Natalio Cosoy
Em um acampamento guerrilheiro montado em um espesso bosque, homens e mulheres das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) descansam depois de uma noite de música e festa.
Suas armas – sem munição – estão penduradas nas paredes, enquanto alguns soldados tomam banho de rio e se divertem ao lado de jornalistas e fotógrafos.
Mais adiante, caminhando um quilômetro pela floresta de Yarí, no departamento (Estado) de Caquetá, sul da Colômbia, estão reunidos sob uma grande tenda mais de 200 delegados da maior e mais antiga guerrilha latino-americana.
Eles assistem à décima e última conferência das Farc, concluída nesta sexta-feira. Entre outros temas, debateu-se o futuro dos homens e mulheres que – por vontade própria ou à força – deixaram a vida no campo (em geral de pobreza) e se somaram ao levante armado ao longo de seus 52 anos, com um saldo de mais de 220 mil mortes.
O acordo que o grupo guerrilheiro alcançou com o governo da Colômbia em 24 de agosto garante anistia ampla para a maioria dos membros das Farc, ainda que alguns indivíduos cumprirão pena de prisão ou de reparação de vítimas.
O trato também abre portas para um novo (e incerto) futuro tanto para os líderes das Farc quanto para seus combatentes e milicianos rasos.
A esse último grupo pertence Tatiana, de 36 anos, grávida de seu segundo filho. "Minha maior preocupação é com os paracos (grupos paramilitares que tradicionalmente combateram as Farc)", diz ela.
É um temor semelhante ao de muitos de seus colegas.
Aspirações políticas e sociais
O presidente colombiano Juan Manuel Santos calcula em 6 mil a 7,5 mil o número de combatentes e em 7 mil a 10 mil os milicianos que seriam parte da guerrilha.
Os soldados – sob orientação de seus líderes – dizem que pretendem receber de braços abertos o pacto com o governo, mas claramente têm suas dúvidas.
Entre os chefes das Farc, as aspirações são sobretudo políticas: o acordo prevê que, por dois mandatos consecutivos, o partido formado pela guerrilha tenha direito a cinco assentos na Câmara de Representantes (Deputados) e a outros cinco no Senado. Também almejam vagas como prefeitos, conselheiros locais, governadores e, eventualmente, um cargo presidencial.
Enquanto isso, porém, os soldados rasos da guerrilha vivem da promessa de que serão alocados em cooperativas agrícolas, sob os cuidados da organização social em que as Farc devem se converter.
A afiliação será voluntária, mas tudo indica que esse será o caminho buscado pela maioria dos guerrilheiros ao final dos seis meses em que devem fazer a transição de abandono da luta armada.
O temor, porém, é que esses soldados se tornem engrenagens menores de uma máquina política ou mão de obra de um projeto econômico das Farc.
E a dúvida é: o quanto eles manterão sua dedicação e obediência à causa das Farc, uma vez que não estejam mais sob a mira de armas e o temor de castigos?
'Voltar ao campo'
Por enquanto, os soldados se dizem alinhados com o projeto.
O lema "voltar ao campo e trabalhar com as comunidades" é repetido pelos guerrilheiros rasos quando questionados sobre o que pretendem fazer ao deixar as armas e voltar à vida civil.
Mas alguns também admitem não estar satisfeitos com o acordo de paz.
Há a suspeita de que alguns integrantes mais ligados aos negócios da guerrilha – sobretudo o narcotráfico – prefiram se manter à margem da lei e continuar aproveitando os lucros polpudos desse meio.
'Vai ser diferente'
A guerrilheira Tatiana está grávida de seis meses de seu segundo filho homem – o primeiro nasceu dois anos depois que ela entrou à guerrilha. Hoje é um jovem de 17 anos e mora com um tio.
"Vai ser diferente (para meu novo filho)", afirma Tatiana. "O primeiro nasceu no meio do conflito. Este vai nascer na mudança."
Mas é aí que ela expressa o temor quanto aos paramilitares. "Isso sim é algo preocupante", diz.
Ser alvo de esquadrões da morte da extrema direita é, sem dúvida, um dos maiores medos das Farc uma vez que abandonem as armas. Ainda está presente na mente dos guerrilheiros o registro do ocorrido em 1984, quando parte da guerrilha se uniu ao partido político União Patriótica e milhares de membros deste foram assassinados.
Outros temores são o possível rechaço da sociedade e a dificuldade em conseguir emprego, por conta do estigma de ter pertencido à guerrilha.
Sonhos e realidades
Camila é um claro exemplo de mulher nascida na pobreza que acabou se convertendo parte do maquinário da guerra.
Ela tem 30 anos. Aos 14 já não morava mais com a sua família e trabalhava em uma casa como doméstica. Foi quando se juntou às Farc.
Hoje, ela sonha em visitar a Espanha. "Sempre me chamou atenção o modo como vivem lá, suas paisagens, seu sotaque – as pessoas parecem ser muito legais", diz.
Não está claro quando será possível que mulheres como Camila realizem sonhos como esse.
Alguns metros adiante, Alfredo está sentado ao lado de sua mãe, Maria. Ele conta que entrou para as Farc porque passava necessidades e não tinha outras oportunidades.
Alfredo e Maria se reencontraram há dois anos, depois de passar quase 12 anos sem se ver, sem ter notícias um do outro. O que Maria deseja hoje para seu filho?
"Que ele tenha saúde para trabalhar, porque eu não trabalho. Espero que meus filhos possam me ajudar. (Espero que) ele vá morar no campo, trabalhe em uma fazenda, tenha animais como tínhamos antes de ele ir embora. Tínhamos galinhas, umas poucas, mas tínhamos."
Esse retorno de Alfredo – e de muitos outros – à vida camponesa dependerá de como o acordo de paz será colocado em prática. Desde que, é claro, seja aprovado pela população colombiana no referendo que será realizado em 2 de outubro.