Reis Friede
Em grande medida, a utilização do vocábulo “polarização” e o correspondente emprego do chamado “Princípio da Polaridade” devem-se ao General prussiano CARL VON CLAUSEWITZ.
“(…) Aqui então é utilizado um princípio de polaridade. Considerando que o interesse de um comandante está sempre na proporção inversa do outro, assumindo uma polaridade verdadeira (…), o princípio da polaridade só é válido quando se pensa sobre o mesmo objeto em que a dimensão positiva e sua oposição, a negativa, se anulam exatamente. Em uma batalha, cada uma das partes quer triunfar, e isto é a verdadeira polaridade, uma vez que a vitória de um aniquila a vitória do outro (…). Mas quando se trata de duas coisas diferentes, que têm uma relação em comum exterior a elas, então não são estas coisas, mas suas relações que possuem a polaridade.” (CLAUSEWITZ, 1831, ps. 94-95)
Trata-se a polarização, portanto, de um fenômeno típico da Polemologia, cuja presença, outrora identificada em vários momentos da história humana, é atualmente observada, de uma forma direta e objetiva, no contexto que se desenvolve no Mar do Sul da China.
Segundo LUCIANO PONCE (Clausewitz e a Polarização Marítima no Século XXI: uma Orientação Teórica para a Estratégia Nacional de Defesa, Revista Marítima Brasileira, vol. 138, nº 04/06, abr./jun. 2018, ps. 96-97), “nesse teatro, dentre outras disputas insulares, destaca-se que Taiwan polariza diretamente com os Estados Unidos da América (EUA) e a República Popular da China, enquanto se define o seu status final de uma província rebelada ou de um Estado independente pressionado pelo continente”, revelando um antagonismo direto oceânico-terrestre.
Consoante entendimento de PIÑON e JUDICE (A Defesa do Ouro Negro da Amazônia Azul, Rio de Janeiro, Escola de Guerra Naval, 2016, p. 317), a essência da atual estratégia militar chinesa, publicada em maio de 2015, pode ser sintetizada a partir da seguinte diretriz: “Nós não atacaremos sem sermos atacados, mas certamente realizaremos contra-ataque se atacados”. Nessa visão, adverte LUCIANO PONCE (Clausewitz e a Polarização Marítima no Século XXI: uma Orientação Teórica para a Estratégia Nacional de Defesa, Revista Marítima Brasileira, vol. 138, nº 04/06, abr./jun. 2018, ps. 96-97) que a mobilidade e a presença dos navios-aeródromos (NAe) dos EUA nessa porção marítima seria contestada por submarinos chineses que interagem com aeronaves lançadas de terra e também por mísseis balísticos de grande poder de destruição, como os chamados DF-21D, mísseis balísticos de médio alcance projetados especificamente para atacar porta-aviões norte-americanos. Tais mísseis, lançados do litoral chinês, percorrem elevadas trajetórias e descem sobre o eixo vertical dos meios navais, o que dificulta imensamente a possibilidade de defesa em termos reais. Em linhas gerais, a doutrina operacional chinesa evoluiu da “defesa costeira” para a “proteção em mar aberto”.
Por sua vez, nos EUA, analistas do Center for Strategic and Budgetary Assessments (CSBA) denominaram a doutrina chinesa como um Anti-Access/Area Denial (Anti-acesso e Negação de Área), estratégia que restou conhecida pela sigla A2/AD, e que estaria sendo desenvolvida no Mar do Sul da China, na qual os estreitos marítimos e os cordões naturais de ilhas favoreceriam a defesa continental.
É importante registrar que, consoante a posição de GEOFFREY TILL, estrategista britânico do King’s College, os atributos do mar seriam: meio de domínio militar, transporte, informações e fonte de recursos (GEOFFREY TILL; Sea Power: A Guide for The Twenty-First Century, 3ª ed., London, Frank Cass, 2013). Nessa linha de raciocínio, e tendo em vista as circunstâncias atuais do Mar do Sul da China, o primeiro atributo (meio de domínio militar) tende a polarizar mais que os demais, posto que aquele que conseguir dominar militarmente a região em questão terá melhores condições de conquistar e manter seus respectivos objetivos insulares. Enfim, rivalizam-se as possibilidades ofensivas e defensivas de projetos de poder sobre o continente versus negação de uso do mar para efeitos militares, orientando-se vetores sobre os meios oponentes, visão consonante com o primeiro atributo categorizado por TILL.
Nessa visão, a China procura por melhores pontos de pressão numa batalha terrestre-naval antevista e tenta se contrapor às bases estadunidenses na região, como a de Yokosuka, no Japão, por meio de movimentos maritímos “territorializantes”. O Estado chinês, empregando cargueiros e dragas, vem, desde 2013, aterrando dezenas de recifes de corais do Arquipélago Spratly, localizado em uma posição praticamente equidistante da sua costa, do norte da Malásia e do oeste das Filipinas. A título de ilustração, nessas ilhas artificiais foram construídas pistas de pouso e bases militares permanentes, objetivando, com isso, assegurar uma soberania sobre mais de 700 pequenas ilhas em seu entorno, as quais, então, eram inabitadas.
Obviamente que outras polarizações secundárias ocorrem na região no Mar do Sul da China, contexto que guarda relação com o que JOSEPH NYE (Understanding Internacional Conflicts: An Introduction to Theory and History, 4ª ed., New York, Longmann, 2002, p. 33) denominou de padrão axadrezado das relações internacionais, revisitando, pois, um velho adágio conhecido da Polemologia, no qual os Estados procuram se posicionar como aliados dos “inimigos dos seus inimigos”. A título de exemplo, um caso bem emblemático desse fenômeno pode ser perfeitamente identificado no Estado japonês, mormente se considerarmos a existência de acordos defensivos por ele firmados com os EUA desde o término da Segunda Guerra Mundial.
Ademais, cabe registrar, ainda, que os Estados situados nesse entorno estratégico, e desprovidos de qualquer interesse em tomar partido da situação que se desenvolve na região, devem se esforçar no sentido de adotar estratégias marítimas de neutralidade com o “Eixo Marítimo Global”, postura recentemente tomada pela Indonésia (vide, a propósito, estudo de caso apresentado no IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ENABED) por RÔMULO BARIZON PITT, da UFRGS), que busca “remar entre dois recifes”, conscientização que vem desde a confrontação EUA versus antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Convém registrar, por fim, que quando o embate assume funções produtivas energéticas relevantes, exatamente como acontece no momento vigente, tal aspecto nos impele a revisitar o Princípio da Polaridade de matiz clausewitziano, notadamente em sua modalidade indireta, o que, em muitos aspectos, designa, sob o prisma da Polemologia, a atual situação de confrontação bipolar travada pela China e pelos EUA no Mar do Sul da China e, em menor escala, na Região do Oceano Índico.
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Referências Bibliográficas:
JUDICE, Luciano Ponce Carvalho; PIÑON, Charles Pacheco. A Defesa do Ouro Negro da Amazônia Azul, Rio de Janeiro, Escola de Guerra Naval, 2016, p. 317.
NYE, Joseph. Understanding Internacional Conflicts: An Introduction to Theory and History, 4ª ed., New York, Longmann, 2002.
PONCE, Luciano Carvalho. Clausewitz e a Polarização Marítima no Século XXI: uma Orientação Teórica para a Estratégia Nacional de Defesa, Revista Marítima Brasileira, vol. 138, nº 04/06, abr./jun. 2018.
TILL, Geoffrey. Sea Power: A Guide for The Twenty-First Century, 3ª ed., London, Frank Cass, 2013.