Os mercados globais testemunharam um evento sem precedentes na História: o preço do barril do petróleo cru americano caiu para – US$ 37,63 dólares nesta segunda-feira (20/04). Com isso, a commodity atingiu um preço negativo. Ou seja, os vendedores estavam dispostos a pagar US$ 37,63 para os clientes que quisessem fechar contratos de compra de petróleo para maio e aliviar os estoques. Há um ano, o preço desse mesmo barril era de US$ 66.
A explicação para é razoavelmente simples: com a paralisação forçada da economia mundial para tentar conter a pandemia de coronavírus, a demanda por derivados de petróleo caiu drasticamente, as refinarias reduziram a compra de óleo cru para transformar em combustíveis e os estoques de petróleo aumentaram a ponto de os produtores americanos não terem mais onde estocar sua produção a partir de maio. Há estimados 160 milhões de barris de petróleo em estoque em todo mundo.
Os produtores americanos passaram a recorrer a navios-tanque alugados para abrigar essa produção, o que fez com que o preço da mercadoria desabasse. "Há pouco que se possa fazer para impedir que o mercado sofra mais perdas no curto prazo. Os refinadores estão rejeitando barris de petróleo cru em um ritmo histórico e com os níveis de armazenamento dos EUA subindo rapidamente, as forças do mercado infligirão ainda mais dor até atingirmos o fundo do poço, ou a epidemia arrefecer, o que ocorrer primeiro. Nesse momento, o fundo do poço é mais provável", afirmou Michael Tran, diretor gerente de estratégia global de energia da RBC Capital Markets, à Bloomberg.
Os contratos de venda de petróleo americano para junho também enfrentam uma queda significativa, mas são negociados em valores positivos, em torno de US$ 20 por barril.
Seis semanas de tensão no mercado
A instabilidade no preço do petróleo começou com o choque nos mercados globais por causa da pandemia de coronavírus, no começo de março.
Naquele momento, com a desaceleração das produções ao redor do mundo, a Arábia Saudita propôs aos produtores da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e à Rússia, que não faz parte do consórcio, que combinassem uma redução conjunta de sua produção para tentar conter a queda abrupta do preço da commodity.
O presidente russo, Vladimir Putin, não aceitou o acordo e, em retaliação, a Arábia Saudita, maior produtora global de petróleo, ordenou o aumentou de produção de 50% da estatal petroleira Saudi Aramco, o que levou a uma oferta gigantesca no mercado e à maior queda diária nos preços do barril desde a guerra do Golfo, em 1991.
O derretimento do mercado levou a Petrobras a perder R$ 91 bilhões em valor de mercado apenas no dia 9 de março.
Naquele momento, o presidente americano, Donald Trump, anunciou que via na queda dos preços uma boa oportunidade para encher as reservas estratégicas de combustível fóssil do país e tentar afetar o controle do preço da commodity ao mesmo tempo.
"Com base no preço do petróleo, também instruí o secretário de Energia a comprar, a um preço muito bom, grandes quantidades de petróleo bruto para armazenamento na reserva estratégica dos EUA", disse Trump, em 13 de março.
"Vamos preenchê-lo até o topo, economizando bilhões e bilhões de dólares para os contribuintes americanos, ajudando nossa indústria de petróleo [e promovendo] esse maravilhoso objetivo – que alcançamos, que ninguém pensava ser possível – de independência energética", celebrou Trump. Pouco mais de um mês depois, no entanto, a boa oportunidade se converteu um erro – já que agora faltam espaços para estocagem e o preço da mercadoria caiu ainda mais.
Em 12 de abril, Arábia Saudita, Opep e Rússia chegaram a um acordo, intermediado com a ajuda de Trump, para um corte histórico na produção global: uma redução de 10%, algo em torno de 9,7 milhões de barris por dia (duas vezes mais do que foi cortado durante a crise de 2008).
Ainda assim, os mercados estão deixando claro que o acordo já nasceu defasado.
Um estudo feito pela consultoria IHS Markit antes dessa segunda-feira de queda histórica, estimou que a produção global deve cair em até 14 milhões de barris por dia conforme países como Estados Unidos e Canadá cortem sua produção para tentar conter o prejuízo, já que apenas entre fevereiro e março de 2020 os preços do barril desabaram de US$ 53 para menos de US$ 22.
Quem sofre com isso?
Em todo mundo, existem hoje ao menos 100 países produtores de petróleo. O mercado petrolífero respondeu sozinho por quase 4% do PIB mundial em 2019, um negócio que movimentou US$ 86 trilhões e empregou 4 milhões de pessoas.
A crise no setor afeta diretamente a economia da maior parte dos países do mundo. E o problema é que essa não é uma crise comum, uma recessão econômica regional ou uma desaceleração pontual: é uma interrupção abrupta do fluxo comercial de quase todo o mundo.
Por isso, os resultados tendem a ser ainda mais dramáticos. Bancos centrais não dispõem de instrumentos para conter as perdas.
"Será necessária uma recuperação da demanda para realmente virar o mercado e isso dependerá de como a crise da saúde se desenrolar", analisa o correspondente de economia da BBC Andrew Walker.
Com mais de 2,4 milhões de casos de covid-19 no mundo e cerca de 165 mil mortes, a curva de contágio global parece distante de cair, o que torna impossível prever uma saída para a crise de falta de demanda.
O desespero no mercado de óleo e gás americano é tal que, em uma de suas análises, no dia 17, o analista de energia Phil Flynn, do grupo Price Futures Groupe, em Chicago, incluiu, em meio aos números do mercado de petróleo, dados sobre a recuperação de pacientes de covid-19 tratados com antivirais experimentais.
Ele dizia ver com esperança os avanços, ainda não cientificamente comprovados. Seria um caminho para o alívio das medidas de quarentena, sem o qual os estoques de petróleo não vão baixar.
"Para os contratos de petróleo de maio, no entanto, qualquer alívio chegará tarde", antevia Flynn, três dias antes de os preços negativos do petróleo americano dessa segunda-feira.