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O auge e declínio do chavismo

Em vida, o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013) prometeu a milhões de seguidores um futuro próspero e não tão distante, patrocinado pelo "socialismo do século 21".

Quase três anos após sua morte, o saldo desse projeto político é negativo, e seu partido teme um acerto de contas da população nas eleições parlamentares de 6 de dezembro.

A DW conversou com dois especialistas em Venezuela sobre a evolução do chavismo e o que as pesquisas locais descrevem como um minguante apoio popular.

Para o cientista político Jesús Azcargorta, Chávez criticou duramente o status quo que a maioria dos venezuelanos associava a corrupção e elitismo quando foi candidato à presidência em 1998.

"Chávez atraiu distintos grupos sociais e instrumentalizou muito bem a noção de 'povo' para se aproximar de cidadãos comuns, promovendo-se como seu interlocutor direto no Estado. Por outro lado, o mandato de Chávez (1999-2013) foi muito bem afortunado", comenta Azcargorta, autor do livro Los partidos monopólicos latinoamericanos.

Chávez, um político de sorte

O pesquisador explica, ainda, que a sorte desempenha um papel nada desprezível na política. Para ele, por contar tanto tempo com os altos preços do barril de petróleo no mercado internacional, Chávez teve a sorte que não tiveram seu predecessor na presidência, Rafael Caldera (1994-1999), nem seu sucessor, Nicolás Maduro.

"Além disso, Chávez chegou ao poder quando começava um novo auge da esquerda na América Latina e isso lhe garantiu apoios duradouros", afirma Azcargorta.

Claudia Zilla, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança (SWP, na sigla em alemão), não está certa de que o isolamento progressivo dao chavismo na América Latina influencie a política interna do país a ponto de catalizar a atual queda de popularidade do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) que, de acordo com as pesquisas, deverá perder a sua hegemonia na Assembleia Nacional.

Mas, como Azcargorta, a especialista aponta que os fatores materiais não explicam, por si só, nem o período de ascensão nem o declínio do chavismo.

Uma nova exclusão

Para entender o que acontece com a "revolução bolivariana", é essencial fazer um balanço dos elementos tangíveis e intangíveis. Zilla afirma que o boom petroleiro permitiu a Chávez criar programas sociais e também desenvolver, por muitos anos, um discurso populista convincente.

"Esse discurso politizou fenômenos como a desigualdade econômica e chamou a atenção para a exclusão social de diversos setores da sociedade venezuelana, com a intenção de polarizar e fazer distinções entre o 'povo' e a 'elite'", afirma a especialista do SWP.

Ela acrescenta, ainda, que essa forma de política simbólica tem um alto poder de persuasão em países com carências notáveis, onde muitos estão ou se sentem excluídos em termos econômicos, sociais, culturais e de identidade.

"Além dos benefícios materiais que os setores marginalizados da Venezuela receberam, a argumentação de Chávez alimentou um sentido de pertencimento da população. Ele lhes disse 'vocês são o povo e agora governamos para vocês'", opina Zilla.

Mas, segundo a pesquisadora, esse processo de inclusão funcionou até que deixou de ser a prioridade. O objetivo do chavismo, que se impôs com o tempo, acabou se tornando uma nova exclusão: "a estigmatização pública, a agressão física e a detenção arbitrária de quem protesta contra os desatinos dos funcionários públicos ou criticam as políticas do governo, por exemplo".

"Esses desaforos do Estado estão causando problemas agora porque ninguém encontra leite no supermercado. O imaterial tem um peso maior para as pessoas apenas quando o material deixa de satisfazer suas necessidades", conclui Zilla.

Oposição vence maioria nas eleições parlamentares da Venezuela

A coalização de oposição na Venezuela, Mesa de la Unidad Democrática (MUD), conquistou 99 dos 167 assentos da Assembleia Nacional nas eleições legislativas deste domingo (06/12). O "oficialismo", bloco de governo que inclui o partido socialista de Nicolás Maduro PSUV e partidos aliados, ficou com 46 assentos, segundo divulgou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) após a apuração de 96% das urnas.

O presidente da Venezuela disse aceitar os resultados adversos e destacou "o triunfo da Constituição e da democracia". "Nosso reconhecimento dos resultados sempre esteve garantido", disse Maduro na madrugada desta segunda-feira em um discurso transmitido pela TV estatal. "Sempre soubemos que nadávamos contra a corrente e não nos escondemos." Ele atribuiu a vitória da oposição a uma "guerra econômica".

A vitória já havia sido anunciada mais cedo pelo ex-candidato a presidente Henrique Capriles e por Lilian Tintori, esposa do oposicionista preso Leopoldo López.

"Ganhamos e ganhamos bem. São momentos muito difíceis porque sabemos que ganhamos, mas não sabemos o que o governo vai fazer", disse Tintori.

Com a maioria, a oposição pode limitar o poder de atuação de Maduro, cujo mandato vai até 2019. Depois de 16 anos de hegemonia chavista, com a maioria parlamentar, os oposicionistas também podem aprovar uma lei de anistia para presos políticos e investigar funcionários públicos.

Para os líderes da oposição, a vitória marca o início do fim do chavismo. Especialistas afirmam que a péssima situação econômica do país foi um dos fatores fundamentais para a possível derrota do governo.

Eleição (quase) sem incidentes

Cerca de 20 milhões de venezuelanos foram às urnas neste domingo para eleger os novos parlamentares. A eleição transcorreu sem incidentes, porém, no final do dia, o CNE decidiu prorrogar por uma hora a votação e retirar credenciais de ex-presidentes de vários países latino-americanos que observavam o processo eleitoral a pedido da oposição e haviam questionado o atraso no fechamento das urnas.

A oposição alegou que a manobra governista visava evitar a derrota. Três horas após o prazo oficial de fechamento das urnas, o CNE ainda não havia anunciado o encerramento da eleição.

O órgão eleitoral afirmou que a legislação determina que, enquanto houver eleitores na fila para votar, as urnas devem permanecer abertas.

Venezuela e a versatilidade da não ingerência

O governo venezuelano voltou a taxar de "intervencionistas" os pedidos internacionais para que as eleições parlamentares deste domingo (06/12) ocorram de forma transparente e pacífica. A cúpula chavista aprovou a visita de emissários da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para "acompanharem" o processo de votação, mas eles não têm dito muitas coisas sobre uma campanha eleitoral marcada por acusações de oportunismo e violência política.

Poucos oposicionistas esperavam algo diferente. E, apegando-se à doutrina que lhes inibe interferir nos assuntos internos de seus vizinhos, tanto a Unasul como o Mercosul se abstiveram durante anos das críticas às práticas antidemocráticas do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013) e de seu sucessor, Nicolás Maduro. A última vez que se pronunciaram enfaticamente sobre atrocidades similares foi em 2012, após o golpe de Estado no Paraguai.

Antes disso, condenaram com a mesma dureza o golpe em Honduras, em 28 de junho de 2009. Como explicar a discrição com que os líderes latino-americanos invocam o princípio da não intervenção? Por que se solidarizam com homólogos afastados inconstitucionalmente de seus cargos, mas se recusam a agir quando um dos seus rompe com as regras do jogo democrático?

Executivos blindados

A resposta é por temer que eles próprios possam vir a ser alvos de intenções golpistas ou de censura. Essa é a tese da analista da Fundação de Ciência e Política, Claudia Zilla, e do professor emérito da Universidade de Oldenburg, Fernando Mires. Segundo eles, na América Latina, as rupturas da ordem constitucional não são punidas em nome da democracia, mas na defesa exclusiva do Poder Executivo.

Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), concorda com o argumento, acrescentando que a tendência dos governos de zelar mais por seus interesses do que pela integridade institucional de seus vizinhos é manifestada por meio de ação ou omissão. "O ato de permanecer em silêncio, como tem sido feito frente aos ataques contra a democracia na Venezuela, é uma posição escolhida conscientemente", afirma Llanos.

Podemos afirmar então que os chefes de Estado e de governo latino-americanos têm se blindado juridicamente, a nível nacional e regional, para evitar que sejam responsabilizados por suas gestões? Afinal, fora a virtual consagração do princípio de não ingerência, a predominância de sistemas hiperpresidencialistas no subcontinente parece resguardá-los bem.

Ética e vontade política

E se este é o caso, não seria saudável para o Estado de direito retirar os poderes dos mandatários e concedê-los aos legisladores? "Não creio que os problemas citados se solucionem por meio de engenharia política, emendando detalhes no campo da lei", diz o especialista em política comparada do Instituto Ibero-Americano (IAI), Peter Birle.

"No final das contas, são sempre os políticos que decidem como usar os instrumentos legais à sua disposição", afirma, demonstrando estar pouco convencido de que a reedição das cláusulas democráticas da Unasul e do Mercosul garantiria uma ativação imediata quando forem exigidas. "Essas ferramentas sempre deixam espaço suficiente para diferentes interpretações", explica o especialista do IAI.

"Assim funcionam as relações diplomáticas entre esses Estados. Recordemos que eles têm experimentado, direta ou indiretamente, várias intervenções de potências estrangeiras que atacaram os governos legitimamente eleitos sob o pretexto de preservar a democracia na América Latina. O princípio da não interferência não surgiu do nada. Essa discussão é muito mais complexa do que parece", conclui Birle.

 

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