A França comemorou o bicentenário da morte de Napoleão Bonaparte no último dia 5 de maio. No entanto, as celebrações a um dos personagens mais famosos do mundo não têm agradado a todos.
Como todas as outras figuras históricas que foram recentemente criticadas e retiradas de seus pedestais, algumas de suas ações são controversas. Um historiador especialista em Revolução Francesa e nas relações franco-suíças explica.
Talvez a acusação mais virulenta contra as comemorações venha dos Estados Unidos. Em um artigo de opinião publicado no New York Times, uma estudiosa americana de origem haitiana argumenta que "Napoleão não é um herói a ser celebrado". Marlene L. Daut descreve Napoleão como "o maior tirano da França", um "arquiteto de genocídios modernos", um "belicista racista e genocida" e ainda um "ícone da supremacia branca".
Ela o critica particularmente por ter restabelecido a escravidão no Caribe francês. Na própria França, a pertinência de comemorar esse bicentenário tem sido debatida. Várias associações e figuras políticas questionam a celebração de uma figura histórica que é notadamente vista como despótica, misógina e sanguinária…
Também na Suíça, Napoleão é uma figura ambivalente: sua Lei de Mediação possibilitou a pacificação de um país à beira da guerra civil, mas as guerras napoleônicas custaram muito à Suíça.
Então, como abordar tal personagem 200 anos após sua morte? Perguntamos ao historiador Alain-Jacques Tornare. Especialista na história das relações franco-suíças e no período revolucionário e napoleônico, ele acaba de ser coautor de um livro dedicado a Jean-Abram Noverraz, um criado suíço que testemunhou os últimos momentos de Napoleão em Santa Helena.
swissinfo.ch: De modo geral, o que acha dessas controvérsias em torno de Napoleão?
Alain-Jacques Tornare: Tanto as grandes figuras quanto os grandes eventos estão todos sendo postos em questão; está no ar agora. Em breve passaremos do politicamente correto para o historicamente correto.
É verdade que ele é uma figura histórica polêmica que não deixou apenas boas lembranças. Já na sua época ele foi chamado de Ogro e Usurpador. Entretanto, é necessário distinguir as coisas. Pessoalmente, eu gosto muito do primeiro cônsul Bonaparte, mas muito menos do imperador Napoleão. É preciso sempre saber de qual se está falando.
Sempre há uma origem por trás das coisas. Muito do que atribuímos a ele – positivo ou negativo – é de um período anterior. Tomemos como exemplos as conquistas de Napoleão: não foi ele quem inventou o conceito de "fronteira natural" que levou a França a se expandir até o Reno. Por outro lado, é verdade que ele finalizou o Código Civil, mas não foi ele quem o criou. O período do Consulado, quando ele chegou ao poder, apenas concretizou o que havia sido concebido durante o período revolucionário.
E sobre essas acusações específicas de racismo, colonialismo e genocídio?
O restabelecimento da escravidão é o que mais lhe é reprovado. Contudo, o que foi realmente surpreendente para a época não foi a restauração da escravidão em 1802, mas sim sua abolição em 1794. Napoleão Bonaparte simplesmente restabeleceu uma situação de fato, uma vez que a abolição da escravidão não havia ocorrido na prática; havia simplesmente se passado da escravidão para o trabalho forçado. O que não é geralmente conhecido é que, durante o Governo dos Cem Dias, Napoleão havia considerado abolir a escravidão mais uma vez.
Quanto a atacar Napoleão devido ao colonialismo, trata-se de um grande equívoco. Ele não contribuiu em nada para a colonização. Seria até o contrário, já que ele emancipou a Louisiana e a vendeu para os Estados Unidos. A verdade é que Napoleão teve a inteligência de entender que a França não tinha os meios para manter esse território, que teria sido perdido no final, assim como o México perdeu o Texas.
Assim, ele preferiu lucrar com a venda do terreno para os Estados Unidos. Utilizando de má-fé e cultivando o anacronismo, seria possível ver as premissas de uma política de descolonização nessa venda, assim como se vê uma política colonialista e racista no restabelecimento da escravidão.
Quanto ao problema do genocídio, sempre há uma comparação muito cansativa com Hitler, particularmente por causa da campanha russa e da ideia de conquista. Mas, se há uma coisa pela qual não podemos culpar Napoleão, é de ter sido de alguma forma genocida. E se ele passava seu tempo fazendo guerra, era também porque seus inimigos estavam determinados a afastá-lo do poder.
Há uma tendência a depreciar essa figura histórica?
Fala-se sempre do que está errado, mas se esquece do que é positivo. Foi Napoleão, por exemplo, quem impediu a proibição da homossexualidade. Graças a ele não foi mais um crime na França. Esse é um aspecto que não é destacado de forma alguma.
Ele também fez muito pela paz religiosa; ele foi um grande pacificador em questões de religião. Foi, por exemplo, graças a Napoleão que os judeus foram reconhecidos na França.
E nem estou falando dos grandes clássicos da longa lista de pontos positivos: a criação da Escola Politécnica, a Bolsa de Valores, o cadastro, a Justiça do Trabalho, o Banco da França, a Legião de Honra, os liceus, o restabelecimento das universidades, etc.
Na Suíça, Napoleão é lembrado acima de tudo como o homem por trás da Lei de Mediação, o que é visto como algo positivo. Na ocasião do bicentenário desse ato, o então Presidente da Confederação, Pascal Couchepin, chegou a descrevê-lo como um "ato de sabedoria".
Não importa o que se diga, é evidente que a Lei de Mediação de 1803 continua sendo um elemento positivo que restaurou uma certa serenidade a uma Suíça até então à beira de uma guerra civil. Ele entendeu que isso era vital para a existência da Suíça.
Ao impedir os federalistas de perseguirem os unitários da República Helvética, ele formou a base do consenso. Sua Lei de Mediação também estabeleceu o princípio de igualdade entre os diversos cantões. Ela deu expressão concreta à igualdade dos idiomas; antes de 1798, a Confederação era uma entidade puramente germânica com dependências latinas. Assim, foram lançadas as bases para a criação de um estado federal moderno em 1848.
Por vezes, ele foi até mesmo um visionário. Por exemplo, quando criou o cantão de Argóvia (Aargau, em alemão) para separar os cantões de Berna e Zurique e flanqueou este último com os cantões de Turgóvia e São Galo (Thurgau e Sankt Gallen respectivamente, em alemão) para enfraquecê-lo preventivamente, antecipando o formidável desenvolvimento econômico de Zurique no século XIX.
Mas na Suíça, também, o balanço não é puramente positivo. A Suíça havia se tornado um estado vassalo do Império Francês. O custo humano e econômico foi suficientemente pesado para tornar a opinião pública suíça francamente hostil a Napoleão no final de seu reinado.
O custo humano das guerras napoleônicas foi significativo: mais de 30.000 suíços serviram Napoleão, de uma população de 1,5 milhão de habitantes. Muitos morreram, incluindo a maioria dos 9.000 suíços que participaram da Campanha Russa de 1812.
A Suíça foi obrigada a fornecer um contingente cujo tamanho foi inicialmente fixado em 18.000 homens e foi gradualmente reduzido para 12.000. Esse serviço militar era muito impopular, mas pelo menos a Suíça escapou do alistamento obrigatório.
De um ponto de vista econômico, o resultado foi ambíguo. Por exemplo, o Bloqueio Continental prejudicou o comércio suíço, mas a ausência de produtos britânicos também favoreceu o desenvolvimento da engenharia mecânica no leste da Suíça.
Adaptação: Clarice Dominguez