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O presidente francês visita o Brasil em busca de contratos militares

Três dias antes de sortear os grupos da Copa do Mundo na sexta-feira 6, a Fifa anunciou uma mudança de regras desenhada sob medida para a França. Dona da pior posição no ranking europeu, o país tinha 25% de chances de encarar o Brasil logo na primeira fase, em um supergrupo da morte, mas a alteração dos critérios dificultou o cruzamento. Embora os Azuis tenham saborosas lembranças de partidas contra a Seleção Canarinho em mundiais, é sempre bom fugir de um anfitrião, ou da maioria deles. E, como são nossos carrascos, os brasileiros não tinham do que reclamar da inesperada decisão da Fifa.

Se no futebol Brasil e França torcem para caminhar separados, na política e na diplomacia a história é outra. Os presidentes Dilma Rousseff e François Hollande têm cultivado uma relação próxima e querem os países unidos. Um ano atrás, a petista fez uma visita oficial a Paris, quando o socialista completava apenas sete meses no cargo. Agora chegou a hora da retribuição. Hollande está prestes a desembarcar no Brasil. Ele terá reuniões com a presidenta em Brasília na quinta-feira 12 e no dia seguinte encontrará empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, onde Dilma também é aguardada.

A visita tinha sido programada inicialmente para junho, mas, ao se concretizar agora, reveste-se de uma nova importância para os dois lados, o encontro, diz um diplomata brasileiro, procura compensar em parte o cancelamento da viagem de Dilma a Washington em novembro. Provocada pela descoberta da espionagem americana contra o Brasil, a suspensão da reunião com Barack Obama alimentou a crítica de que o Palácio do Planalto insiste em uma política externa "terceiromundista", sem interesse em aliados desenvolvidos ou em facilitar os negócios de brasileiros no exterior e de estrangeiros aqui.

E uma versão incômoda para um governo às voltas com a necessidade de aquecer a economia e com a delegação de bens e obras públicas ao capital privado. Mas que talvez seja neutralizada pelos laços com o sexto maior Produto Interno Bruto do mundo e quarto maior investidor no Brasil. É grande o apetite da França, como revelara exemplos recentes, A francesa Total integra o consórcio que na segunda-feira 2 assinou o primeiro contrato de exploração de petróleo do pré-sal, negócio de 400 bilhões de reais em investimentos. A conterrânea Areva selou, em novembro, com a Eletrobras um acordo de quase 5 bilhões de reais para o término da construção de um terceiro reator da usina nuclear de Angra 3.

Hollande, por sua vez, atravessa o pior momento desde sua posse, em maio de 2012, e espera que a viagem colabore para alguma recuperação. Ele assistiu, em outubro e novembro, a uma onda de protestos contra o governo. Seu ibope despencou, a exemplo do que ocorrera com Dilma depois das manifestações de junho. Com 24% de aprovação, conquistou o título de presidente mais impopular da história da V República, iniciada em 1958. Uma aproximação com o Brasil poderia ajudá-lo, principalmente se resultar em bons negócios.

E não só com o Brasil, mas com a América Latina, tradicionalmente vista com simpatia pelos franceses. Em 17 meses, Hollande teve mais contato com líderes da região do que o antecessor, o conservador Nicolas Sarkozy, em cinco anos de mandato. Abriu o Falais de L"Elysée a oito chefes de Estado latino-americanos, fará agora sua terceira visita à região e já marcou a próxima: vai ao México em abril de 2014. Todos as estrelas da política progressista na América Latina estiveram em Paris: além de Dilma Rousseff, Nicolás Maduro (Venezuela), Evo Mo rales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).

Para além do valor diplomático e da política interna de cada nação, o encontro entre os dois servirá para discutir temas na ordem do dia de ambos os países. E o caso da espionagem dos Estados Unidos, das negociações de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Européia, do programa Ciência sem Fronteiras, que tem na França o terceiro principal destino de estudantes bolsistas, de acordos de cooperação tecnológica e da bilionária compra de caças novos para a Força Aérea Brasileira.

Hollande vai a Brasil disposto a tocar no assunto "caças", pois a francesa Dassault integra a lista final de fornecedores selecionados pela FAB, ao lado da americana Boeing e da sueca Saab. A França reconhece, porém, ser esta uma decisão delicada a ser tomada pela presidenta. A atual restrição orçamentária e a contestação popular contra as obras da Copa dificultam as justificativas para um gasto de 7 bilhões de dólares visto como secundário pela sociedade. E a mesma posição de diplomatas brasileiros. Não há, dizem, condições políticas para anunciar uma decisão antes da eleição de 2014.

De qualquer forma, ao abordar o tema, Hollande equilibrará um pouco a balança nessa disputa, que desde o início da gestão Dilma pendia para a Boeing, graças aos esforços do presidente Barack Obama. A negociação com os EUA foi congelada no mesmo instante do cancelamento da ida da presidenta a Washington após as revelações sobre a bisbilhotagem. A afronta à soberania nacional não impediu o prosseguimento do lobby americano, como deixou claro a presidente da Boeing no Brasil, Donna Hrinak, em uma recente e discreta passagem por Brasília.

Pesam a favor da França a maior disposição para transferir tecnologia e o fato de ter um PIB semelhante ao brasileiro, o que reduz espaços para imposições. O país é hoje o principal sócio do Brasil em assuntos de defesa nacional, graças a uma parceria estratégica firmada em 2008. Estão em curso acordos de pesquisa, desenvolvimento e fabricação de cinco submarinos, inclusive um movido a energia nuclear, e 50 helicópteros. Tudo com transferência de tecnologia. Ou seja, os franceses contam seus segredos. "O que é especial nessa parceria é que são países iguais e que se permitem a transferência de tecnologia", reforça o embaixador francês, Denis Pietton.

A parceria tem tudo para ser ampliada durante a visita de Hollande. As vésperas do encontro, autoridades e técnicos dos países tentavam viabilizar a assinatura de dois acordos. sobre a compra pelo Brasil de um "supercomputador" fabricado pela francesa Bull, orçado em 116 milhões de reais. É um tipo de máquina capaz de realizar bilhões de cálculos complexos em segundos" útil por exemplo na Petrobras e nas Forças Armadas.

O outro refere-se à aquisição de um satélite de telecomunicações. O governo anunciou em agosto a disposição de adquiri-lo da Thales Alenia Space. E um contrato de 1,3 bilhão de reais, a incluir ainda o lançamento a partir da Guiana Francesa, em 2016, por outra companhia francesa, a Arianespace. Desde a privatização da Telebrás, nos anos 1990, a comunicação das Forças Armadas depende de satélites alugados por empresas privadas, inclusive estrangeiras, o que expõe o Brasil a ataques cibernéticos.

A espionagem dos EUA vai merecer um capítulo à parte nas conversas entre Dilma e Hollande. A exemplo do Brasil, a França também foi alvo do Tio Sam. Por isso, não hesitou em apoiar um projeto apresentado em conjunto pela presidenta brasileira e pela premier alemã, Angela Merkel, às Nações Unidas em defesa da privacidade dos cidadãos e contra a arapongagem no ciberespaço. O texto não tem o poder de obrigar os países a tomar qualquer medida, mas, se aprovado pela Assembleia-Geral causará constrangimento internacional a quem o desrespeitar.

Hollande pretende declarar ainda apoio à realização no Brasil, em 2014, de uma conferência global para discutira regulação da internet, hoje totalmente em mãos americanas. A conferência é uma iniciativa brasileira e está marcada para abril, em São Paulo. Terá representantes de governos, de entidades da sociedade civil e da indústria de telecomunicações. Nutridos por uma simpatia mútua, Dilma e Hollande devem reforçar a parceria estratégica.

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