Chegou a vez de a segunda e terceira gerações serem abordadas no mundo do cinema. Não são mais muitos os que vivenciaram conscientemente os terrores do nazismo. As testemunhas da época, os que eram adultos entre os anos 1933 e 1945, são cada vez mais raros.
Mas aí estão os seus filhos e netos, cujas vivências os cineastas da atualidade evocam com frequência crescente. Tanto as histórias dos descendentes dos criminosos quanto as dos filhos das vítimas judias são tema de numerosas produções.
História sem fim?
Em Lore – prêmio do público no Festival de Locarno 2012 – a diretora australiana Cate Shortland fala de uma garota de 15 anos que, entre os destroços da Alemanha do pós-Guerra, tenta se libertar da imagem de mundo de sua mãe, ex-adepta da ideologia nazista. O filme foi produzido por uma equipe internacional, cabendo o papel-título à estreante alemã Saskia Rosendahl.
Em Der deutsche Freund (O amigo alemão), a teuto-argentina Jeanine Meerapfel ocupa-se da difícil relação entre uma filha de imigrantes judeus e o filho de um oficial nazista refugiado, na Argentina.
O nazismo e o Holocausto tornaram-se temas eternos para o cinema? Ao que tudo indica, a resposta é um decidido "sim". E com boa razão, já que ainda são tantas as histórias a serem contadas.
"De fato, a geração diretamente afetada está se extinguindo agora. Mas não os seus filhos e os filhos dos filhos", afirma, em entrevista à Deutsche Welle, a especialista em cinema Sonja Schultz, que há vários anos estuda o tema. "Esses filmes abordam repetidamente questões como 'afinal, o que foi mesmo que aconteceu com o vovô?'."
O fator Holocausto
Além disso, avança uma nova geração de realizadores que, ao tratar do tema, coloca novas questões e emprega meios estilísticos diferentes. A autora Schultz distingue sucessivas tendências na forma de abordar cinematograficamente o nazismo.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, eram os atingidos, os cineastas judeus ou comunistas, a colocar os fatos na tela. Uma década mais tarde, a moda era o cinema militar. Os realizadores tentavam aliviar a culpa dos simples soldados ao postularem: "A Wehrmacht era inocente". Somente com o advento do Novo Cinema Alemão, nas décadas de 60 e 70, estabeleceu-se uma visão mais pessoal e condizente com o veículo cinematográfico.
A série televisiva norte-americana Holocausto, de 1978, e mais tarde a produção de Steven Spielberg A lista de Schindler (1993) abriram as portas para filmes com alto grau de emocionalidade. A partir do épico de Spielberg também se redefiniu o grau de dureza e crueldade admissível na grande tela ao se tratar do tema, explica Schultz.
E, de súbito, também no cinema e na TV da Alemanha as formas melodramáticas passaram a ser permitidas ao se falar do nazismo – até então, no "país dos criminosos", extremos de emoção eram tabu. Mais um pouco e ficou até possível tratar do assunto de forma humorística, como Dani Levy em Mein Führer (2007).
Necessidade de espetáculo
Gerhard Lüdeker, pesquisador da Universidade de Bremen, aponta um outro motivo para a tendência de filmes sobre o nazismo cada vez mais comerciais e espetaculares: ele constata, entre os estudantes de sua universidade, um interesse cada vez menor pelo tema nacional-socialismo.
"As reações de rejeição chegam a beirar a alergia", exagera. Por isso hoje em dia os filmes precisam oferecer um espetáculo convincente caso pretendam atrair o público para a frente da televisão ou para as salas de exibição. "Hitler como velhote trêmulo, por exemplo, ou então como figura cômica", seriam algumas receitas possíveis, diz o especialista.
Lüdeker aponta que, na escolha dos meios, não é mais possível se furtar aos recursos estilísticos de Hollywood. Tanto Bastardos inglórios (2009), de Quentin Tarantino, quanto Operação Valquíria (2008), de Bryan Singer, estrelado por Tom Cruise, foram exemplos especialmente espetaculares de cinema hollywoodiano, porém rodados na Alemanha. E o alemão A queda (2004), tendo Bruno Ganz no papel de Adolf Hitler, redundou em sucesso de bilheteria, não só em nível nacional.
Superficialidade e apelação na sala de estar
Nos dez últimos anos, deslocou-se a ênfase das narrativas cinematográficas sobre o nazismo, em especial na televisão alemã. Com seus documentários sobre esse período, o redator Guido Knopp definiu um estilo. Ele inaugurou um gênero de filme histórico de fácil compreensão, mas também superficial e apelativo, geralmente centrado nas figuras da elite da liderança nazista.
No campo da ficção, foram sobretudo o produtor Nico Hofmann e sua empresa Teamworx a escrever história na TV alemã nos últimos anos. Seus filmes, frequentemente descritos como "eventos televisivos" e transmitidos em duas partes, se caracterizam pela dramaturgia muito esquemática e a narrativa convencional, com ênfase no apelo emotivo.
A perspectiva temática também se modificou: agora os alemães são igualmente vistos como as vítimas, os expulsos, os desalojados (Die Flucht – A fuga, 2007), como gente massacrada pelos bombardeios e sofrendo pelos desmandos de sua própria liderança política (Dresden, 2006).
Passado concluído?
Na avaliação dos pesquisadores, hoje em dia ficou impossível idealizar a época nazista, como se fez em décadas passadas, diante das abundantes imagens do horror nazista, por demais conhecidas e ancoradas na memória coletiva.
No entanto, uma outra forma de recalque se insinuou, explica Lüdeker. "A questão sempre é, também, aplacar o presente. A ideia por trás é: 'Nós conseguimos superar esse terrível capítulo. Nós superamos os nazistas. Nós escapamos dos russos e fundamos a nova Alemanha. Nós conseguimos isso tudo – então, por enquanto, basta".
Segundo o estudioso de cinema, desse modo, aos olhos dos espectadores o passado é algo que se encerrou. E nada impede que se "dê sentido arbitrário e se reinterprete" uma história concluída. Com temas contemporâneos, isso é difícil, senão impossível.
Personagens "normais" ameaçam
Sonja Schultz também enfatiza que grande parte dos filmes sobre a época, a exemplo de Rommel, de 2012, gira em torno da elite dos líderes nazistas, e não de pessoas "perfeitamente normais". Isso na verdade, deveria ser muito mais excitante, tocando os espectadores mais de perto. Pois cada um seria forçado a se perguntar: "Como eu teria agido numa situação como esta?".
Por outro lado, é bem mais confortável observar na televisão as maquinações da elite política. Por isso, os filmes sobre gente simples são produzidos com bem menos frequência e menos aparato. "Esses filmes doem mais", pois exigem sempre que o público estabeleça uma ponte com o presente e com o próprio comportamento, diagnostica a autora.
Autoria: Jochen Kürten / Augusto Valente
Revisão: Mariana Santos