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O WikiLeaks latino Mac Margolis

Mac Margolis


Muitos países vibraram com o escândalo do WikiLeaks que escancarou os segredos da diplomacia americana. Agora, com a revelação do conteúdo dos arquivos da guerrilha colombiana, apresentado nesta semana por um centro de pesquisa internacional, a América Latina tem um escândalo todo seu.

E cá, como lá, o flagrante já provoca tremores com desdobramentos que vão de embaraço diplomático a reflexão política e, quem sabe, penitência por parte de governos hemisfério afora.

Não são exatamente inesperadas as revelações das correspondências eletrônicas de Raúl Reyes, o número 2 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), morto por tropas colombianas na selva do Equador, em 2008. Quem, a essa altura, já não desconfiava da simpatia e admiração mútua entre o governo de Hugo Chávez e a guerrilha de grife continental?

O surpreendente – chocante, até – nesse nexo de comunicados, esmiuçado no relatório Farc Files (Os Arquivos das Farc), do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IIES), é como a relação promíscua desabrochou em uma sociedade funcional e duradoura, com metas, ideologia e estratégias complementares. Insurgentes na casamata e bolivarianos nos palácios, costuraram uma rede de apoio de sobrevivência mútua e para se perpetuar, continente afora.

Destilando a troca de mensagens digitalizadas de três computadores, três discos rígidos e duas unidades flash drive, o analista James Lockhart Smith concluiu que as Farc não apenas gozavam da indulgência do governo de Chávez, mas atuavam com cúmplices do projeto da "revolução bolivariana", levando a bandeira às selvas na ponta da baioneta. "Eram o braço beligerante da revolução bolivariana", diz. E a relação era de duas mãos. Uma das correspondências bisbilhotadas pelo IIES afirma que Rafael Correa recebeu $400 mil das Farc para custear sua candidatura à presidência do Equador em 2006.

Mas a cumplicidade maior era com a Venezuela. Por duas vezes, os arquivos confirmam, Raúl Reyes se reuniu com Chávez e até sua morte, em 2008, manteve contatos fraternos com os mais altos funcionários de Caracas. A origem da parceria é fácil de entender. Logo após o golpe que sofreu em 2002, que brevemente o removeu do poder, o líder venezuelano quis se munir. Seu comissariado alistou as Farc para treinar as milícias populares, tidas como a última linha de defesa da revolução chavista, e até para eliminar desafetos, como Henry Lópéz Sisco, ex-chefe de inteligência nacional, hoje foragido.

Estratégia. Não se sabe se Chávez chancelou a missão assassina, que aliás nunca se realizou, embora beira o absurdo imaginar que algo desse vulto escapasse do olhar do coronel comandante bolivariano. Mas delineia bem a relação promíscua entre Estado e o poder clandestino, uma permuta que trabalha para desestabilizar vizinhos e rivais, sob camuflagem de eleições democráticas.

O WikiLeaks das Farc não vai derrubar o governo Chávez, mal acostumado com a banalização de escândalos e uma oposição reduzida ao murmúrio. E veio tarde demais para pautar a consulta popular no Equador, onde Correa, como bom acólito bolivariano, conseguiu mais uma vez alavancar a democracia para encolhê-la, conquistando um plebiscito que centraliza ainda mais seu controle sobre a vida e obra de seu país.

Mas o escândalo ainda pode mexer com a posição e política dos vizinhos, que ainda têm de formalizar a entrada da Venezuela no Mercosul. Será Chávez, sócio das Farc, um parceiro leal, comprometido com a liberdade democrática e o livre comércio no continente?

Chávez continua festejado em muitos cantos das Américas como herói da resistência ao cabal "neoliberal" chefiado pelos EUA ou, no máximo, como um bufão, presença espalhafatosa mas ao final e ao cabo, inócua. Não é nenhum nem outro.

Quem afirma não são os imperialistas gringos e seus supostos despachantes em Bogotá, mas o ex-número 2 da guerrilha mais badalada do Ocidente. "Cada vez se fazem mais evidentes a coincidência de objetivos no compromisso de continuar a obra inacabada de libertação e emancipação de Simón Bolívar, para conquistar a segunda e definitiva independência", teclou certa vez Reyes.

O destinatário: Señor Coronel Hugo Chávez Frías, presidente da República Bolivariana da Venezuela.

É COLUNISTA DO "ESTADO", CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" NO BRASIL E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM

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