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Por que a indústria de Defesa Brasileira não consegue se firmar no Oriente Médio? Análise de equívocos e propositura de soluções.

Por que a indústria de Defesa Brasileira não consegue se firmar no Oriente Médio?

Análise de equívocos e propositura de soluções.

 

Muhammad Hussein

hussein@alhusseingroup.com

Consultor de Negócios Internacionais e Analista de Defesa especializado no Oriente Médio e Norte da África

 

1. Notas prefaciais – Missão Presidencial de 2019

Em outubro do ano passado (2019), o Presidente da República Jair Bolsonaro chefiou uma missão governamental em uma viagem para a Ásia e o Oriente Médio, com o fim precípuo de reforçar laços comerciais e sinalizar que a sua gestão está empenhada na abertura econômica e com as reformas que visam incrementar o ambiente de negócios e a segurança dos investidores. Foram visitados China, Japão, Emirados Árabes Unidos (EAU), Catar e Arábia Saudita.

Nos países do Golfo, a pauta foi direcionada para as exportações agropecuárias brasileiras, a atração de investimentos, especialmente dos fundos soberanos, para os projetos de concessão e privatização (PPI) e a sondagem de possíveis contratos para a indústria de defesa do Brasil. A visita também teve o condão de dissipar quaisquer inquietações dos líderes regionais acerca da política bolsonarista de reaproximação e maior afinidade diplomática com Israel e da pretensa transferência da Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, sinalizada pelo presidente no início do seu mandato.

 

Especificamente no campo da defesa, o Brasil entabulou tratativas com as três nações árabes, cumprido ressair que Brasília já possui em vigor, desde 22 de abril de 2014, um acordo de cooperação firmado com Abu Dhabi e que foi corroborado pelo Memorando de Entendimento sobre Parceria Estratégica concluído pelos dois países, em 27 de outubro de 2019.

 

Inúmeras empresas do segmento, bem como as entidades ABIMDE/SIMDE, acompanharam a comitiva presidencial e participaram das negociações afeitas ao setor militar, bem como procederam à apresentação das soluções desenvolvidas pela indústria brasileira com potencial para atender as demandas da Arábia Saudita e Emirados Árabes.

 

No prisma político-diplomático, o caminho para a Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) foi pavimentado nesses países, uma vez que os tratados de cooperação no setor militar abrem a possibilidade de as empresas e os agentes governamentais de contactarem suas contrapartes na formulação de planos de ação e estratégias que beneficiem as indústrias de cada Estado, estipulando normas para a transferência de tecnologia e um regramento próprio para o comércio de armamento, produtos, equipamentos e serviços de defesa.

 

Em se tratando da avença celebrada com os Emirados Árabes (2014), existe, inclusive, a possibilidade (art. 3o, alínea ‘b’) de: “implementação e desenvolvimento de programas e projetos conjuntos em tecnologia de defesa, considerando a participação de entidades civis e militares das partes” e da criação de um Comitê Conjunto de Cooperação em Defesa (art. 5o). E no instrumento de Parceria Estratégica (2019) temos (art. 1o, item 3, alínea ‘c’): “estimular o intercâmbio no desenvolvimento de indústrias de tecnologia e defesa de interesse comum, mediante o desenvolvimento de um Plano de Ação específico”.

 

Na negociação com os Sauditas, foram firmadas diretrizes para uma parceria relacionada à cooperação em compras governamentais, pesquisa, desenvolvimento, estudos em projetos de defesa, empréstimos de sistemas, transferência e adoção de tecnologia militar.

 

Jair Bolsonaro e Mohammad bin Salman príncipe herdeiro da Arábia Saudita

Com o Catar também foram oportunizadas vias para o fornecimento de produtos e serviços de defesa, medicina militar e trocas de experiências sobre organização e operações das Forças Armadas das partes.

 

Os referidos tratados e ajustes bilaterais trazem, outrossim, todo o sustentáculo jurídico para a atuação conjunta das empresas de defesa e órgãos brasileiros na consecução dos seus interesses econômicos e estratégicos nos estados árabes em comento.

 

Postas as bases normativas, passemos à análise do desempenho e influência do setor industrial de defesa pátrio na região.

 

 

2. Vicissitudes do Setor

 

Ultimadas as negociações políticas que alicerçaram os acordos firmados com os países árabes visitados por Bolsonaro, tem-se por encerrada a participação do chefe de estado brasileiro no processo. Cumpre, doravante, às empresas da Base Industrial de Defesa (BIDS) e suas representantes partir para o processo de prospectar novos negócios.

 

É cediço que, poucos meses após o retorno ao Brasil da missão presidencial ao Oriente Médio, foi decretada, pela OMS, a situação de pandemia pelo SARS-CoV-2 (covid-19), fato que, aliado às decisões de fechamentos de fronteiras aéreas e marítimas pela maior parte dos países, obstou severamente a circulação de pessoas e viagens internacionais.

 

Com efeito, o volume geral dos negócios minguou sensivelmente, porém, os segmentos essenciais tiveram de se adaptar à nova realidade e continuaram a mover-se, com ou sem amparo estatal. Vide as exportações do agronegócio e o comércio de produtos médico-hospitalares. Insta salientar que, no âmbito da aviação, se os voos de passageiros foram à malha mínima, as operações de transporte de carga continuaram em toda a plenitude.

 

E os segmentos de defesa e segurança, encartados, indubitavelmente, no conceito de essencialidade, têm operado de maneira continuada e, por certo, com mais ênfase em momentos de distúrbios e altercações, como visto no cenário geopolítico atual – pandemia, guerras civis, confrontos militares, provocações, terrorismo, tráfico de drogas, cyberattacks, interferência estrangeira em processos políticos internos (v.g. eleições) e demais mazelas que trazem iminentes riscos à segurança interna dos estados e mesmo à ordem transnacional, ou seja, são ramos de atividades que crescem de forma exponencial, sobretudo em momentos de crise.

 

O setor de defesa, diga-se de passagem, movimentou, entre os anos de 2007 e 2017, uma média de US$ 3 trilhões por ano e os Estados Unidos conduziram a maior parte do comércio de armas (79%), conforme relatório (World Military Expenditures and Arms Transfers Report) do Departamento de Estado norte-americano disponibilizado em dezembro de 2019.

 

Aspecto relevante desse mercado é que o lucro das operações não é necessariamente o foco primordial dos governos, mas, sim, os consectários políticos adjacentes que vêm de cada contratação exitosa – os países fornecedores firmam-se como nações militarmente pujantes e, portanto, imbuídos da cobiçada habilidade de influenciar e dissuadir os demais atores do concerto internacional nas mais variadas temáticas da ordem do dia.

 

Sendo assim, inobstante o domínio estadunidense nessa seara, firmar-se como país pertencente ao grupo exportador, mesmo que em pequena percentagem do negócio global, é requisito para o Brasil não somente se posicionar como referência no fornecimento de produtos e soluções de defesa, mas, decerto, como potência regional com aspirações e predicativos que lhe credenciem para participar e intervir nos seletos grupos decisórios mundiais.

 

O triunfo do Estado Brasileiro nesse palco depende, sem qualquer dubiedade, da altivez com que a indústria nacional de defesa se movimente para a conquista dos mercados externos.

 

Se as empresas brasileiras tencionam ingressar na esfera internacional de forma categórica, devem adotar novas posturas de atuação aguerrida e perspicaz, pois a necessidade do Estado como agente indutor dos negócios nesse segmento não significa a tutela permanente e absoluta. Como frisado, uma vez abertas as portas dos países, pelos tratados acordados e receptividade da nação anfitriã, a BIDS deve se movimentar de modo rápido e continuado.

 

O equívoco principal da indústria brasileira é depender exclusiva e umbilicalmente da atuação dos órgãos estatais para tomar decisões e agir internacionalmente. Por óbvio que há políticas governamentais, regras e autorizações para o comércio de certos produtos que devem ser satisfeitas, entretanto, a exploração de novas frentes de negócios e a defesa dos interesses comerciais da BIDS no exterior devem ser a força motriz de cada empresa. Se a ação individual é custosa ou intrincada, deve-se atuar em pool, com entidades nacionais ou estrangeiras (respeitadas eventuais restrições legais). A abertura de filiais ou bases próprias de trabalho em cada país ou região-alvo é de extrema relevância para que sejam mantidos contatos diretos e diuturnos com as autoridades civis e militares que decidirão pelas compras ou contratações.

 

Os adidos militares e os departamentos comerciais das embaixadas podem até ser acionados, mas há casos em que isso venha a ser contraproducente. A título exemplificativo, basta citar a recente decisão presidencial de comprar armas nos Estados Unidos, por meio de uma comissão do exército brasileiro em Washington, que desprestigia totalmente a indústria pátria. Nessa situação, a aditância e o corpo diplomático estão impedidos de questionar a decisão do chefe do executivo, não podendo, destarte, tomar providência alguma em favor da BID.

 

E isso sem se falar que o Estado pode tolher completamente o trabalho das empresas brasileiras, haja vista a quantidade de entraves burocráticos que geram, inclusive, dificuldades para exportar, além da extenuante carga tributária que onera a cadeia produtiva.

 

No caso do Oriente Médio e, especificamente, da Arábia Saudita e Emirados Árabes, com os acordos de cooperação firmados, as empresas nacionais devem incluir em seu planejamento a abertura de suas próprias bases ou enviar agentes para atuação local constante na prospecção e defesa dos seus interesses comerciais.

 

Conquanto não tratem da intermediação direta dos negócios ou da promoção específica de produtos ou serviços, a ABIMDE e SIMDE, na condição de representantes do setor, devem levar para o plano  internacional os esforços de salvaguarda de seus associados e negociar melhores condições para a inserção das empresas nacionais nas regiões e países em exame.

 

O processo de venda no setor de defesa consome tempo, recursos financeiros e possui uma metodologia particular que requer especialização e confidencialidade. Por isso, não deve ser vinculado aos outros negócios do Brasil na região, muito menos franqueados a entidades que prestam serviços em segmentos distintos.

 

À vista disso, as integrantes da BID que tenham interesse em crescer no mundo árabe devem, com a máxima celeridade possível, aportar, per se, em qualquer dos países almejados, livrando-se, gradativamente, da tutela viciante, porém asfixiadora do estado.

 

Por conseguinte, se a estratégia brasileira permanecer a mesma, todos os potenciais negócios não vão lograr êxito, principalmente agora com a entrada oficial de novos concorrentes, como no caso da Indústria de Defesa Israelense nos Emirados Árabes.

 

O Brasil não pode se dar ao luxo de falhar miseravelmente. Enquanto hesitamos em agir de modo promissor, Mohammed bin Zayed (MBZ), não somente o líder árabe mais poderoso (EAU), mas um hábil negociador que consegue impor sua agenda de negócios nos mais importantes círculos de lobby e nas think tanks mais influentes, leva o seu país ao seleto grupo da nova liderança do defense market.

 

Em breve, os Emirados irão se firmar como o centro mundial do mercado de defesa. Abu Dhabi já é o sonho dos executivos da área. Basta falarmos do Edge Group – um avançado conglomerado tecnológico que desenvolve soluções disruptivas para os setores militares e de segurança, além de promover parcerias com os grandes grupos e empresas internacionais congêneres. Formado em 5 de novembro de 2019 (poucos dias após a assinatura dos acordos Brasil-EAU), consolida a fusão de diversas entidades, entre elas, a Emirates Defence Industries Company (EDIC). Na Dubai Airshow 2019 (novembro), o Edge foi o parceiro oficial do evento.

 

O que o governo brasileiro, a SEPROD (Secretaria de Produtos de Defesa) do Ministéio da Defesa e a Agência de Fomento de Exportação (APEX),  as entidades  ABIMDE, SIMDE, e as empresas da BIDS devem refletir é como elaborar uma nova postura estratégica de mercado que encare os desafios impostos pela atuação dos Emirados Árabes no mercado de defesa – o país do golfo possui, monta, mantém e atende a uma parcela crescente das tecnologias que usa.

 

Outro fator de risco para a indústria nacional que festeja em Abu Dhabi um potencial cliente é que um dos objetivos do Edge Group é justamente fazer com que os EAU produzam suas próprias soluções e itens militares, dependendo cada vez menos dos fornecedores estrangeiros. E some-se, ainda, a extensa cooperação que Israel e Emirados estão estabelecendo desde a assinatura dos acordos de normalização. Cite-se, por oportuno, que já existe um movimento importante de empresas israelenses se preparando para expor na IDEX 2021 (exposição bienal de defesa que ocorre na capital dos Emirados).

 

A indústria brasileira precisa urgentemente rever as suas metas e planos de ação, sob pena de perder espaço e estar preterida justamente no epicentro do mercado de defesa do Oriente Médio. Ademais, precisa dar especial atenção para o Kuwait, Bahrain e a Arábia Saudita, demais países que o Brasil deve envidar esforços hercúleos para se impor como fornecedor.

 

Além das citadas nações, uma nova política de prospecção para o mercado de defesa deve também mirar outros países árabes como Jordânia, Argélia e Egito e africanos como a República Democrática do Congo, Mali, Nigéria e Sudão do Sul, porquanto os mesmos passam por dificuldades no acesso ao mercado de certos armamentos dos Estados Unidos e União Europeia.

 

E, desde já, o Brasil precisa se concentrar adicionalmente no mercado líbio, pois, tão logo os embargos das Nações Unidas sejam suspensos, haverá uma corrida dos fornecedores ao país. Por exemplo, veículos blindados, tecnologias não letais, vigilância por drones (e o inverso: detecção e contramedidas), reconhecimento facial e cyber surveillance são algumas das inúmeras necessidades dos países do Norte da África.

 

O que se pode diagnosticar é que o processo brasileiro de inserção nos mercados internacionais, máxime no que tange aos países árabes, é quase inexistente. O pouco que tem sido feito depende, em absoluto, da movimentação estatal, por meio da atuação do Ministério da Defesa e do Itamaraty.

 

Em princípio, o trabalho colaborativo das Aditâncias Militares e dos Departamentos de Promoção Comercial das nossas Embaixadas no Exterior, assim como o recente MOU (Memorandum of Understanding) celebrado entre a ABIMDE e a CCAB (Câmara de Comércio Árabe-Brasileira) em dezembro do ano passado, poderiam viabilizar novos negócios nos países visitados pela comitiva do Presidente Bolsonaro (EAU, Arábia Saudita e Catar). No entanto, a nova dinâmica regional, com a ascensão de Abu Dhabi como um dos centros mais importantes do mercado de defesa e a chegada de Israel no Golfo, muda definitivamente a equação dos negócios.

 

3. Soluções Propostas

 

Diante dos fatos expostos, resta premente que a indústria brasileira de defesa deve elaborar um novo plano de trabalho para o Oriente Médio (e África), com base nas seguintes premissas:

 

(i) o Brasil compete em um mercado com variantes desfavoráveis e rivais mais poderosos e consolidados na região – EUA, França, China, Rússia, Reino Unido, Itália, Suécia, Turquia (mercados da Líbia e Catar) e agora Israel;

 

(ii) o segmento de defesa deve sair do estado reativo e adotar políticas mais assertivas, agindo diretamente por meio de representantes próprios das empresas que devem ser alocados em pontos estratégicos como, por exemplo, Abu Dhabi, Tel Aviv, Riyadh, Manama ou Cairo;

 

(iii) os papéis do Ministério da Defesa e o das Relações Exteriores devem ser valorizados na condição de agentes indutores, quando necessária a participação direta do Estado Brasileiro nas negociações, mas é a iniciativa privada que deve estar à frente e proativamente abrindo oportunidades;

 

(iv) as empresas devem trabalhar de forma mais profícua a gestão dos relacionamentos com autoridades locais e centros decisórios de compras de natureza militar;

 

(v) os acordos de cooperação, em matéria de defesa, assinados pelos países-alvo com terceiros devem ser bem analisados para que sejam verificados possíveis proveitos em favor da indústria brasileira em relações pontuais;

 

(vi) nos países em que o Brasil ainda não possa vender (por qualquer razão legal, política ou econômica), devem ser negociadas condições para que sejam enviados consultores de defesa brasileiros ou mesmo representantes das nossas empresas para assistir o país host na adequação aos parâmetros internacionais e, em sendo o caso, auxiliar no processo de edificação ou remodelação das forças armadas locais;

 

(vii) a maioria dos países do Oriente Médio e Norte da África está imersa em situações de decretação de estado de emergência, lei marcial ou máxima atenção contra atentados terroristas e possíveis distúrbios da ordem social e política – moldura fática que os tornam potenciais clientes para as soluções de defesa brasileiras.

 

Obviamente, além dos referidos pontos, o que se revela de suma importância é a decisão de atuar imediatamente ou em curtíssimo prazo.

 

E, ao mesmo tempo em que se delineiam estratégias para os Emirados ou Arábia Saudita, as empresas brasileiras poderiam pensar no Norte da África e, concomitantemente, já tratar de contatar suas análogas israelenses do setor e verificar oportunidades no novo relacionamento de Tel Aviv com os países árabes.

 

Nos casos em que o Brasil não possa atingir determinado mercado diretamente, deve, de todo modo, formular parcerias comerciais ou técnico-logísticas para permitir que a indústria nacional possa granjear, ainda que paulatina e por vias reflexas, novos clientes, oportunidades e negócios.

 

Cumpre aos interessados, agora, tomar decisões que privilegiem os interesses econômicos da BID nesse mercado promissor e extremamente lucrativo.

 

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