Flávia Barbosa
A Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou ontem a realização de uma reunião de emergência dos chanceleres da região para discutir a situação da Argentina, às portas de um calote técnico. Por sugestão do Brasil, que alegou "precedente extremamente perigoso", o encontro para consulta foi aprovado por aclamação, com abstenção dos EUA, e ocorrerá na tarde de quinta-feira, na capital americana.
A Argentina tinha até ontem para pagar os credores que aceitaram renegociar a dívida do país em 2005 e 2010. Mas uma decisão do juiz Thomas Griesa, de Nova York, obriga a Argentina a pagar também um grupo de credores que não participaram da renegociação, os chamados "fundos abutres", no valor de US$ 1,5 bilhão. O plano de renegociação tem foro em Nova York. A Argentina depositou US$ 1 bilhão na última quinta-feira para pagar os novos credores, mas Griesa considerou o depósito ilegal e mandou o banco devolver os recursos. Como existe um período de carência de um mês, a Argentina tem até 30 de julho para evitar o calote técnico.
Na reunião da OEA, o ministro da Economia argentino, Axel Kicillof, fará uma exposição sobre a reestruturação da dívida e as consequências da decisão de Griesa para o país e o sistema financeiro global.
– Foi uma decisão insólita da Justiça de Nova York. É importante que nos manifestemos sobre este ponto, porque as decisões estão sendo tomadas no momento em que há vencimento de prazos – afirmou o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, que tentará convidar ao encontro de quinta-feira representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
'Problema afeta a todos', diz Brasil
A OEA não tem poder para intervir diretamente na questão. Mas a Argentina está buscando formar uma rede de apoio político para respaldar seus próximos passos. O país pode ser alvo de arresto de bens e fundos no exterior e não descarta recorrer a tribunais internacionais. Na semana passada, 133 países manifestaram apoio à Argentina nas Nações Unidas.
O representante substituto da Argentina na OEA, Júlio César Ayala, enfatizou ontem que os despachos de Griesa implicam risco a qualquer reestruturação de dívida. Uma vez que um país consiga adesão de 99,9% dos credores originais a um plano de pagamento com desconto escalonado, 0,1% dos detentores de títulos poderia minar todo o esforço de negociação, alertou:
– Não existe um marco jurídico internacional para a reestruturação de dívida soberana. Hoje é a Argentina, mas qualquer país que enfrente uma reestruturação estará na mesma encruzilhada.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, deverá participar da reunião de chanceleres na quinta-feira. Ao propor a aprovação por aclamação, o representante do Brasil na OEA, ministro Breno Costa, ressaltou:
– É um problema que afeta a todos, exatamente porque essa decisão de um juiz americano cria um precedente extremamente perigoso.
Ayala disse que os "fundos abutres" "tiveram um lucro fabuloso, próximo de 1.600% em seis anos". Se todos os credores pedissem agora as mesmas condições deste grupo, afirmou, o saldo devedor do país chegaria a US$ 120 bilhões:
– (Acabaria) uma década de esforços para a reestruturação da dívida. Pagar conforme a sentença empurra a Argentina ao calote.
Mais de 20 países deram apoio direto à Argentina ontem na OEA. Os EUA, porém, ponderaram que a Justiça é independente. A Casa Branca está sob pressão de Wall Street e do Partido Republicano. Mas os EUA não estão operando para bloquear os esforços argentinos na OEA. Apenas vetaram no FMI uma posição ativa do organismo em favor da Argentina.
Ontem, a vice da missão americana na OEA, Margarita Riva-Geoghegan, afirmou que os EUA não se oporiam à ideia do Brasil de aprovar o encontro por aclamação.
– Este é um assunto abordado pelo sistema jurídico dos EUA, um órgão independente. Com isso em mente, alertamos os membros do Conselho para que não interfiram nos procedimentos de uma corte doméstica – afirmou Margarita.
Sem negociação com fundo dos EUA
Não houve avanço no fim de semana nas negociações entre a Argentina e os credores que foram à Justiça, informou ontem em nota o fundo NML Capital, do megainvestidor Paul Singer. "O NML está na mesa, pronto para conversar, mas a Argentina se recusou a negociar qualquer aspecto dessa disputa. O governo argentino escolheu levar o país à beira de um calote . Sinceramente esperamos que reconsidere esse caminho sem saída." A nota era assinada por Jay Newman, gerente sênior do Elliott Management, que controla o NML.
Segundo uma fonte do Elliott Management, "os argentinos tentam criar a impressão de que a Justiça americana está empurrando o país para o calote, quando de fato isso só acontece por uma escolha deliberada deles".
– Já declaramos que desejaríamos trabalhar alguma solução com a Argentina se eles concordassem em dar passos concretos rumo a um acordo. Mas eles se recusam até mesmo a discutir a questão – disse a fonte.