Nota DefesaNet
O Relatório Otálvora não menciona ações da Diplomacia Brasileira. Em nenhum momento o Itamaraty tentou agir em prol de seus interesses na América Latina. O Editor |
EDGAR C. OTÁLVORA
Diário Las Americas
18 de Junho de 2021
O Presidente da Câmara de Deputados da Argentina Sergio Massa ofereceu, em nome de Alberto Fernández, não apenas atuar como elo de ligação com Maduro, mas também com o regime da Nicarágua.
Servir de intermediário entre Washington e os regimes de Nicolás Maduro e Daniel Ortega faz parte da oferta que o governo argentino está apresentando à Casa Branca.
Alberto Fernández, na qualidade de presidente da Argentina e membro fundador do esquerdista Grupo de Puebla, está difundindo a mensagem segundo a qual tem capacidade de atuar como ponte com os regimes de esquerda do continente. O governo argentino mostra como vantagens políticas sua conexão com os governos e movimentos de esquerda continental, sua relação especial com o governo mexicano de Manuel López Obrador e seu indisfarçável ativismo político em nível regional com interferência pública nos recentes processos eleitorais na Bolívia, Equador e Peru, assim como nos motins registrados na Colômbia.
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Alberto Fernández pessoalmente e por meio do aparato de seu governo e do sindicalismo Kirchnerista, apoiou seus aliados bolivianos liderados por Evo Morales, que lhe permitiram organizar ações desde o território argentino contra o governo de transição de Jeanine Añez. O governo Fernández recusou-se a reconhecer o governo Añez e o agora a ex-presidente foi presa, nos dias 12MAR2021, poucas horas depois que o chanceler argentino Felipe Solá visitou La Paz para conversas políticas com o atual governo boliviano.
Fernández patrocinou o equatoriano Andrés Arauz, candidato de Rafael Correa e do Grupo Puebla nas eleições equatorianas de 07FEV2021 e 11ABR2021. A principal oferta de campanha de Arauz consistia na entrada em massa de vacinas contra COVID19 para o Equador, da Argentina, caso o candidato de Castrochavista fosse bem-sucedido.
Em 25MAIO2021, em meio a violentos protestos, um grupo de militantes de esquerda ligados ao governo argentino entrou na Colômbia, liderado por Alejandro Rusconi, "secretário de relações internacionais" do "Movimento Evita". Rusconi é uma operadora internacional de kirchnerismo no âmbito do Foro de São Paulo.
O objetivo do grupo que se autodenominava "Missão de Solidariedade Internacional" era servir de apoio político e de comunicação aos organizadores das ações violentas que estavam ocorrendo na Colômbia. Integrou a delegação o militante Juan Grabois, cuja entrada na Colômbia foi impedida pelas autoridades de imigração por não ter passaporte e tentar entrar com um documento digitalizado em seu celular.
A reação da rede de propaganda esquerdista ocorreu em poucos minutos, denunciando nas redes sociais que Grabois teve sua entrada negada. Ernesto Samper, ex-presidente colombiano e ativo no Grupo Puebla, tuitou que Grabois "tem presidido uma delegação de líderes de direitos humanos" e "é muito próximo do presidente @alferdez".
O próprio Samper foi quem mostrou a relação direta entre o grupo argentino que chegou à Colômbia e que não se tratava de um grupo de "líderes de direitos humanos", mas de militantes de esquerda que desde Buenos Aires já haviam anunciado sua intenção de acompanhar os protestos de rua. Aliás, Samper qualifica Fernández como "o líder da ressurreição sul-americana".
No dia 10 de junho de 21, Fernández contatou por telefone o candidato peruano Castrochavista Pedro Castillo e logo depois ele tuitou chamando-o de "presidente eleito do Peru". Naquela época, as autoridades eleitorais peruanas não haviam concluído a contabilização dos registros eleitorais e não haviam começado a considerar mais de centenas de registros contestados por ambos os candidatos. No dia seguinte, o Grupo Puebla emitirá um comunicado oferecendo ao "presidente Castillo" apoio e colaboração "para o sucesso de seu governo".
Hoy me comuniqué con @PedroCastilloTe, presidente electo de Perú. Le expresé mi deseo de que unamos esfuerzos en favor de América Latina. Somos naciones profundamente hermanadas.
Celebro que el querido pueblo peruano enfrente el futuro en democracia y con solidez institucional. pic.twitter.com/vKaKpdBdik
— Alberto Fernández (@alferdez) June 10, 2021
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Em 15JUN2021 foi realizada uma sessão do Conselho Permanente da OEA, cujo único objetivo era considerar um projeto de resolução sobre a situação na Nicarágua, onde o governo de Daniel Ortega avançava uma nova onda de repressão com a prisão de pelo menos quatro candidatos presidenciais e líderes da oposição. A resolução que foi aprovada por 26 dos 34 membros condenou "inequivocamente a prisão, perseguição e restrições arbitrárias impostas aos candidatos presidenciais, partidos políticos e meios de comunicação independentes, e apelou à libertação imediata dos candidatos presidenciais e de todos os presos políticos". Apenas o representante do próprio governo da Nicarágua e os enviados da Bolívia e de São Vicente e Granadinas votaram contra a resolução, mas cinco membros, entre eles Argentina e México, optaram por se abster.
Mais uma vez, a diplomacia argentina e mexicana atuou de acordo com a linha do Grupo Puebla, oferecendo seu apoio tácito à ditadura nicaraguense. Logo após a conclusão da reunião da OEA em Washington, os governos da Argentina e do México emitiram uma declaração conjunta justificando seu voto: “Não concordamos com os países que, longe de apoiar o desenvolvimento normal das instituições democráticas, põem de lado o princípio da não intervenção nos assuntos internos, tão cara à nossa história ”. Os governos de Alberto Fernández e Manuel López Obrador, que tentam destituir Luis Almagro da Secretaria-Geral da OEA, abraçaram o argumento de "soberania" para não votar a resolução que exigia que Ortega as eleições fossem "transparentes, livres e justas".
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Após a saída de Hugo Chávez de cena, o Castrochavismo ficou órfão de um porta-voz oficial do peso, posição que o uruguaio Pepe Mujica se recusou a assumir quando foi convidado por Lula da Silva no início de 2014. Parece que Alberto Fernández pretende se tornar aquele operador de alto nível, assumindo o porta-voz da esquerda continental e buscando simultaneamente o acesso direto à Casa Branca, como Lula da Silva durante sua presidência, e com acesso aos governos da Espanha e Portugal como portas para a União Europeia. Essa foi uma das mensagens que Fernández deixou transparecer na viagem à Europa, em meados de maio passado, que o levou a Portugal, Espanha, Roma, Paris e Vaticano.
Oficialmente, a jornada de Fernández teve como objetivo conseguir aliados para a renegociação da dívida que a Argentina mantém com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além de seus encontros com os presidentes, com funcionários do FMI e com o Papa Francisco, Fernández teve uma reunião em Roma em 14MAIO2021 com o ex-secretário de Estado, dos EUA, John Kerry, que agora atua como comissário presidencial de Joe Biden para mudanças climáticas. Segundo a versão de Fernández, em sua conversa com Kerry se discutiu a situação venezuelana e presumivelmente o argentino havia ratificado sua oferta de mediação entre Washington e o governo de fato da Venezuela.
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A Venezuela "é uma questão tóxica, que não pode ocupar tanto espaço", disse o chanceler argentino, Felipe Solá, ao jornalista do Clarín que voou com a delegação de Alberto Fernández à Europa no dia 10MAIO2021. Solá, que é membro fundador do esquerdista Grupo de Puebla, executou desde sua posição a linha de aproximação argentina ao governo de fato da Venezuela e de desmantelamento de iniciativas internacionais de pressão contra o regime chavista.
Ainda durante a cerimônia de posse de Fernández, em 10DEZ2019, o aparato diplomático kirchnerista comandado por Solá, conseguiu privilegiar o governo de Nicolás Maduro em detrimento das tentativas de aproximação dos Estados Unidos, que Fernández iniciara desde quando foi eleito dois meses antes. Sem prévio anúncio, Jorge Rodríguez foi incluído como enviado de Maduro, na lista de convidados para o beijo da mão, o que lhe confere uma hierarquia superior à do chefe da delegação norte-americana.
O Chancelaria do governo Fernández anunciou inicialmente que permaneceria no Grupo de Lima, mas nunca aprovou os documentos acordados naquele mecanismo regional de pressão pela democratização da Venezuela. Finalmente, em 24 de março de 21, o Itamaraty emitiu nota informando sua saída do Grupo Lima "considerando que as ações que o Grupo vem promovendo em âmbito internacional, visando isolar o Governo da Venezuela e seus representantes, não deram em nada".
No dia seguinte, em 25MAR2021, o governo argentino enviou uma comunicação ao Tribunal Penal Internacional na qual anulou o pedido apresentado em 27SET2018 pelo governo de Mauricio Macri juntamente com Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru para que se abrisse um processo por crimes contra a humanidade cometidos pelo governo chavista desde 2014.
Em 18MAIO2021, em declarações à Rádio 10, de Buenos Aires, Alberto Fernández assegurou que seu governo havia ajudado a instalar em Caracas uma equipe da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Segundo Fernández, as violações dos direitos humanos, amplamente documentadas, são um "problema" que "aos poucos na Venezuela foi desaparecendo". Foi um novo elogio do argentino a favor do regime chavista.
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Juan González, o colombiano-americano que atua como “Assistente Especial” presidencial de Joe Biden e como Diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, visitou a Argentina em meados de abril. Foi a primeira missão formal do governo Biden que viajou à América Latina e que incluía apenas Bogotá, Buenos Aires e Montevidéu. O presidente argentino ofereceu González para servir de intermediário com o regime chavista.
Além dos compromissos oficiais, González e a Subsecretária (encarregada) de Assuntos para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, Julie Chung, participaram de um jantar informal em Buenos Aires, na noite de 13MAR2021 oferecido pelo presidente da Câmara dos Deputados Sergio Massa. Parece que Alberto, diante da impossibilidade de seu chanceler de afrouxar as relações de Fernández com o Brasil e os Estados Unidos, busca Massa como interlocutor com Jair Bolsonaro e agora com o governo de Joe Biden.
Também parece que o governo argentino identificou Juan González como o elo necessário para acessar diretamente a Casa Branca. Enquanto Nicolás Maduro reclama em entrevista, divulgada pela Bloomberg em 18JUN2021, de não ter recebido sinais positivos de Washington, seu aliado Alberto Fernández está batendo diretamente na porta da Casa Branca.
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Sergio Massa viajou aos Estados Unidos no dia 13JUN2021 e seu primeiro evento público consistiu em um almoço privado, em um hotel da capital americana, justamente com o jovem assessor de Biden. O governo argentino divulgou imagens abundantes do encontro de Massa com o funcionário da Casa Branca, incluindo uma em que sorriem enquanto posam enquanto González mostra o álbum “Summit Meeting” de Astor Piazzolla e Gerry Mulligan que Massa lhe deu.
Nesse encontro, segundo vazamentos do próprio governo argentino, Massa se ofereceu em nome de Fernández não só para atuar como elemento de ligação com Maduro, mas também com o regime nicaraguense. O governante norte-americano, sempre de acordo com as versões divulgadas pela Argentina, teria se interessado pela oferta e teria até sugerido que a Casa Branca pretende convidar Fernández para uma visita a Washington.
Ayer comenzamos nuestra visita a los Estados Unidos con una reunión en Washington con @Cartajuanero. Tender puentes y fortalecer los lazos bilaterales es fundamental para alcanzar las soluciones que Argentina necesita en temas claves para el presente y el futuro de nuestro país. pic.twitter.com/icCLGhqJ9l
— Sergio Massa (@SergioMassa) June 14, 2021
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A propósito, uma operação do Grupo Puebla propõe colocar o argentino Christian Gonzalo Asinelli, atual funcionário da Presidência da Argentina, como Presidente Executivo da Corporação Andina de Fomento CAF. Durante semanas, de forma coordenada, os principais porta-vozes da aliança Castro-Chavista fizeram campanha difamatória contra o candidato colombiano Alberto Carrasquilla, inclusive acusando-o de provocar violência na Colômbia por ter proposto uma reforma tributária. A Colômbia retirou a candidatura de Carrasquilla e apresentou o nome de Sergio Díaz-Granados.