Uma megaoperação militar realizada pelo Brasil para combater a criminalidade na fronteira com Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai se tornou mais um elemento de tensão com os vizinhos paraguaios e vem afetando o já declinante comércio na fronteira com Ciudad del Este, paraíso dos "sacoleiros" na divisa com a cidade paranaense de Foz do Iguaçu.Desde segunda-feira, data de início da Operação Ágata 5, o Brasil enviou cerca de 17 mil militares para a divisa, com o objetivo de reprimir delitos como contrabando e tráfico de drogas e armas. Segundo o comandante militar do sul, general Carlos Bolivar Goellner, a área mais crítica do patrulhamento é nas regiões de Corumbá (MS), fronteira com a Bolívia, e Foz do Iguaçu, onde comerciantes da vizinha Ciudad del Este se queixam da "demonstração de força excessiva" dos militares brasileiros, que estaria afugentando seus clientes.
Ontem, o presidente da Câmara de Comércio de Ciudad del Este, Ali Abou Saleh reclamou da atuação dos militares fortemente armados que estão fazendo uma varredura na ponte da Amizade, que une os dois países. "Uma operação como a que está ocorrendo sempre desestimula a chegada de clientes e turistas para a região", disse ao Valor. "É uma excessiva demonstração de força. Nós [Brasil e Paraguai] não estamos em guerra."
Segundo Saleh, o movimento de brasileiros nas lojas de Ciudad del Este já vinha caindo nos últimos meses por diversos fatores, dentre eles a desvalorização do real frente ao dólar, que diminuiu o poder aquisitivo dos brasileiros além das fronteiras. Além disso, continua Saleh, a recente crise bilateral disparada pela deposição do ex-presidente Fernando Lugo e a suspensão do Paraguai do Mercosul, liderada pelo Brasil, também espantou os brasileiros. "É uma coisa mais psicológica. As pessoas ficam com medo de ir a um lugar onde se noticia que há instabilidade [política]", afirmou.
Saleh estima que, antes da operação Ágata 5, as vendas no comércio de Ciudad del Este estavam cerca de 60% abaixo do normal. "Ainda estamos fazendo os cálculos, mas eu acredito que esse número possa ter subido a 75% desde segunda-feira", disse.
A greve de policiais federais, que em Foz do Iguaçu se traduziu em uma operação padrão na ponte da Amizade, também prejudica os comerciantes. "A ponte da Amizade está parecendo o trânsito de São Paulo. Você nunca sabe quando vai chegar. Isso também afugenta os clientes", afirmou Saleh
Ele disse não ter um número preciso sobre o quanto compram os brasileiros em Ciudad del Este, mas disse que são "dezenas de milhões de dólares por dia". Em junho, o economista paraguaio César Barreto, ex-ministro da Economia, disse ao Valor que o Paraguai "reexporta" cerca de US$ 4,5 bilhões por ano em mercadorias ao Brasil pelas mãos dos sacoleiros.
A imprensa paraguaia, que já anda às turras com o Brasil desde a suspensão do país no Mercosul, também mostrou-se crítica à operação. Além de dar destaque às queixas dos comerciantes, o jornal "Última Hora" reproduziu críticas de analistas brasileiros dizendo que, "em alguns setores políticos paraguaios, a operação Ágata 5 será entendida como uma ação típica do imperialismo brasileiro".
Além disso, o jornal insinua uma suposta discriminação contra os carros de seu país: "Os veículos com matrícula paraguaia são submetidos a exaustivos controles por parte da Polícia Federal e da Receita Federal, apoiados pelos militares brasileiros, motivo pelo qual a circulação na Ponte da Amizade se torna cada vez mais lenta".
O governo do Paraguai não se pronunciou oficialmente sobre o tema. Mas fontes em Assunção afirmam que dificilmente qualquer queixa que prestem ao governo brasileiro será ouvida. "Se nem o telefone [os representantes do governo brasileiro] nos atendem, ficará difícil reclamar."