Search
Close this search box.

Por que ferrovias podem decidir a guerra na Ucrânia

Os trens da Ukrsalisnyzja ainda estão circulando. A empresa ferroviária ucraniana relatou nesta quarta-feira (04/05) atrasos de até 12 horas em somente 20 das conexões de longa distância, apesar da intensificação dos bombardeios russos na malha ferroviária ucraniana em todas as regiões do país.

Na quarta-feira, um ataque danificou fortemente uma ponte ferroviária sobre o rio Dnipro. Durante a noite, várias estações de trem no leste e oeste ucranianos foram alvo das bombas russas.

Outras várias já tinham sido atacadas anteriormente, como em Kramatorsk, onde um bombardeio deixou 50 mortos no início de abril. Principalmente estações de províncias, subestações e pontes ferroviárias estão cada vez mais na mira das tropas russas. Há uma boa razão para a mudança da tática russa. Nos dois primeiros meses de guerra, a empresa ferroviária se tornou a mais importante companhia de logística da Ucrânia.

A malha ferroviária ucraniana possui 22 mil quilômetros. Com mais de 230 mil funcionários, a empresa era um dos principais empregadores do país antes da guerra. Há dez anos, para a Eurocopa de 2012, a Ucrânia investiu cerca de 700 milhões de euros em melhorias na infraestrutura ferroviária e na frota de veículos.

Embora o país possua uma grande rede de rodovias, apenas algumas possuem mais de uma via – geralmente nas regiões de grandes cidades. Muitas delas estão em péssimas condições e são bastante inadequadas para o transporte de cargas pesadas. E, assim, a ferrovia se tornou um símbolo da resistência ucraniana.

Ela transporta armas e ajuda humanitária para o leste, além de ucranianos que fogem das regiões de combate. Agora leva famílias de volta a áreas antes ocupadas por tropas russas. Trouxe ainda líderes internacionais a Kiev, como o secretário de Estado americano, Antony Blinken, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Além disso, a ferrovia assume cada vez mais um papel importante no transporte de bens de exportação. Antes da guerra, o porto de Odessa era responsável por mais de 50% das importações e exportações do país. Porém, com o bloqueio russo, a Ucrânia tenta escoar produtos, como trigo, carvão, aço e substâncias químicas, por via férrea.

Incrivelmente robusta

O sistema ferroviário do país se revelou incrivelmente robusto e adaptável nos primeiros meses de guerra. A malha ferroviária é amplamente ramificada. Quando um trecho é bombardeado, é possível encontrar rapidamente uma rota alternativa.

"Em alguns casos, conseguimos reparar o trecho danificado em apenas algumas horas", contou o diretor de operações de trens de passageiros da Ukrsalisnyzja, Oleksandr Pertsovskyi, à emissora americana NBC.

Devido a uma estrutura de gestão pouco hierárquica, os responsáveis locais podem tomar decisões sem precisar da permissão de superiores. Dessa maneira, consertos podem ser feitos rapidamente sem burocracia.

Segundo Pertsovskyi, embora seja difícil consertar pontes destruídas ou danificadas, "no final das contas podemos continuar operando o sistema apesar dos fortes ataques".

Porém a tarefa se torna a cada dia mais difícil. Os funcionários da Ukrsalisnyzja precisam planejar rotas que evitem regiões particularmente perigosas. Os horários precisam ser alterados espontaneamente com frequência e são anunciados nas redes sociais da empresa. Os ataques a ferrovias aumentam diariamente.  

Importância da malha ferroviária em tempos de guerra

Desde o início, há uma ferrenha disputa pelo sistema ferroviário da Ucrânia. A Rússia tenta assumir, o mais rápido possível, o controle de centros logísticos da Ukrsalisnyzja em grandes cidades, como Kharkiv e Kiev, mas fracassa em meio à forte resistência dos ucranianos.

Por outro lado, militares ucranianos e funcionários ferroviários belarussos destruíram trilhos de conexões do país com a Rússia e Belarus, que seriam importantes para o deslocamento de tropas russas.

O Exército russo sempre dependeu da rede ferroviária para a logística. A Rússia tem uma vasta extensão territorial com paisagens acidentadas – estepes, permafrost e charcos sazonais.  Por isso, as tropas terrestres precisam da malha ferroviária para o transporte de soldados, alimentos e combustíveis.

"Quando as ferrovias não podem ser usadas, o Exército precisa confiar nas estradas", escreveu Emily Ferris, especialista em Rússia do Royal United Services Institute, sediado em Londres, numa revista especializada. Segundo ela, as tropas russas não têm alimentos e combustível suficientes para manter a ofensiva terrestre e conquistar o território ucraniano.

"No norte, a Rússia nunca conseguiu controlar um entroncamento ferroviário em Chernigov ou na região de Kiev, e o lamaçal fez com que muitos veículos militares atolassem", diz.

Novos objetivos, novas táticas

Agora a Rússia redefiniu os objetivos de guerra e se concentra em conquistar o leste e sul do país. Mas, segundo Ferris, nem em Kharkiv nem no sul ucraniano o país controla completamente os entroncamentos ferroviários, ou trilhos foram completamente destruídos em combates. Esse seria um dos motivos pelo qual a Rússia praticamente não consegue deslocar suas tropas Ucrânia adentro e conquistar mais territórios.

Devido à mudança de tática, a Rússia não precisa mais do sistema ferroviário em outras regiões do país. Por não o ter conquistado, quer agora destruir a rede para evitar a entrega de armas fornecidas pelo Ocidente no front. O tempo em que a Ucrânia conseguirá manter a sua infraestrutura ferroviária é, portanto, um fator decisivo para o resultado da guerra.

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter