Klaus Barbie foi um dos nazistas mais notórios. O membro da Gestapo entrou para a história como o Carniceiro de Lyon. Mesmo assim, décadas se passaram até que ele fosse responsabilizado por seus atos. Embora Barbie tenha sido um criminoso de guerra, inicialmente não foi molestado depois da Segunda Guerra Mundial.
Pois ele tinha um aliado forte: o serviço de contraespionagem do Exército americano. Só após a condenação de Barbie – após ele ter sido desmascarado na Bolívia e ter sido extraditado para a França, na década de 1980 – a opinião pública ficou sabendo que ele e outros nazistas de alto escalão trabalharam para os serviços de inteligência americanos após o fim da Segunda Guerra.
Estimativa conservadora
Agora, historiadores americanos avaliaram cuidadosamente esse capítulo da história, analisando também a qualidade das informações fornecidas pelos "espiões nazistas". Após a avaliação de arquivos liberados pelos serviços secretos americanos, os pesquisadores estimam em mais de mil o número de nazistas que cooperaram com os serviços secretos americanos depois da Guerra.
"Essa é uma estimativa conservadora", diz Norman J. W. Goda, um dos historiadores que participaram da pesquisa. "A estimativa é baseada numa longa análise dos registros. Mas a verdade é que não temos um número exato", afirmou o professor de Estudos do Holocausto na Universidade da Flórida.
Pois nem todos os arquivos foram liberados, possivelmente muitos se perderam. Além disso, o número mil reflete apenas as relações diretas, mas não as indiretas. Se os nazistas que trabalhavam para a CIA ou FBI contavam com a ajuda de outros nazistas, estes não estão incluídos na conta. Também não está incluído o grande número de nazistas não alemães, por exemplo na Hungria, Romênia ou Ucrânia.
Se o número exato de nazistas que se tornaram espiões permanece desconhecido, não existe nenhuma dúvida sobre a baixa qualidade das informações fornecidas por eles aos clientes americanos.
Nenhuma informação decisiva
"Não conhecemos nenhum caso em que se pode dizer que dali saíram informações decisivas, como, por exemplo, sobre o iminente bloqueio de Berlim [bloqueio de Berlim Ocidental pelos soviéticos, de 24 de junho de 1948 a 12 de maio de 1949] ou algo semelhante", disse Goda em entrevista à DW. "Isso simplesmente nunca aconteceu."
Como exemplo, ele menciona Wilhelm Höttl, um funcionário do serviço secreto austríaco (SD, na sigla em alemão) que foi recrutado pelos serviços de inteligência americanos após a Guerra. "Em algum momento, a CIA descobriu que os relatórios escritos por Wilhelm Höttl eram baseados em artigos de jornal."
Os alemães recrutados pelos americanos, afirma Goda, simplesmente não eram bons agentes. Com isso, muitos eram espionados ou foram engajados pelos soviéticos. O que realmente surpreendeu os pesquisadores foi a falta de informações dos serviços americanos sobre o passado de seus recrutas, considerando que os respectivos registros estavam, muitas vezes, à disposição dos americanos ou até mesmo sob controle americano. "Em outras palavras: teria sido muito fácil descobrir tais coisas", resume Goda.
Casos incríveis
Devido à falta ou à má avaliação desses agentes, foram recrutados homens que estavam pessoalmente envolvidos em graves crimes cometidos pelos nazistas. Goda relata um caso, no início da década de 1950, de um homem chamado Hermann Höffle, que foi contratado pela contraespionagem dos EUA. Ele havia sido um importante funcionário de Odilo Globocnik, um nazista austríaco e oficial da SS, responsável pelo assassinato de mais de 1 milhão de judeus na Polônia, no contexto da chamada Operação Reinhardt. "Ou seja, não se tratava de um funcionário qualquer da Gestapo", ressalta Goda. "Höffle foi um colaborador decisivo numa grande campanha de extermínio na Polônia."
Os serviços americanos recrutaram Höffle para observar grupos de direita na região de Munique – sem realmente saber com que estavam lidando, disse o pesquisador. "Só o fato de ter havido alguma espécie de relacionamento com esse homem, que mais tarde foi preso pelos alemães ocidentais, é realmente algo inacreditável."
No entanto, com o conhecimento que se tem hoje, é muito fácil criticar, de forma geral, os serviços de inteligência de então pelo recrutamento de pessoas com o passado mais do que duvidoso. "O clima que reinava nos EUA, naquela época, era que as pessoas se sentiam seriamente ameaçadas", comenta Micha Brumlik, ex-diretor do Instituto Fritz Bauer de Frankfurt, que se destina à pesquisa do Holocausto. Naquela época, questões morais desempenhavam um papel menor em relação ao objetivo principal, que era conter a União Soviética.
"Não se deve esquecer", afirmou Brumlik em entrevista à DW, "que, no início da década de 1950, havia nos EUA o chamado macartismo, um medo paranoico, quase histérico do comunismo. E, nesse contexto, ninguém se intimidava em contratar criminosos para combater esse novo inimigo – que se acreditava ser extremamente perigoso."
Indagados sobre a aprendizagem que se pode tirar desse episódio, os especialistas se mostraram céticos. Tanto Goda quanto Brumlik disseram acreditar que a colaboração com personagens dúbios ou com maus antecedentes pertence, simplesmente, à natureza dos serviços de inteligência. "Se houver alguma lição a ser tirada desse caso é que se deve conhecer exatamente as fontes com as quais se trabalha", diz Goda.