Alexander Busch¹
Os primeiros contatos com correspondentes chineses no Brasil foram frustrantes. Era difícil de entender os colegas. Eles mal falavam português. E quando dava para entender as perguntas deles, elas faziam pouco sentido. Isso foi há cerca de 15 anos. Hoje, é completamente diferente.
Há alguns anos, eu viajei com alguns colegas chineses da agência de notícias Xinhua pela principal região agrícola do Brasil. O governo queria nos mostrar a força da agricultura brasileira. O meu colega chinês não só falava um excelente português: ele ainda conhecia quase todos os empresários, secretários de governo e governadores de encontros anteriores. E ainda mencionou, de passagem, que, quando o presidente chinês fazia visitas oficiais ao Brasil, ele servia de intérprete. Fiquei impressionado.
Há pouco tempo, encontrei dois jovens colegas chineses durante uma visita à periferia do Rio de Janeiro. Eles cantarolavam, alegres, os novos funks que tocavam nos bares ao redor. Não tinham nenhum sotaque, conheciam todas as letras.
Em apenas uma década, não foi só a presença dos jornalistas chineses no Brasil e o conhecimento deles sobre o país que aumentaram enormemente. Também os diplomatas, empresários e bancários da China têm, já há alguns anos, uma presença cada vez mais firme. De forma despercebida, os bancos estatais chineses ocuparam prédios inteiros num importante centro financeiro de São Paulo, a Avenida Brigadeiro Faria Lima.
No ano passado, empresas chinesas entraram no setor energético brasileiro, com investimentos de cerca de 10 bilhões de dólares. Com a CPFL, a State Grid se tornou a maior empresa integrada de energia elétrica do Brasil e da América Latina. Já a chinesa Three Gorges é hoje a maior produtora privada de energia elétrica do Brasil.
Empresas estatais da China investem hoje mais no Brasil do que nos demais países da América do Sul: portos, participação em empresas de mineração e petróleo, ferrovias municipais e interurbanas são cada vez mais controladas a partir do Extremo Oriente. "A China tem um plano claro, uma elevada disposição para enfrentar riscos, grandes conhecimentos em mercados emergentes e dispõe de capital praticamente ilimitado", disse Georgina Baker, vice-presidente da International Finance Cooperation, durante uma recente passagem por São Paulo, para explicar essa rápida expansão.
A China segue uma estratégia: suas empresas investem diretamente no DNA industrial do Brasil. Quem controla as redes de energia, as rodovias, as ferrovias e talvez logo também as redes de telefonia terá uma vantagem enorme como investidor quando chegar a hora da digitalização e transmissão de dados no Brasil. A imponente presença da China, como nova potência mundial, preenche o vazio cada vez maior deixado pelos Estados Unidos.
Mas, à parte alguns especialistas, quase ninguém percebe isso no Brasil. E parece que também ninguém se importa. De um modo geral, os conhecimentos sobre a China no Brasil são ínfimos diante do fato de que o país se tornou seu principal parceiro comercial e investidor.
Isso vale para os formadores de opinião na mídia, para os políticos e para o setor privado e também para as autoridades. Pouquíssimos empresários, diretores e diplomatas conhecem a China, viveram por lá ou falam chinês. A imprensa não tem nenhum correspondente por lá. No Ministério do Exterior, os especialistas em China podem ser contados nos dedos de uma mão. Pode-se aprender chinês em vários lugares do Brasil, mas a procura é baixa.
Esse desconhecimento sobre a China vale também para todos os outros brasileiros. "Quase ninguém conhece um esportista, músico ou astro do cinema chinês", comenta Oliver Stünkel, professor de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, a maioria das pessoas na América Latina não tem uma opinião sobre a China, seja positiva, seja negativa. "Para elas tanto faz." Em relação aos Estados Unidos, a situação é completamente outra. Apesar de a influência do país ser cada vez menor, quase todo brasileiro têm alguma opinião sobre o vizinho do norte.
Acho isso muito arriscado. O Brasil está desperdiçando uma oportunidade enorme. Só se o Brasil conhecer e entender melhor seu principal parceiro comercial e investidor, poderá impedir que as relações se tornem de mão única, como eram com as potências coloniais, antigamente, e durante um certo período com os Estados Unidos. Com a China, o Brasil corre o risco de se tornar, de novo, o eterno fornecedor de matérias-primas e mercado de consumo para produtos industrializados – e a China ainda estará sentada no centro de comando da economia brasileira.
¹Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.