O México entrou com uma ação judicial nesta quarta-feira (4) contra grandes fabricantes de armas dos Estados Unidos em um tribunal federal de Boston, denunciando um "comércio negligente e ilícito" que incentiva o contrabando e a violência em seu território, anunciou a chancelaria.
"Confiamos na qualidade jurídica do que estamos apresentando, vamos litigar com toda a seriedade e vamos ganhar o julgamento e reduzir drasticamente o tráfego ilícito de armas ao México", disse o chanceler Marcelo Ebrard em coletiva de imprensa.
Entre as empresas denunciadas estão Smith & Wesson, Beretta, Colt, Glock, Century Arms, Ruger e Barrett, produtoras de mais de 68% das mais de meio milhão de armas que chegam ilegalmente no México todo ano, segundo informações da alegação.
De acordo com uma nota informativa da chancelaria mexicana, "entre 70% e 90% das armas recuperadas em cenas de crime no México foram traficadas dos Estados Unidos".
Ebrard afirmou que não existem precedentes de que o governo mexicano "participe em um litígio desta natureza" em um tribunal americano e que a medida contou com a autorização do presidente Andrés Manuel López Obrador.
A equipe legal da chancelaria conta com o apoio dos advogados americanos Steve Shadowen, especializado em direitos civis, e Jonathan Lowy, também envolvido na prevenção da violência por armas de fogo.
Ação simbólica
O chanceler explicou que a ação visa a que as fabricantes indenizem o governo mexicano pelos danos causados por suas "práticas negligentes", embora a quantia para cobrir essa exigência deva ser determinada no decorrer do julgamento.
Exige também o desenvolvimento e implementação de padrões razoáveis e verificáveis para "monitorar e disciplinar" os distribuidores de armas.
Ebrard acusou as fabricantes americanas de desenvolverem diferentes modelos, especialmente para os traficantes de drogas mexicanos, um argumento que está incluído na ação judicial.
"(As armas) são feitas para isso, para que as comprem, são mais valiosas, têm diferentes tipos de arranjos do ponto de vista estético e do ponto de vista do uso", afirmou o chanceler.
O historiador e analista Lorenzo Meyer confirmou que não existem antecedentes de uma ação semelhante do México em tribunais dos Estados Unidos, embora tenha poucas expectativas sobre o sucesso da mesma.
"A ação receberá a resposta de um exército de advogados (…) Vejo isto mais como uma peça simbólica, como um elemento de pressão", disse Meyer à AFP.
O especialista lembrou que até o momento as exigências mexicanas a respeito se limitaram a reclamações retóricas, sobretudo durante o governo do presidente Felipe Calderón (2006-2012), que lançou uma questionada ofensiva militar antidrogas.
Desde 2006 o México acumula 300.000 homicídios, a maioria deles vinculada ao crime organizado.
Descartado incidente diplomático
O chanceler mexicano insistiu em que o objetivo principal não é a reparação econômica, mas modificar a atuação dos fabricantes.
"Se não fizermos uma ação desta natureza e não a ganharmos, não vão entender, vão continuar fazendo o mesmo e vamos continuar tendo mortos todos os dias no nosso país", afirmou Ebrard.
O chanceler descartou, ainda, que a ação possa gerar um incidente diplomático com Washington, pois o litígio não é contra o governo e a causa mexicana tem "razão jurídica e moral".
O tráfico ilegal de armas é uma questão central na agenda binacional do México e Estados Unidos, principal mercado dos poderosos e sanguinários cartéis do narcotráfico.
Mais de 17.000 assassinatos cometidos em 2019 envolveram o uso de armas traficadas do país vizinho, segundo dados do governo mexicano.
O país encerrou 2020 com 34.523 homicídios, o que representou uma redução de 0,4% em comparação com 2019.