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O julgamento apressado do Mercosul

Peter Hakim


Em seu recente testemunho perante o Congresso Nacional, o chanceler Antonio Patriota afirmou com justeza que o Legislativo paraguaio violou uma norma básica da democracia quando apressou o impeachment do então presidente Fernando Lugo e lhe negou a oportunidade adequada de se defender. Apesar de a Constituição paraguaia permitir a remoção de um presidente por "desempenho fraco", ela não confere autoridade ao Legislativo para desconsiderar o direito fundamental do mandatário ao devido processo legal – e este é o direito de ser julgado num processo legal conduzido com equidade e respeito.

De acordo com a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Brasil e os outros membros do bloco comercial – Argentina e Uruguai – têm todo o direito de questionar a ação do Paraguai. Curiosamente, porém, o País não demonstrou a menor hesitação em se unir a seus parceiros do Mercosul, Argentina e Uruguai, para perpetrar a mesma transgressão. Os três países invocaram com rapidez a cláusula democrática do Mercosul e suspenderam o Paraguai do bloco. Não houve uma investigação dos fatos que cercaram o impeachment de Lugo nem uma apreciação cuidadosa sobre se a suspensão seria a resposta adequada. Tampouco houve nenhuma consideração de outras medidas para tentar resolver o imbróglio paraguaio.

Além disso, o Brasil e os outros países do Mercosul não ofereceram nenhuma oportunidade às autoridades paraguaias de defenderem seus atos, alegarem circunstâncias atenuantes ou apelarem da decisão. O Paraguai foi impedido até mesmo de enviar um representante à reunião em que foi decidida a sua suspensão. O bloco do Mercosul cometeu, em suma, a mesma violação da qual acusara o Legislativo paraguaio – fazer um julgamento apressado sem o devido processo legal.

Mais vergonhoso ainda, talvez, os três parceiros restantes do Mercosul tiraram vantagem imediata da suspensão temporária do Paraguai para aprovarem a entrada da Venezuela no pacto comercial. Essa decisão – que atropelou a antiga oposição do Senado paraguaio – foi tomada no espaço de poucos dias, sem virtualmente nenhuma consideração quanto a ser ela legal ou não.

Brasil, Argentina e Uruguai simplesmente ignoraram a questão (que continua não resolvida) sobre se a Carta do Mercosul lhes dava autoridade, na ausência temporária do Paraguai, para concederem a participação à Venezuela.

Os parceiros do Mercosul também não consideraram se a Venezuela cumpria as condições da cláusula democrática do Mercosul. É certo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi democraticamente eleito, porém, de ano a ano, as credenciais democráticas do país foram-se tornando cada vez mais manchadas por violações recorrentes dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e de reunião, da independência do Poder Judiciário e de eleições livres.

O testemunho de Antonio Patriota ao Congresso justifica a participação da Venezuela no Mercosul em bases econômicas – que são, é claro, irrelevantes para a sua legalidade. E a gestão econômica irresponsável de Hugo Chávez seria razão suficiente para barrá-lo no bloco.

Não foram, no entanto, apenas o Brasil e seus parceiros do Mercosul que agiram de maneira precipitada com relação às normas legais ou à prudência econômica. A União de Nações Sul-Americanas (Unasul), sem um único voto dissidente, da mesma forma suspendeu rapidamente o Paraguai. A Unasul fez, sim, uma investigação superficial, mas somente depois que a suspensão foi aprovada. Mais notável, talvez, é que nenhum país da América do Sul sequer se dispôs a participar na missão de investigação dos fatos no Paraguai patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Aliás, foi a OEA que procedeu de forma mais responsável, ainda que, de alguma maneira, lentamente, no caso paraguaio – investigando o que ocorreu e produzindo um relatório altamente profissional que focou menos em atribuir culpas do que nas tarefas de pôr fim à crise política do Paraguai, evitando quaisquer novos conflitos, e ajudando a assegurar a lisura das próximas eleições presidenciais, em abril do ano que vem. Sua recomendação foi contrária à imposição de quaisquer sanções ao Paraguai.

Os Estados Unidos não interferiram durante o período mais crítico da crise paraguaia. Washington talvez estivesse certa em manter o silêncio até que a OEA completasse a sua missão no Paraguai e apresentasse o seu relatório e as suas recomendações. Foi, com certeza, melhor do que correr a apoiar o novo governo paraguaio, como fizeram os governos conservadores do Canadá, da Grã-Bretanha e da Espanha, ou condenar imediatamente o Legislativo do Paraguai, como fez a maioria dos países latino-americanos. Mas os Estados Unidos, seguramente, poderiam ter feito mais para persuadir outros países a também conterem o fogo até que as evidências tivessem sido colhidas – a fim de defender a condução de um devido processo legal para o governo paraguaio. Possivelmente, todavia, ninguém teria ouvido, de qualquer modo, dada a reduzida influência que os Estados Unidos têm na América do Sul hoje em dia.

Vista de longe, a reação do Brasil aos acontecimentos no Paraguai pareceu extraordinariamente passiva. Os acontecimentos parecem ter sido conduzidos em grande parte pela Argentina e pela Venezuela. É curioso que a mais importante potência regional da América Latina tenha falhado em tomar mais iniciativa e adotar uma atitude que fosse mais claramente consistente com as práticas democráticas que o Brasil afirmou estar buscando sustentar. Para crédito do Brasil, contudo, Patriota é, até onde sei, o único chanceler que teve de justificar perante um comitê parlamentar as ações de seu governo a respeito do Paraguai.

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