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Os calibres atuais e seus limites de emprego em Conflitos Assimétricos

Novo Calibre Padrão para os Fuzis da OTAN

Os calibres atuais e seus limites de emprego em Conflitos Assimétricos

Eduardo Atem de Carvalho, PhD
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rogério Atem de Carvalho, DSc
Instituto Federal Fluminense

Resumo

Este trabalho lida com efeitos dos Conflitos Assimétricos sobre um aspecto do combate de Infantaria: o calibre de sua arma padrão. A imposição inicial de um calibre demasiadamente poderoso, o 7.62×51 mm, privou a OTAN e aliados por muitos anos de  fuzis de assalto verdadeiros. A mudança para o calibre 5.56×45 mm, que deveria ter remediado esta situação, acabou por levar os aliados ao extremo oposto: um calibre cronicamente anêmico, que mesmo após extenso esforço pela indústria, ainda falha em prover letalidade à longa distância, uma vez que não foi concebido para isto.

Hoje existe uma busca por um valor intermediário, mais próximo ao do calibre russo 7.62×39 mm. Como assunto secundário, o trabalho também aborda a dificuldade enfrentada pela linhagem do fuzil M-16/M-4 e a nova geração que deve sucedê-la. Finalmente, comenta muito brevemente sobre o novo fuzil brasileiro.

Nota: Durante o texto empregou-se o termo “calibre”, que geralmente se refere ao diâmetro do projétil, em comum com o cartucho, com o conjunto. Ou seja: ao se referir ao calibre 5.56×45 mm, o texto se refere a todo conjunto de projétil, cápsula e propelente, e também na sua performance padrão OTAN/NATO, como oferecido às tropas, já que para os atiradores esportivos estes calibres podem ser recarregados com dezenas de combinações entre projéteis e propelentes, obtendo uma miríade de desempenhos cujo o escopo foge completamente a este trabalho.

INTRODUÇÃO

Ao final da Segunda Guerra Mundial, a chamada Aliança Atlântica, sob a liderança dos EUA, tinha uma problema: uniformizar os calibres então em desenvolvimento para  emprego nos futuros fuzis semi e automáticos,  derivados todos, de uma forma ou outra, do revolucionário StG 44 Sturmgewehr alemão [1]. Este usava 7.92×33 mm, oferecendo potência entre as metralhadoras de mão e os fuzis de combate tradicionais. Diversos países pesquisavam novos calibres, na faixa aproximada entre 6,0 e 7,5 mm de diâmetro.

Os parâmetros principais consistiam em ser capaz de atingir com precisão letal alvos humanos sem proteção balística até uma distância de 500 m e suportar regime de tiro em rajada (automático) de maneira controlada e sem causar desgaste acelerado do cano da arma. As novas armas também deviam oferecer maior quantidade de munição e fácil recarga.

O surgimento de novos materiais sintéticos e aços com liga refinada e alta performance também ofereciam novas possibilidades. Novos métodos de fabricação e produção, revestimento superficial etc, tudo vinha para se juntar em novas armas, mais leves, baratas, com razoável precisão a curtas e médias distâncias e com manutenção simples no campo de batalha [2].

Do lado do Pacto de Varsóvia, a partir de 1949, o grande campeão já havia surgido, o lendário Avtomat Kalashnikova 47, ou simplesmente AK47, no calibre 7.62×39 mm, de cuja família mais de 100 milhões foram fabricados até hoje (valores estimados pelo fabricante russo) [3]. No lado ocidental, França, Reino Unido e EUA trabalhavam com calibres diferentes. Mas veio da Bélgica aquele que viria a ser o grande campeão ocidental: o FN FAL, projetado por Dieudonné Saive e Ernest Vervier da Fabrique Nationale de Herstal, o Fusil Automatique Léger, viria também a ser fabricado aos milhões (estima-se mais de 20 milhões produzidos) e empregado por não menos que 90 países.

Seu calibre original era o .280 britânico (7×43 mm). As autoridades americanas consideraram o calibre como insuficiente e impuseram o poderoso 7.62×51 mm como padrão [4], forçando os projetistas e fabricantes ocidentais a produzirem armas pesadas e com recuo forte. O FAL foi levado ao limite de projeto, tornando o seu uso em regime automático basicamente incontrolável [3]. Suas dimensões são consideradas exageradas para soldados de pequena estatura. O exército americano adotou o M-14, arma considerada por alguns usuários como a que melhor se adaptou ao calibre em combate, no arsenal americano. Curiosamente, este binômio arma + cartucho permaneceu por poucos anos em serviço, vindo a ser substituído pelo cronicamente anêmico 5.56×45 mm.

Como termo de comparação, a tabela abaixo apresenta dados dos calibres aqui citados: 7.62×39 russo, 7×43 britânico, 7.62×51 nato e o 5.56×45 nato.

Calibre Peso Projétil Vel. Inicial Energia (J) Quant. Mov

7.62×39

7.9 g (122 grains)

718 m/s (2356 ft/s)

2036 J (1502 ft.lbf)

5.7 kgf.m/s (287*)

7×43

9.0 g (140 grains)

777 m/s (2549 ft/s)

2717 J (2004 ft.lbf)

7.0 kgf.m/s (357*)

7.62×51

9.3 (144 grains)

838 m/s (2749 ft/s)

3275 J (2416 ft.lbf)

7.8 kgf.m/s (396*)

5.56×45

4 g (62 grains)

991 m/s (3251 ft/s)

1974 J (1303 ft.lbf)

4.0 kgf.m/s (202*)

Tabela 1 – Comparação entre os calibres: russo (7.62×39), ingles (7×43) e americano inicialmente adotado (7.62×51) e posteriormente (5.56×45).

A Tabela 1 apresenta um breve sumário que permite uma rápida, ainda que simplistica, comparação entre os calibres em questão quando da adoção do 7.62×51 mm pela OTAN. Os russos partindo do projeto original alemão, acertaram desde o princípio, mantendo o nível de energia em patamar médio com uma Quantidade de Movimento (grandeza física associada ao recuo) equivalente à metade, por exemplo, de uma espingarda calibre 12 GA. Já o 7.62×51 mm apresenta valor equivalente.

O Projeto original britânico, 7×43 mm, mesmo antes de ter tido sua potência aumentada, cumpriria os mesmos requisitos que a munição russa, com uma grande vantagem: seu projetil mais pesado garantiria balística terminal mais destrutiva e precisão maior.

Com a padronização imposta pelos americanos, a partir do seu calibre desenvolvido no Frankford Arsenal em conjunto com a empresa Springfield Armory, os países ocidentais com tradição na indústria de armas leves começaram a apresentar seus modelos de serviço, formando os binômios calibre+arma a serem oferecidos os seus exércitos, ex-colônias, aliados, clientes etc. O ocidente abria mão assim de ter um verdadeiro fuzil automático leve, ou fuzil de “assalto” e continuava a ter um fuzil de batalha.

A energia contida no cartucho 7.62×51 mm simplesmente impede que isto ocorra em armas de porte individual. Enquanto o bloco soviético ganhava um fuzil extremamente simples, resistente e barato, o ocidente continuava com seus engenhos sofisticados e caros, adequados mais ao esporte e a caça do que ao emprego militar.

Surgiram nesta época o já mencionado FN FAL na Bélgica, adotado em quase todo Ocidente, incluindo Reino Unido e Domínios, América Latina (o Brasil fabrica até hoje suas versões), Oriente Médio e Asia. A fabrica alemã HK ofereceu o G3, a Espanha o CETME C, Os franceses adotaram o MAS 49/56, enquanto os EUA adotavam o M14. O calibre adotado oferecia grande precisão, grande poder de destruição, alcance muito além da capacidade de visão e tiro do soldado mediano e comunalidade com as armas automáticas orgânicas das frações de tropa, mantendo a logística simples do calibre .30-06 Springfield.

Em troca, o ocidente abria mão de ter armas simples, baratas e realmente capazes de manter fogo automático de forma controlada. O caso extremo, o Exército Britânico, encomendou seus FAL sem a opção de tiro automático [2]. Foi constatado pelos militares britânicos, quando analisando os protótipos que em regime automático, mesmo atiradores experientes desperdiçavam a maior parte dos tiros da rajada, deixando o combatente rapidamente sem munição. Sob a pressão do combate, mesmo uma tropa veterana acabava perdendo a posição porque não conseguia administrar o consumo de munição.

Isto foi verificado em combate no Vietnam [2], quando soldados australianos, atirando com FAL em fogo intermitente mantiveram a posição a noite toda, enquanto os soldados americanos, atirando em rajadas, ficaram sem munição no meio da madrugada e tiveram sua posição superada pelo inimigo. Por todas essas razões, o Exército Britânico classifica o FAL como “Battle Rifle” e não como “Assault Rifle” [2].

Com a continuação da Guerra Fria, um novo conceito surgiu para o emprego das armas leves de Infantaria: um combatente inimigo morto retirava apenas um inimigo do campo de batalha, já um inimigo ferido requeria 4 outros para carregá-lo até um ponto seguro, além do efeito psicológico que a visão do sofrimento do ferido causa na moral dos seus companheiros e todo o ônus sócio econômico e logístico que seu socorro e recuperação causam.

Desta forma, um calibre menor, que não matasse o inimigo, mas o ferisse, removeria 5 combatentes do campo de batalha, ao invés de apenas um. Além desta matemática sombria e bombástica, uma outra razão mais prosaica se impunha sobre o Exército Americano: a má pontaria dos recrutas.

O recruta típico se apresentava para o serviço militar de 12 meses e devia ser instruído nas técnicas de controle de gatilho, visada, postura e ser capaz de realizar o tiro individual antes de poder realmente aprender a empregar o fuzil  em benefício da Esquadra ou Grupo de Combate. A experiência com atiradores esportivos indica que um longo período de maturação é necessário até que o homem de fato domine a arma até o ponto onde consegue atingir qualquer alvo desejado dentro do seu raio de visão.

Em contraste um recruta tinha cerca de 2 meses para absorver todas as fases do seu treinamento até ser enviado para combate, como na Segunda Guerra, embora depois pudesse receber algum treino extra já embutido em escalões maiores. Assim, com apenas os rudimentos da técnica de tiro, o recruta era enviado ao Vietnam, onde devia ser capaz de operar em patrulhas, guardas de ponto e tudo mais que se esperava de um combatente naquele conflito. Após 10 meses no Vietnam era enviado de volta para a vida civil, caso não desejasse se realistar. Ao contrário do que pensam os leigos, a pouca melhora da performance vinha da melhora no autocontrole, conforme o combatente ia se tornando um veterano.

A ausência de treinamento de tiro e reciclagens garantem isso, como qualquer atirador esportivo pode confirmar. Estatísticas clássicas do US Army indicam que naquele conflito foram gastos em média 52000 tiros de armas leves por inimigo morto em ação, em um sombrio atestado da falência dos métodos de treinamento de tiro do Exército Americano – apenas seus núcleos  profissionais desempenharam bem o papel de atirador individual.

A combinação do pouco treinamento dos recrutas com um conflito não-convencional foi considerada desastrosa pelo alto comando do Exército Americano, que buscava uma solução onde um recruta com pouco treinamento pudesse compensar sua má pontaria com volume de fogo automático. Um calibre menor, mais leve, que permitisse um homem levar mais munição sem ter que carregar relativamente mais peso do que carregava. O calibre escolhido para operar esta mudança foi um calibre esportivo e de caça, o .222 Remington,  tornado mais poderoso até alcançar os limites desejados pelo US Army de velocidade e penetração.

Seus ferimentos eram causados pelo efeito combinado do baixo peso e altíssima velocidade relativa para tal peso do projétil, causando estilhaçamento e “capotamento” quando este atingia o alvo. Surgia assim o .223 Remington ou 5.56×45 mm NATO [5]. Os EUA buscavam agora seu AK47. E em plena Guerra do Vietnam, adapta-se o projeto original da mente de Eugene Stoner, o M-10, surgindo o M-16, o Fuzil Negro (devido ao fato de não mais usar madeira e sim baquelite preta como material para a coronha e guarda-mão). O que se seguiu foi um desastre. A arma ainda não estava pronta para ser entregue à tropa, nem a tropa foi treinada para usá-la. Até hoje a polemica continua em artigos, revistas técnicas e livros.

O sistema de recuo, sem pistão, causava ejeção de gases quentes no rosto do atirador, atiradores canhotos sofriam também com ejeção de cápsulas na boca, a munição inicial não era potente suficiente e gerava resíduos demais. Por outro lado, propagou-se o boato entre os combatentes que o fuzil seria “auto limpante” e a tropa não mais fazia manutenção das armas, quando ao contrário, o sistema de culatra rotativa e atuação por gás diretamente na face do ferrolho exigem que esta peça esteja sempre limpa para que a arma funcione corretamente.

A combinação de falhas da arma, da “anemia” do calibre no ambiente de selva, com as fortes mudanças pelas quais passava a sociedade americana na época levaram a muitos soldados a crer que seu alto comando pouco se importava com suas vidas e seu bem estar, quando ao contrário, a preocupação era com aumentar o poder de fogo da tropa. O binômio M-16 com o calibre 5.56×45 havia falhado catastroficamente em sua estréia. Mudanças foram feitas no fuzil e no calibre até que um desempenho satisfatório em ambos fossem obtidos. Hoje em dia, com novas munições e redesenho da arma, por exemplo pela Heckler und Koch [6], existe uma confiabilidade que não se pensava, embora muito do projeto original de Stoner tenha mudado.

A partir de meados dos 90 o Exército Americano resolveu substituir os M-16 por uma versão mais curta, uma carabina que fizesse o papel de fuzil de assalto, surgiu então a M4. Com ela voltaram os defeitos da falta de confiabilidade e munição anêmica, uma vez que o cano mais curto deste modelo (entre 12” – Marines e 14.5” para o US Army) implicou no abandono das velhas munições e na necessidade de se desenvolver novas munições. Os incidentes continuam a acontecer, narrados fartamente, por exemplo, nas referências [7-9].

Embora o calibre 5.56×45 mm seja padrão da OTAN desde 1963 e portanto existam diversas armas que compõem o binômio com este calibre, seu emprego continua polêmico. Antes havia um calibre excessivamente potente, agora um que parece não atender aos requisitos mínimos e falhar nos piores momentos. A solução temporária foi aumentar a carga de propelente e o peso do projétil, as chamadas “green tips”, que acabam por produzir uma quantidade de gases quentes que superaquecem as armas mais rapidamente.

Os velhos e lentos AK47 evitam isto com projéteis relativamente pesados e cargas menores de propelentes, além de folgas radicais entre suas partes deslizantes. Uma carabina M-4 deve sobreviver a 5000 disparos até ser descartada pelo US Army. Estima-se que este é o total de disparos que o soldado irá realizar, na pior das situações, desde sua preparação para um “tour”, até sua desmobilização e repatriação, um ano depois. O uso de nova munição implica em descarte dos modelos de carabinas antigos. Ou sua falha prematura.

Cabe acrescentar que existe vasta quantidade de excelente literatura sobre este assunto em livros, revistas e artigos, portanto, este artigo não tem a pretensão, em momento algum, de esgotar o tópico.

Figura 1 – Comparação entre alguns calibres citados neste trabalho.

Fonte:http://www.thefirearmblog.com/blog/wp-content/uploads/2014/04/65_6.jpg

AFEGANISTÃO E IRAQUE

Com os conflitos simultâneos no Afeganistão e no Iraque, o problema das armas que empregam o calibre 5.56×45 ficou de novo evidente. Nominalmente o calibre é letal aos 500 m, mas em ação, o que se vê é uma soma de fatores restringindo a letalidade a 300 m [9]. O núcleo de Forças Especiais do US Army tem declarada preferência pelo calibre 7.62×51 mm, letal até onde a vista atinge, e é muito comum ver membros desta tropa portando antigos M14 ou alguma versão modernizada, com acessórios óticos.

Embora os teatros de operação  no Iraque e Afeganistão sejam contemporâneos, cada um apresenta um desafio diferente para a tropa ocupante. No Iraque devastado pela guerra, o que se apresenta são sucessões infindáveis de habitações, ruas, vielas, ruínas de quarteirões inteiros, ainda habitados, onde o fogo indiscriminado de armas pesado é proibido. Desta forma, os confrontos acorrem a curtas distâncias (abaixo de 300 m) e muitas vezes dentro de construções. Aqui a reclamação é que a munição 5.56×41 mm não apresenta as características de penetração de paredes, portas, móveis e outras barreiras físicas que os outros calibres empregados no teatro de operação apresentam.

E mesmo quando um adversário é baleado, a munição, agora com características de alta penetração (Green Tips) atravessa o corpo do mesmo sem estilhaçar ou “capotar”, desta forma causando ferimento não rapidamente letal. Em distâncias tão curtas, certas tropas americanas, como os US Marines acabaram por incorporar espingardas calibre 12 GA Benelli M4 (não confundir com a carabina Colt M-4). Ou inimigo mortal das M-4 encontrado no Iraque é o pó fino que se levanta nas ruas após qualquer movimento e que se entranha nas armas e acaba por levar ao “jamming” (engasgo, falha de funcionamento ou alimentação).

No Afeganistão as características são o relevo montanhoso, grandes distâncias abertas, planaltos nevados a grandes altitudes, vilas isoladas com habitações rústicas e em geral, grandes distâncias entre coberturas do terreno. Essa combinação favorece o tiro de especialistas, franco-atiradores e emboscadas. Desta forma as reclamações mais comuns contra o binômio M-4 + 5.56×45 se referem a incapacidade de responder com a mesma letalidade ao fogo recebido, pelo binômio AK47 + 7.62×39 mm, de distâncias típicas em torno de 500 m.

Em combate, com todas as variáveis humanas e físicas em ação, os combatentes americanos e suas M-4 só são letais até 300 m [9]. As outras reclamações se referem ao mau funcionamento por falha de alimentação na arma, congelamento na neve [8], superaquecimento (quando acima de 90 tiros por minuto), a falta de letalidade quando o alvo humano porta muitas roupas de couro e casacos contra o frio

EM BUSCA DE UM NOVO CALIBRE

Existe uma busca de um novo calibre, que permita o controle de fogo em automático e o tamanho reduzido do 5.56 com a algo da precisão e letalidade do 7.62. É uma busca criteriosa, que evita uma solução que acabe em um cartucho que perca as boas características de ambos sem conseguir uni-las. Se a experiência histórica se repetir, o novo calibre surgirá de um já antigo, ligeiramente modificado para acomodar um projétil com novas  características e cápsula com formato reduzido, porém capaz de acomodar carga de propelente na quantidade desejada.

A seguir uma pequena lista contendo 3 calibres cuja performance se encontra entre os dois atuais. O primeiro tem origem militar, os seguintes, esportiva. Já são produzidos em massa, embora existam outros em desenvolvimento, conhecidos como “mavericks”, ou seja, produtos experimentais ainda em pequena escala.

1) 6.8 SPC (6.8×43 mm)

Como muitos calibres surgidos em décadas recentes, no mercado americano, este também surgiu com objetivo declarado de compensar deficiências na balística terminal do calibre 5.56x45mm, A diferença é que não surgiu de um projeto comercial e sim de um grupo de pesquisa do US Army. Os parâmetros de projeto consistiam também em não aumentar o recuo nem reduzir a capacidade dos carregadores já existentes (dimensões STANAG). Em testes de bancada ficou determinado que o calibre de 6.5 mm é o que fornece melhor precisão e penetração. Por outro lado, o de 7 mm é o que gera a melhor balística terminal (danos ao alvo). Assim sendo, optou-se por uma solução intermediária, de 6.8 mm de diâmetro, que em testes superou lendário 7.62×39 mm russo. O novo calibre recebeu o nome de  6.8 Remington Special Purpose Cartridge (SPC).

Este calibre foi projetado para ter seu ótimo em fuzis de cano curto, como os empregados em operações CQB (Close Quarters Battle), típicas dos conflitos assimétricos, desta forma compensando a queda de performance que ocorreu nas munições tradicionais empregadas nos M-16, quando da troca para armas de cano mais curto (M-4, por exemplo, ou IA2 no Brasil).

A munição comercial foi desenvolvida pela fabrica Remington para as Forças Especiais do Exército Americano e entregue a partir de 2002, originalmente com um projétil de 115 grains (7.45 gramas) e velocidade de boca de 2550 ft/s (777.2 m/s) em um total de energia de 1588 ft.lbf (2153 J). O cartucho tem um comprimento total de 57.4 mm e diâmetro de 10.7 mm, contra 57.4 x 9.6 do tradicional 5.56×45 mm NATO. Com pequeno ajuste na mola e no transportador, mantém a capacidade de 30 tiros por carregador. [10]

2) 6.5 Grendel (6.5×39 mm)

Este calibre nasceu visando o mercado civil americano, para esportistas e caçadores, empregando a plataforma do AR-15 mas capaz de ser efetivo até 800 m e também apresentando performance superior ao 5.56x45mm. O comprimento total foi mantido, porém projéteis maiores e mais pesados são empregados, de forma a se obter coeficientes balísticos mais elevados. Voltado ao mercado civil, oferece ampla gama de munições, com projéteis variando de 90 a 129 grain (5.8 – 8.4 g) e velocidades de 2,500 ft/s (760 m/s) com projéteis de 129 grain (8.4g) até 2,900 ft/s (880m/s) com os de 90grain (5.8g). Deriva do cartucho russo do AK47, 7.62×39 mm. Devido ao seu diâmetro, reduz a capacidade do carregador padrão de 30 para 26 cartuchos [11]

3) .300 AAC BlackOut (7.62×35 mm)

Mais um calibre que visou emular as características balísticas do clássico soviético 7.62×39 mm, com algumas vantagens adicionais, como explorar a plataforma do AR-15 e permitir o uso de supressores e silenciadores. Para tal, parte de suas combinações incluem projéteis disparados à velocidades subsônicas. Aproveita ainda os carregadores de Ar-15 existentes, penetra barreiras empregando a massa de seus projéteis e não a velocidade, e permite que seja disparado de armas leves sem causar recuo exagerado ou danificá-las.  Pode disparar uma combinação de projétil de 220 gr (14 g) a 1010 ft/s (310 m/s), o que permite o uso de silenciador ou supressor e com um energia de boca de 498 ft.lbf (675 J), apresenta pouco recuo, até um projétil de 78 gr (5 g) a uma velocidade de 2800 ft/s (850 m/s), o que gera energia de boca de 1358 ft.lbf (1841 J) [12].

Figura 3 – Comparação entre .300 BLK “Plastic Tip”, .300 “Match”, .300 subsônica,  5.56×45 mm e calibre russo 7.62x39mm

 Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/300_AAC_Blackout_(7.62×35mm) 

NOVOS FUZIS DA OTAN

Diante dos problemas surgidos com o emprego do calibre 5.56×45 em teatro de operações assimétricos, as diversas nações envolvidas tiveram que reintroduzir o calibre 7.62×51 mm para emprego pelas tropas regulares, de forma que estas dispusessem de uma munição que conseguisse atingir o inimigo letalmente a mais de 500 m, o que o 5.56×45 mm não consegue, tendo seu emprego letal real estimado pelo US Army em meros 300 metros, contra os 500 m do AK47 e seus derivados.

A incapacidade da plataforma M-4 em funcionar em regime de tiro acima de 90 tiros por minuto sem falhar fatalmente, levou às FE americanas a buscar uma nova plataforma, como já descrito. Porém, existe um movimento nas FFAA daquele país para que um novo calibre seja adotado, substituindo a pletora de armas hoje existentes e unificando os calibres como na Segunda Guerra. Isto leva inevitavelmente ao desenvolvimento de novos fuzis. Existem dezenas no mercado mundial e embora este não seja o objetivo deste estudo, já é público que diversos países pesquisam novos calibres e armas, uma vez que não adianta resolver apenas um problema. O binômio deve operar harmoniosamente, sendo a arma e o calibre desenvolvidos em conjunto desde o início, coisa que não ocorreu até hoje na OTAN.

As Forças Armadas americanas, através do SOCOM (United States Special Operations Command) abriram uma licitação para um novo fuzil, que fosse bi calibre (7.62×51 e 5.56×45 mm NATO). A Belga FN Herstal venceu com seu modelo a competição SCAR (Special Operations Forces Combat Assault Rifle). Segundo seu fabricante, pode vir a ser fabricado em outros calibres entre esses dois, embora atualmente não ofereça nenhum calibre além dos 2 citados [13]

O IA2 E A VOLTA DO FAL

Enquanto a polêmica de uma possível troca de calibre é alimentada entre os aliados europeus da OTAN e tropas especiais americanas, o Brasil se mantém em uma posição vantajosa: dispõe de um novo sistema de fuzis (IA2) [14] e da antiga família do FAL. Embora o IA2 ainda tenha no seu corpo alguns vestígios do FAL, seu mecanismo de funcionamento é totalmente novo e parece livre dos problemas da família do M-16, já que funciona acionado à pistão e não a gás. Se por um lado isto aumenta o peso da arma, por outro confere aumento dramático na confiabilidade do sistema, como aferido pelos US Marines [6].

O novo modelo, na sua versão 5.56×45, destinado à tropa regular, pesa sem carregador ou acessórios 3.38 kg, contra 4.30 kg do FAL tradicional e 3.79 kg do Para-FAL de cano curto. É bastante curto, podendo ter sua coronha polimérica dobrada, reduzindo seu comprimento para 60 cm. Vem de fábrica com trilhos tipo (Arsenal) Picatinny, que permitem o emprego de toda a parafernália ótica disponível nos dias atuais, sem afetar as seguras alça e massa de mira. Porém, para emprego em conflitos assimétricos, recairia nas mesmas limitações descritas neste trabalho. A solução temporária para este caso parece ser o Para-FAL como apresentado recentemente, com ferrolho ajustado, trilho Picatinny sobre a tampa da caixa da culatra, cano mais curto e munição adequada a esta nova situação. Desta forma, os novos acessórios óticos previstos para emprego nos IA2 também podem ser empregados no Para-FAL. A

nova família de munições, mais adequada a esta combinação, menos potente, com projéteis mais pesados e velocidade de queima do propelente adequada ao cano mais curto, pode ser facilmente desenvolvida pela indústria nacional. A outra opção seria a própria Imbel iniciar estudos para a adoção de calibres intermediários, embora isto, reconhece-se, nos leva ao mesmo ponto que se encontram todos na OTAN hoje: em busca de um novo calibre que possa substituir os dois já em serviço, nos fuzis da tropa regular.

Figura 3 – Novo fuzil IMBEL IA2 no calibre 5.56×45 mm

 Fonte:http://weaponland.ru/load/shturmovaja_vintovka_avtomat_imbel_ia2/7-1-0-923

Figura 4 – Para-FAL modernizado no calibre tradicional 7.62×51 mm

Fonte: http://i.imgur.com/dfMct.jpg

CONCLUSÕES

O calibre atualmente empregado pela OTAN e aliados, 5.56×45 mm, incluindo o Brasil, atende aos requisitos de combate convencional até 300 m, porém quando confrontado com o calibre 7.62×39 mm russo, adotado por combatentes irregulares em quase a totalidade dos conflitos assimétricos de larga escala hoje e eficaz até 500 m, perde a capacidade de oferecer proteção e poder ofensivo à tropa, levando ao componente ligado às Operações Especiais a buscar calibres mais pesados, principalmente o 7.62×51 mm. Novos calibres tem surgido, porém ainda não existe consenso sobre um novo calibre que reúna as vantagens dos dois calibres.

Referências Bibliográficas

[1] – McNab, C., German Automatic Rifles 1941-45: Gew 41, Gew 43, FG 42 and StG 44, Osprey Publishing, UK (2013)

[2] – Cashner, B., The FN FAL Battle Rifle, Osprey Publishing, UK (2013)

[3] – Iannamico, F., AK-47: The Grim Reaper, 2nd ed., Chipotle Publishing; (2016)

[4] – https://en.wikipedia.org/wiki/7.62×51mm_NATO

[5] – https://en.wikipedia.org/wiki/5.56×45mm_NATO

[6] – https://en.wikipedia.org/wiki/M27_Infantry_Automatic_Rifle

[7] – Rosso, O., The M-4 Carbine, Histoire & Collections, Paris (2009).

[8] – Neville, L., Taku Ghar – The SEALs and Rangers on Roberts Ridge, Afghanistan 2002, Osprey Publishing, UK (2013).

[9] – Barndollar, G. “The Precision Engagement Gap”, Military Operations, V 3, Issue 2, Winter 2016, pp 4-6.

[10] – Lyman Reloading Handbook, 49th Edition, Lyman Product Corp, CT USA (2008).

[11] – https://en.wikipedia.org/wiki/6.5mm_Grendel

[12] https://en.wikipedia.org/wiki/300_AAC_Blackout_(7.62×35mm)

[13] – http://www.fnamerica.com/products/scar-family/system-overview/

[14] – http://www.defesanet.com.br/laad2011/noticia/613/IMBEL-2011–FUZIS-/

Série Reflexões Teóricas Sobre

Conflitos Assimétricos, Acesse:

Parte I – Introdução ao Momento Atual Link

Parte II – o Grupo de Combate de Infantaria Blindada e seus Meios Link 

Parte III – A Engenharia de Combate Blindada como parte integrante das Forças-Tarefa Link

Parte IV – Artilharia, a Arma Precisa Link 

Parte V – Cavalaria Blindada nos Espaços Confinados Link

Parte VI – O Papel dos demais Ramos Operativos e Conclusões Finais Link

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