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Morte de Bin Laden retoma debate sobre tortura em interrogatórios

Autoridades ouvidas pelo "The New York Times" sugerem que métodos 'brutais' desempenharam papel pequeno na operação
Por Scott Shane e Charlie Savage
Será que os interrogatórios brutais realizados pelas agências de inteligência americanas geraram evidências cruciais que levaram à morte de Osama bin Laden?
Conforme os oficiais americanos divulgam as pistas que levaram ao esconderijo de Bin Laden no Paquistão, oficiais do governo George W. Bush (2001-2009) alegam que a operação foi resultado de sua política de "técnicas avançadas de interrogatório", como o “waterboarding”, método que simula afogamento e é considerado forma de tortura.
Entre eles está John Yoo, um ex-funcionário do Departamento de Justiça que escreveu memorandos secretos que justificavam os interrogatórios brutais.
"O presidente Obama tem direito de levar crédito pelo sucesso de hoje", escreveu Yoo em artigo publicado na segunda-feira pela revista “National Review”. "Mas ele deve muito às difíceis decisões tomadas pelo governo Bush".
Um olhar mais atento aos interrogatórios de prisioneiros sugere que as técnicas brutais desempenharam um papel pequeno na identificação do mensageiro de confiança de Bin Laden e em expor seu esconderijo. Um detento que aparentemente foi submetido a algum método rigoroso forneceu uma descrição crucial do mensageiro, de acordo com autoridades americanas. Mas dois prisioneiros que foram submetidos a alguns dos mais difíceis tratamentos – incluindo Khalid Shaikh Mohammed, que passou pelo afogamento 183 vezes – repetidamente enganaram seus interrogadores sobre a identidade do mensageiro.
A discussão sobre o que levou ao fim de Bin Laden reavivou um debate nacional sobre a tortura que se alastrou durante os anos Bush. O ex-presidente e muitos conservadores argumentaram por anos que a força era necessária para convencer agentes da Al-Qaeda a falar. Defensores dos direitos humanos e o presidente Barack Obama em sua campanha eleitoral afirmaram que as táticas eram equivalente à tortura, traindo os princípios americanos por algo de pouco ou nenhum valor.
Glenn L. Carle, um oficial aposentado da CIA que supervisionou o interrogatório de um detido de alto escalão em 2002, disse em entrevista por telefone que as técnicas coercitivas "não forneceram informações úteis ou de confiança". Ele disse que enquanto alguns de seus colegas defenderam as medidas, "todos estavam profundamente preocupados e sentiam que ela era antiamericana e não funcionava”.
Os oficiais do governo Obama, determinados a comemorar o ataque bem sucedido de domingo, evitaram reacender uma batalha partidária a respeito da tortura.
"A questão é: se tivéssemos conseguido qualquer informação fundamental com os afogamentos em 2003, teríamos derrubado Osama bin Laden em 2003", disse Tommy Vietor, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. "Foram necessários anos de coleta e análise de informações de diversas fontes para desenvolver o processo que nos permitiu identificar o casarão e determinar que Bin Laden deveria estar lá".
A partir do momento em que os primeiros suspeitos da Al-Qaeda foram capturados, os interrogadores – tanto na prisão militar de Guantánamo quanto nas prisões secretas da CIA – se concentraram em identificar os membros da Al-Qaeda que serviam como mensageiros.
"Sabíamos que a nossa maior probabilidade de chegar a Osama bin Laden, seria se chegássemos a alguém estreitamente associado a ele", disse Charles D. Stimson, o oficial de alto escalão do Pentágono para assuntos de prisioneiros entre 2004 e 2007.
Após a captura, em março de 2003, Mohammed, o principal planejador dos ataques 11 de setembro de 2001, foi submetido à pior série das chamadas técnicas avançadas, que incluíam jogar prisioneiros contra a parede, pendurá-los em posições estressantes e mantê-los acordados durante mais de 180 horas. Como dois outros presos, ele também foi submetido ao “waterboarding”.
Em 2002 e 2003, os interrogadores ouviram falar pela primeira vez sobre um mensageiro da Al-Qaeda que usava o pseudônimo de Abu Ahmed al-Kuwait, mas seu nome era apenas um boato.

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De acordo com um oficial dos Estados Unidos familiarizado com o seu interrogatório, Mohammed foi perguntado sobre a Al-Kuwait no outono de 2003, meses após ter sido submetido ao afogamento simulado. Ele admitiu tê-lo conhecido, mas disse que o mensageiro já estava "aposentado" e era de pouca importância.
Entretanto, em 2004, um agente da Al-Qaeda chamado Hassan Ghul, capturado no Iraque, fez um relato diferente sobre Al-Kuwait. De acordo com o oficial americano, Ghul disse aos interrogadores que o mensageiro era da confiança de Bin Laden, Mohammed e Abu Faraj al-Libi, que tinha se tornado o chefe operacional da Al-Qaeda.
Ghul acrescentou que Al-Kuwait não era visto há algum tempo – algo que os investigadores acreditavam indicar que ele estivesse escondido com Bin Laden.
Os detalhes do tratamento dado a Ghul não são claros, embora a CIA diga que ele não foi “afogado”. A CIA pediu ao Departamento de Justiça para autorizar outras métodos duros, mas não está claro quais foram usados. Um oficial lembrou que Ghul foi "muito cooperativo", dizendo que se houve tratamento duro, ele provavelmente foi breve.
Armado com o relato de Ghul sobre a importância do mensageiro, os interrogadores voltaram a questionar Mohammed sobre Al-Kuwait. Ele se manteve fiel à sua história, de acordo com o oficial. Capturado em maio de 2005 e entregue à CIA, Al-Libi também foi questionado sobre o mensageiro. Ele negou conhecer Al-Kuwait e deu um nome diferente para o mensageiro de Bin Laden, a quem chamou de Maulawi Jan. A CIA nunca encontrou essa pessoa e acabou por concluir que o nome foi invenção de Al-Libi, contou o oficial.
A CIA afirmou que Al-Libi não foi submetido ao afogamento simulado, e os detalhes de seu tratamento não são conhecidos. Mas, antecipando seu interrogatório, a agência pressionou o Departamento de Justiça por um novo conjunto de memorandos legais que justificassem o uso de métodos mais brutais.
Como Mohammed e Al-Libi haviam direcionado os interrogadores para longe de Al-Kuwait, oficiais da CIA concluíram que eles deveriam estar protegendo-o por uma razão importante.
"Pense em círculos de informação – há um círculo que se protege com a própria vida", disse um oficial dos Estados Unidos que foi informado sobre a análise da CIA. "As joias da coroa da Al-Qaeda eram o paradeiro de Bin Laden e sua segurança operacional”.
A inteligência acumulada sobre Al-Kuwait persuadiu os funcionários da CIA a ficar no seu encalço, levando à descoberta de seu verdadeiro nome – que os oficiais dos Estados Unidos não divulgaram – e paradeiro. Por sua vez, ele inadvertidamente levou a agência ao esconderijo de Bin Laden, onde Al-Kuwait e seu irmão estavam entre aqueles que morreram no ataque de domingo.
Pouco depois, o debate sobre a tortura já havia ganhado força nos Estados Unidos. O presidente do Comitê de Segurança Interna, o republicano Peter T. King, disse à Fox News que o sucesso da caçada a Osama bin Laden só aconteceu por causa da técnica de afogamento simulado.
Na manhã seguinte, a senadora Dianne Feinstein, presidente do Comitê de Inteligência do Senado, disse que nada disso aconteceu "como resultado de práticas brutais de interrogatório".
 

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