Larry Luxner
A Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH) chegou em 2004 para garantir a segurança após a instabilidade política e acabou por ajudar a ilha caribenha a se recuperar do terremoto de 7 graus que abalou a capital, Porto Príncipe, há quase três anos.
Em 24 de outubro, a MINUSTAH mais uma vez mobilizou seus 12.855 soldados, policiais e civis — só que dessa vez após a passagem do furacão Sandy, que despejou 50 cm de chuva no país em 24 horas.
Os ventos fortes da tempestade e os alagamentos subsequentes mataram 54 haitianos, deixaram milhares de desabrigados e destruíram cerca de 70% das plantações no sul do Haiti, incluindo bananas-da-terra, bananas e milho. Cerca de 1,2 milhão de pessoas estão em situação de risco.
“Nossa maior preocupação agora é com o aumento da insegurança alimentar”, diz Nigel Fisher, comissário-residente de todas as atividades da ONU no Haiti e representante adjunto da MINUSTAH. “Calculamos que até 1,5 milhão de pessoas de uma população total de 10 milhões estejam sob o risco de desnutrição. Isso significa que precisamos reagir rápido, com programas de nutrição e alimentação para mulheres e crianças. Também queremos realizar programas de trabalho, conserto de casas, pontes e estradas.”
Fisher, em entrevista por telefone ao Diálogo na quinta-feira de Porto Príncipe, disse “ainda temos 2.500 pessoas que não podem voltar para casa porque o terreno foi devastado. Estão em abrigos e casas comunitárias, e ganharam colchões, mantas e outros mantimentos”.
MINUSTAH mobiliza ajuda às vítimas
O furacão Sandy deixou um rastro de destruição pelo Caribe, matando 11 cubanos e danificando 200.000 casas em Santiago de Cuba e Holguín, antes de arrasar o nordeste americano, onde matou 106 pessoas e devastou áreas de Nova York e Nova Jersey; os prejuízos nos Estados Unidos são estimados em mais de US$ 50 bilhões (R$ 100 bilhões).
Sandy, que finalmente se dissipou em 31 de outubro, também provocou várias mortes e US$ 300 milhões (R$ 600 milhões) em prejuízos nas Bahamas, além de graves inundações na Jamaica, segundo relatório do Seguro de Risco Compartilhado para Catástrofes no Caribe.
Mas em nenhum outro lugar a destruição foi proporcionalmente maior que no Haiti, onde o governo decretou estado de emergência por um mês. O primeiro-ministro, Laurent Lamothe, ao apelar à ajuda internacional, descreveu a situação como “assustadora” — o que levou inúmeros países a oferecer ajuda, assim como grupos como Médicos Sem Fronteiras e a Organização Mundial de Saúde.
“A MINUSTAH está avaliando os danos à infraestrutura de helicóptero. Identificamos inúmeras estradas e pontes na península sudoeste e estamos concentrados em uma em particular perto de Jeremie, a capital de Grande Anse, que ficou isolada com a queda da ponte. Também fizemos um inventário dos nossos materiais disponíveis para construção e engenharia, e os estamos oferecendo ao governo”, conta Fisher.
“Também mobilizamos veículos para ajudar na distribuição”, acrescenta. “Tivemos que usar helicópteros para chegar às comunidades em diversas ocasiões porque ficaram isoladas com as cheias dos rios.”
Johan Peleman, chefe do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários no Haiti, disse aos jornalistas que entre 15.000 e 20.000 pessoas tiveram as casas completamente destruídas, danificadas ou alagadas devido ao impacto de Sandy, que aconteceu apenas dois meses após o furacão Isaac, em agosto.
“As IDPs [pessoas internamente deslocadas] mais vulneráveis que viviam em acampamentos foram evacuadas antes da tempestade e agora, junto com a comunidade humanitária e a família ONU, estamos consertando tendas e entregando lonas para que possam viver em condições mais favoráveis porque muitas estruturas leves foram destruídas totalmente”, conta Peleman.
MINUSTAH: Situação alimentar pode causar distúrbios sociais
A MINUSTAH atua no Haiti dentro de um orçamento anual de US$ 648,4 milhões (R$ 1,3 bilhão), que foi renovado antes do último desastre. Atualmente, a missão possui 10 aeronaves, incluindo nove helicópteros, à sua disposição, e conta com o auxílio de 7.340 soldados de paz, 1.351 policiais, 1.790 unidades de polícia, 2.274 civis e 100 funcionários do governo. Dezenove países contribuem para a força de paz, enquanto 46 mantêm policiais no Haiti sob a bandeira da missão.
Fisher diz que a MINUSTAH trabalha com a Organização Mundial de Saúde, UNICEF e outros grandes protagonistas em uma ação humanitária coordenada em resposta ao Sandy.
“Observamos um aumento nas manifestações de rua”, conta. “Acreditamos que algumas delas são políticas, mas há uma frustração por trás com o ritmo do desenvolvimento — e as tempestades arrasaram as plantações, o que resulta em mais insatisfação. Assistimos a uma piora da situação social e econômica.”
Sandy atingiu o Haiti menos de duas semanas após a inauguração do Parque Industrial de Caracol, uma zona franca na região norte do país, que foi pouco afetada. O empreendimento custou US$ 300 milhões (R$ 600 milhões) e deve empregar 20.000 trabalhadores nos próximos cinco anos. A Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe disse que a economia haitiana deve crescer 6% este ano, mas isso foi antes da tempestade.
Inundações provocam aumento no número de casos de cólera
A principal preocupação é o impacto de Sandy na agricultura, que sofreu com a seca no início do ano. Depois, veio a tempestade tropical Isaac, reduzindo em 40% a colheita. Infelizmente, diz Fisher, “as áreas mais afetadas por Sandy foram as que Isaac não atingiu”.
Gregoire Goodstein, chefe de missão da Organização Internacional de Migrações no Haiti, disse ao Financial Times: “A situação é particularmente grave; no Haiti, há grandes necessidades em termos de plantações destruídas, primeiro pelo furacão Isaac e agora por Sandy”.
Das 140 comunas, ou condados, do país 60 assistiram à destruição de plantações e animais. Paralelamente, as inundações provocaram um aumento nos casos de cólera.
“Tivemos 39 centros de atendimento a cólera danificados ou destruídos pela tempestade anterior. Agora, outros 22 foram danificados no sul do país. É um percentual significativo do total”, afirma Fisher, observando que mais de 600.000 haitianos contraíram cólera desde o terremoto de janeiro de 2010, e que mais de 7.500 pessoas morreram.
“Estamos lançando um novo apelo humanitário pelo país”, diz. “O problema é que muitos doadores estão deixando de contribuir, afirmando que é hora de passar para questões de longo prazo. Mas ainda temos 350.000 pessoas em acampamentos e ainda há a epidemia de cólera e a crescente insegurança alimentar.”