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No frio da Rússia


 

Isto É Dinheiro Edição 26 Outubro 2005

Nota DefesaNet

A visita a Moscou traz uma mudança do espectro, que a política do Itamaraty, não está percebendo. Os saldos comerciais do Brasil com a Rússia deverão acabar, caso o Governo Brasileiro insista em desconhecer a realidade. Na área diplomática, o discurso revolucionário do Itamaraty, é considerado infantil, por Moscou, frente às novas realidades mundiais.


O Editor


Gustavo Gantois

Dois sorrisos, um clique na Praça Vermelha e mais um cartão postal na coleção do presidente Lula. Para o que de fato interessa – a diversificação e ampliação dos negócios –, a viagem presidencial à Rússia, encerrada na terça-feira 18, não representou muito mais do que esse momento turístico. As bilionárias compras de produtos industrializados feitas pela Rússia no eixo União Européia-Estados Unidos continuarão inacessíveis aos empresários brasileiros, apesar dos factóides criados pelos diplomatas do Itamaraty. Mal foram testadas as chances de mudar a pauta das relações bilaterais, aproveitando a empatia que pareceu existir entre Lula e o presidente Vladimir Putin. “A um país continental como a Rússia, poderíamos ter oferecido serviços de automação bancária, no qual somos imbatíveis, e uma série de produtos da nossa indústria de software”, lembra o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima. “A falta de tradição comercial entre os dois países se mantém intacta”, completa o diplomata Sebastião do Rego Barros, ex-embaixador do Brasil em Moscou. No terreno comercial, o máximo de novidade é que a Embraer está sondando a possibilidade de abrir uma representação de vendas em Moscou e, no mesmo campo das possibilidades vagas, a Petrobras trava conversas com a Gazprom para, talvez, investir em prospecção.

Há três anos, o banco de investimentos Goldman Sachs cunhou o acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para designar os quatro países emergentes que, em 2050, representarão mais de 60% da economia mundial (Link para o relatório). O que parecia ser uma dica ao Brasil para o estabelecimento de novas relações comerciais, não prosperou. “O governo Lula acreditou que teria um parceiro natural num país como a Rússia, esquecendo-se que essa aliança, para ser forte e verdadeira, teria de ser construída em bases mais sólidas que a venda de comodities”, analisa Stephen Shenfield, especialista em economias emergentes da Brown University, em Providence.

Em relação à viagem presidencial da semana passada, o saldo foi uma concessão, pela Rússia, de continuar comprando carne brasileira, desde que não saia do Mato Grosso do Sul, onde há focos de febre aftosa. Num gesto típico de marketing, anunciou-se que um astronauta brasileiro voará numa nave russa em 2006. Na área aeroespacial, porém, o acordo mais aguardado foi fechado em termos vagos. Pelo que foi assinado entre a Agência Espacial Brasileira e a Roskosmos, a maior parte do investimento de US$ 800 milhões na modernização do Veículo Lançador de Satélites deverá ser feito pelo lado brasileiro. Em relação ao programa geoestacionário – , pelo qual se dará a construção de satélites para o monitoramento de vôos e das telecomunicações brasileiras -, estabeleceu-se o longínquo prazo de 2010 como limite para a construção da primeira peça. Se nada for feito de concreto até lá, os russos formalmente abrirão mão da tarefa, que recairá sobre os americanos. Registre-se: este acordo está em negociação há oito anos!

Por mais que a diplomacia tentasse se esmerar em mostrar um resultado bom da visita, o próprio presidente Lula admitiu que o encontro não teve nenhum resultado espetacular. “Neste mundo globalizado, não há Papai Noel”, disse Lula. “Ninguém dará presente ao Brasil e à Rússia”. A melhor definição ficou à cargo do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. “Uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara”, disse o ministro. “Mas nem sempre você consegue lavar uma mão só. Tem de lavar as duas juntas e depois lavar a cara”. O que ele quis dizer com isso? Que nem tudo é como se quer.

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