e eu não acho que satisfizeram -, ele deveria ser punido. Mas como você sabe que Bin Laden estava envolvido, além de os EUA dizerem que ele estava? Somente o processo pode protegê-lo de uma mera alegação. E, agora, tudo que temos são meras alegações. E eu quero mais que isso antes que alguém seja morto. Qual foi a atitude dos EUA? Matá-lo sem julgamento. Isso é vingança, é linchamento, não é processo, não é justiça. Nós deveríamos ter dado a Osama bin Laden o mesmo processo que qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias. Mas se você quer esconder aquilo que o seu governo vem fazendo por décadas e gerações aos outros povos, então é claro que você quer eliminar quer eliminar os terroristas, porque você quer eliminar as suas vozes.

Terra – Como você vê o papel e os desafios de uma lei internacional sobre o terrorismo?
Corlett – O principal obstáculo para estabelecer uma lei internacional sobre o terrorismo são os países como os Estados Unidos que usem seu poder para influenciar ou ignorar tentativas da lei internacional, e isso é uma das causas do terrorismo. Aqueles que não conseguem encontrar justiça em um futuro sistema de justiça global, não são levados à justiça por seus próprios males; na verdade, até mesmo, em um certo sentido, criam e sustentam o terrorismo contra seus próprios cidadãos. Outro desafio é, como eu disse antes, que as pessoas falham em entender o terrorismo – tanto sua natureza como os casos em que ele pode ser moralmente justificado. Enquanto esses pontos não forem compreendidos pela maioria das pessoas, os oficiais continuarão a enganar as pessoas, fazendo-as acreditar em ideias deturpadoras sobre o terrorismo em favor dos objetivos dos governos, como invadir nações soberanas para roubar petróleo sem boas razões. Até haver um entendimento devido do terrorismo, será impossível formular boas leis internacionais.

Terra – Mas você acredita que uma lei internacional sobre terrorismo seria benéfica?
Corlett – Sim, absolutamente. Contanto que incorpore a ideia de que governos envolvidos com o terrorismo também terão de responder a essas novas regras.

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