José Casado
Há duas semanas a agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA) interceptou um avião monomotor que sobrevoava Catacamas, no Oeste do departamento de Olancho, em Honduras. Rastreada a partir da Venezuela, a aeronave foi forçada a aterrissar à beira de uma estrada rural, na manhã de quinta-feira (19). Dois homens tentaram fugir. Eram os pilotos brasileiros Elias Aureliano Rivera e George Luis Herrera Bueno.
Ferido, Bueno se entregou. Rivera "ignorou ordens para se render", segundo Daw Dearden, porta-voz da DEA. Foi morto pelos agentes americanos. Tornou-se a oitava vítima da equipe, nas últimas seis semanas. Do avião foram retirados 968 quilos de cocaína.
Honduras ganha destaque nos mapas do narcotráfico. Tornou-se a primeira escala de 79% dos voos de transporte de cocaína que decolam do Brasil, da Colômbia, do Suriname e da Venezuela, porque faz fronteira com três países (Nicarágua, El Salvador e Guatemala) e tem saída para o litoral do Caribe. Nessa logística, a Venezuela é base avançada da narcoguerrilha colombiana.
No início deste ano, o Departamento do Tesouro dos EUA listou sete oficiais militares e funcionários do governo Hugo Chávez por participação no tráfico, entre eles o ministro da Defesa. O governo Hugo Chávez refutou, atribuindo tudo ao "imperialismo".
Em maio, o juiz Eladio Ramón Aponte Aponte, então presidente da Suprema Corte venezuelana, fugiu do país, entregou-se à DEA e confessou cumplicidade com uma rede de narcotráfico. Admitiu ter manipulado processos judiciais para favorecer traficantes com negócios partilhados -contou – com alguns dos mais graduados funcionários do governo Chávez. E listou: o ministro da Defesa, general Henry de Jesus Rangel Silva; o presidente da Assembleia Nacional, deputado Diosdado Cabello; o vice-ministro de Segurança Interna e diretor do Escritório Nacional Antidrogas, Néstor Luis Reverol; o comandante da IV Divisão Blindada do Exército, Clíver Alcalá; e o ex-diretor da seção de Inteligência Militar, Hugo Carvajal.
Nessa rede sul-americana de tráfico cresce, também, a participação de pilotos brasileiros, com habilidade testada nas rotas de garimpo de ouro e diamantes na Amazônia – onde o desafio de manobras pode ser tão arriscado quanto as de caças sobre porta-aviões durante guerras. Eles seguem a trilha de Leonardo Dias Mendonça, preso há nove anos no Pará, que ficou milionário ao se associar ao general Desiré Bouterse, o líder político e militar mais poderoso do Suriname, antiga colônia holandesa.
Bouterse, o ditador que nos anos 80 proclamou uma "república socialista" no Suriname, tem mais 36 meses de mandato, até 12 de agosto de 2015. No dia seguinte, perde a imunidade presidencial e será apenas um narcotraficante de 70 anos, com prisão decretada no Brasil e em mais meia centena de países – a pedido da Holanda, onde foi condenado a 16 anos de prisão por tráfico de cocaína.
Sob o manto do "socialismo", Bouterse organizou rotas para a Europa. Entre os anos 80 e 90, ele e Mendonça ganharam dinheiro com a narcoguerrilha colombiana: vendiam armamento e recebiam em cocaína. É ampla a documentação indicando que o piloto brasileiro somou um patrimônio de quase US$ 250 milhões.
Mendonça "apadrinhou" a aliança do traficante carioca Luiz Fernando da Costa, o Beira-Mar – na época em ascensão, hoje preso na Paraíba – com Tomás Medina Caracas (o "Negro Acácio"), responsável pelo narcotráfico das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na fronteira com o Brasil. "Negro Acácio" foi morto em setembro de 2007.
Mendonça e Bouterse financiaram no Brasil a montagem de uma rede de apoio político, na qual se destacou o ex-deputado federal Pinheiro Landim. Acusado em uma CPI, Landim negou ("nunca vi um pacote de cocaína") mas passou à história como o deputado que renunciou duas vezes em cinco semanas: em 15 de janeiro de 2003, no encerramento de uma legislatura (1999-2003), e em 25 de fevereiro, na abertura da legislatura seguinte. Atualmente, é um influente líder do PMDB no Ceará.