Os assassinatos em Baga, na semana passada, são um exemplo claro, com políticos e autoridades apresentando informações diferentes – de 150 mortos a 2 mil.
É comum que notícias de ataques de militantes islâmicos do Boko Haram surjam com informações vagas, como esta do dia 3 de janeiro: "Ataque em Baga. Grande tiroteio ouvido".
Esta primeira informação, geralmente, aparece nas mídias sociais. O desafio, então, é descobrir os detalhes, e há muitos obstáculos no caminho de se chegar à verdade.
Primeiro, não há cobertura de telefonia celular em Baga, já que jihadistas atacaram antenas de telecomunicações no nordeste há alguns meses.
Há, obviamente, autoridades cujo trabalho é dizer ao mundo o que está acontecendo. Mas, nos primeiros dias da crise de Baga, porta-vozes do Exército e do governo ficaram em silêncio ou não atenderam a telefonemas.
Com ajuda do serviço nigeriano da BBC, encontramos testemunhas da violência.
Em 4 de janeiro, conversamos com um homem que tinha caminhado por dois dias pela mata, e que acabou recebendo uma carona para a relativa segurança da maior cidade da região, Maiduguri, em um caminhão.
"Havia tiroteio por toda parte na sede da força-tarefa multinacional", diz ele, acrescentando que a troca de tiros durou horas.
Há depoimentos de outras testemunhas que dizem que a base militar havia sido dominada e que, em seguida, atiradores começaram a matar civis na cidade de Baga.
Mas cada testemunha está em fuga pela própria vida. Elas não estão caminhando por Baga para verificar o que está acontecendo.
Um político local conta sobre mais pessoas que foram baleadas em Baga e outras que morreram enquanto fugiam, com barcos naufragando no Lago Chade.
"Não sei quantas pessoas morreram", diz o senador Maina Maaji Lawan, que representa Borno Norte. "Mas, pelo menos, 70% da área que eu represento está nas mãos do Boko Haram".
Quatro dias após o ataque, governo e Exército ainda estavam calados.
Totalmente falso
Alguns jornalistas, então, conseguem se reunir com o chefe do gabinete da defesa, Marechal do Ar Alex Badeh. Não é uma entrevista coletiva organizada, mas uma conversa apressada em um estacionamento.
Ele é questionado sobre o ataque à base militar em Baga. "É claro que houve um ataque", ele reponde. "Mas não se preocupem, estamos trabalhando".
Baga será retomada? "Por que não?" é a resposta curta. Segundos depois, ele corre para seu carro e é retirado do local.
É uma maneira não muito comum de se confirmar oficialmente a captura de Baga, embora seja importante salientar que este é o mesmo oficial militar de alto escalão que nos disse, há alguns meses, que um acordo de cessar-fogo havia sido alcançado com o Boko Haram – o que acabou sendo completamente falso.
Mais testemunhas fugindo de Baga dizem à BBC que há centenas de corpos nas ruas. Outro político local diz que 2 mil estão mortos. Mas não há ninguém para contá-los, então, é difícil de verificar a informação.
Foco na eleição
Enquanto isso, em Paris, notícias de, pelo menos, 12 pessoas mortas a tiros por homens armados. Em poucos minutos, o presidente François Hollande está falando com a mídia mundial oferecendo alguma clareza e liderança.
São dez dias desde os primeiros ataques em Baga e diversos outros ataques suicidas. Até agora, nenhuma palavra do presidente nigeriano, Goodluck Jonathan – com exceção de uma declaração, condenando os ataques de Paris.
O ministro das Finanças também aparece para comentar sobre acontecimentos distantes que mataram muito menos pessoas.
"Um incidente terrível. Nossas mais profundas condolências para os jornalistas e suas famílias. Nós somos um só com a França em luto", diz Ngozi Okonjo-Iweala no Twitter com a hashtag #JeSuisCharlie – "Somos todos Charlie".
Enquanto isso, estações locais de TV acompanham cada novo detalhe da campanha eleitoral presidencial – alguns são longos programas patrocinados por partidos políticos rivais.
A imprensa parece estar muito mais focada na votação. E este parece ser o foco dos políticos também.
Na segunda-feira à noite, o governo divulgou um comunicado dizendo que "o número de pessoas que perderam suas vidas durante o ataque a Baga até agora não superou cerca de 150".
Talvez nunca saberemos quantos ao certo morreram. Sabemos que nunca haverá uma investigação que irá revelar a verdade. Não será a primeira vez que não teremos certeza se 150, 300, 500 ou até 2 mil pessoas foram mortas em um massacre na Nigéria.