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Na aurora do séc. XXI, terror globaliza crise da democracia

Texto – Felipe Schroeder Franke
Edição – Moreno Osório

Quando os aviões se chocaram contra as Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, os terroristas provavelmente não planejavam, com as explosões, fazer desabar o símbolo maior dos Estados Unidos, no coração de Manhattan. Ao mesmo tempo, eles talvez não soubessem que, no primeiro ano do século XXI, estariam consolidando uma nova fase do terrorismo, e, com ela, uma nova etapa da sociedade moderna.

O terrorismo não é um fenômeno novo, nem mesmo unicamente moderno. Suas origens como fenômeno remontam à antiguidade, como mostra o caso da seita dos Sicários, judeus que promoveram séries de assassinatos contra aqueles que consideravam seus inimigos na Terra Santa. Mil anos depois, na Idade Média, os chamados Assassinos faziam parte de uma organização muçulmana xiita que atacava cruzadores cristãos e turcos sunitas.

Mas a série de eventos posterior à ação da Al-Qaeda em solo americano difere inclusive dos seus antecedentes mais recentes. Enquanto o terrorismo moderno – tal como o conhecemos desde a Revolução Francesa até o derradeiro século XX – caracterizou-se por insurgências nacionalistas e resistências de tendência comunista, o terrorismo contemporâneo toma outro caminho. Este "neoterrorismo", como é chamado, assume um caráter essencialmente internacional, inserido no contexto do fim da Guerra Fria, e ruma ao confronto entre aquelas entidades que, no decurso da última década, popularizaram-se na opinião pública mundial como "Islã" e "Ocidente".

Assim, a atual fase do terrorismo "se diferencia das demais, pois, além de um alcance internacional, seus grupos têm um caráter marcadamente internacional. Seus militantes são recrutados em diferentes nações. Suas fontes de financiamento vêm de vários pontos do planeta. Sua atuação não está restrita exclusivamente ao território de seu país", resumem os professores Alexandre Simioni, Arthur Bernardes e Igor Lapsky, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A nova fase do terrorismo estoura com o 11 de setembro, que nesse ano completa 10 anos. Mas ela começara mesmo antes, em 1993, no primeiro atentado ao World Trade Center, realizado pela Al-Qaeda. O ódio contra a presença estrangeira em áreas do Oriente Médio e da Ásia vai longe na história. Situação que remonta ao primevo caldeirão civilizatório, há mais de 2 mil anos, na mesma região que hoje é cenário de uma guerra diária entre insurgentes e forças ocidentais.

Esse arcabouço cultural e religioso, em sinergia com a atual configuração econômico-militar mundial, torna o terrorismo contemporâneo um fenômeno de difícil compreensão. "O ato terrorista se caracteriza por um grau ou tipo de violência impossível de ser aceitos no convívio civilizado. Porém, o terrorismo é muito mais um sintoma de mal-estar político, social e cultural instalado na longa duração da história, do que uma ação vinculada a objetivos no presente. O terrorismo é uma patologia com raízes no passado que emerge no presente", defende Héctor Ricardo Leis, professor da pós-graduação em Ciências Humanas e Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A imagem do homem-bomba que se explode em mercados públicos contra civis condensa o desafio que o novo terrorismo coloca ao mundo: uma pessoa disposta a dispor da própria vida, em um ato irracional (pelo menos em termos ocidentais), contra civis inocentes. O poder físico e simbólico de destruição povoa a mente do século XXI e, no mais das vezes, coloca o terrorismo como um evento exterior à democracia ocidental.

Suas origens, no entanto, podem estar mesmo no seio do avanço e do processo histórico. "Ao menos nos Estados Unidos, a maioria das pessoas está tão chocada com o terrorismo – e elas foram levadas pela propaganda do governo a acreditar que o terrorismo é sempre mau e é sempre algo que algum terrorista faz a nós, e não que o governo se empenha em atividades terroristas contra algum país ou grupo – que tem uma resposta emocional a ele, e pensa que é sempre mau", critica o filósofo Angelo Corlett, da Universidade de San Diego.

O choque civilizatório em ebulição neste século XXI põe em xeque o papel do Ocidente, porta-voz universal dos direitos individuais e da racionalidade, em defender os povos das tiranias opressoras e das práticas desumanas. "Há algumas civilizações que desenvolveram uma ideia da liberdade, que têm valor universal, (enquanto que) outras não têm esse valor. Existe juízo moral, sim. O problema é que, hoje, a civilização ocidental é uma civilização envergonhada. Há uma renúncia do juízo", observa o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Num momento em que a primazia dos Estados Unidos e da Europa no mundo é posta à prova, o jovem século XXI já assistiu ao nascimento de duas guerras no Oriente: a do Afeganistão, em 2001, e a do Iraque, em 2003. Em ambas, o resultado é similar: a difusão de focos de insurgência – muitas vezes terrorista – e a multiplicação de ataques suicidas contra os invasores e contra a população local "apoiadora" dos estrangeiros, cultivando um terreno de difícil florescimento da tão almejada democracia.

A milhares de quilômetros de Cabul e Bagdá, a última década assistiu também à onda do terror atingir a Europa. Em 2004, terroristas detonaram bombas no metrô de Madri. Em 2005, foi a vez de Londres ter o transporte público explodido por britânicos muçulmanos insatisfeitos com a campanha militar do Reino Unido no Oriente Médio. Nestes dez anos, Moscou também foi palco de pelo menos três grandes ataques, causados pela insatisfação da ocupação russa da Chechênia.

Antes predominantemente local, como as Farc na Colômbia ou o ETA no norte da Espanha e no sul da França, o novo terrorismo é internacional por excelência. Nessa dilatação das fronteiras, perdem-se de vista os próprios limites com os quais as nações podem agir nestas guerras diárias. A democracia, projeto histórico do Iluminismo, vê-se desafiada no seu pretenso universalismo.

A janela histórica aberta com o 11 de setembro de 2001 foi definida um mês depois dos ataques pelo hoje já falecido filósofo francês Jean Baudrillard: "Com os atentados de Nova York e do World Trade Center, nós temos o evento absoluto, a 'mãe' de todos os acontecimentos, o acontecimento puro que concentra todos os eventos que jamais aconteceram". É um novo tipo de terrorismo, para um novo tipo de sociedade, e para uma nova época.

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