RODRIGO CRAVEIRO
Vestido de branco, ele carregava a bandeira da Venezuela na mão direita e trazia uma flor branca na esquerda. Um soldado da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) usou a cabeça para forçá-lo a entrar na viatura blindada, enquanto outro o "abraçou" e o empurrou para dentro. Enfurecida e em êxtase, a multidão, reunida na Praça José Martí, em Chacaíto (região de Caracas), gritava: "Não se entregue! Não se entregue!".
O povo ergueu sua mulher, Lilian Tintori, para se despedir com um beijo. Ela lhe entregou um crucifixo. Às 12h24 (13h54 em Brasília), depois de fazer um discurso pelo qual foi ovacionado, Leopoldo López, líder do partido de oposição Voluntad Popular, passou a ser considerado preso político.
Cinco horas depois, estava diante de um juiz, em uma sala do Palácio da Justiça, acompanhado do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. Acusado de oito crimes, incluindo terrorismo e homicídio, o economista formado pela Universidade de Harvard passou a noite no Centro de Processados Militares de Ramo Verde, em Los Teques, a 32km de Caracas. López deve retornar ao tribunal ao meio-dia de hoje (13h30 em Brasília). As autoridades culpam-nos pelas três mortes nos protestos de 12 de fevereiro.
O tiro disparado pelo governo de Nicolás Maduro pode ter atingido o pé do próprio presidente. Segundo analistas, a prisão vai potencializar apoio à oposição, fortalecer a imagem de López e desgastar a reputação do sucessor de Hugo Chávez. Marchas de solidariedade ao opositor ocorreram em várias cidades, entre elas Barquisimeto, Mérida e Valência, onde uma mulher foi baleada.
Antes de se entregar à GNB, López utilizou um megafone para falar aos simpatizantes, muitos dos quais usavam branco. "Eu tinha a opção de partir, mas não sairei nunca da Venezuela. Outra opção era ficar escondido na clandestinidade, e nada temos a esconder", declarou. "Se minha prisão permitir à Venezuela despertar definitivamente, (…) ela valerá a pena", acrescentou. Vereador em Caracas e coordenador político nacional adjunto do Voluntad Popular, Freddy Guevara estava ao lado de López. "Uma comitiva de delegados o acompanha. Nossa luta vai prosseguir. O povo venezuelano não vai retroceder", afirmou ao Correio, por telefone.
De acordo com ele, a batalha não se trata apenas de Leopoldo, mas de "um sistema decidido a acabar com pensamentos independentes, antidemocrático e ineficiente, que levou a Venezuela aos maiores índices de inflação e de pobreza da América Latina".
Para José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (Caracas), a rendição foi um "impactante ato de comunicação política", que vai potencializar, de modo importante, a imagem do opositor. "Ao mesmo tempo, surtirá efeitos negativos na debilitada imagem de um governo incapaz de resolver problemas econômicos e sociais muito graves", admitiu à reportagem. Ele classifica as acusações contra López de "aventura comunicacional", voltada a desprestigiar o líder do Voluntad Popular. "Os resultados foram contraproducentes. Em vez de sair do país, López enfrentou a situação."
"Decisão calculada"
Victor Maldonado, professor da Universidad Católica Andrés Bello (Ucab) e diretor da Câmara de Comércio de Caracas, acredita que López tomou uma decisão "calculada". "Além de mostrar o regime como conspícuo perseguidor de oponentes políticos e pôr em evidência de que na Venezuela não estão vigentes garantias constitucionais, a prisão coloca o governo Maduro em ‘interdição'. O único delito de López foi fazer política, desafiar o governo e denunciar que o mesmo não está disposto a abrir espaços de diálogo para a governabilidade", explicou, por e-mail.
Diante do Palácio de Miraflores, milhares de chavistas se reuniram para prestar apoio a Maduro. Na véspera da prisão, López propôs a formação de uma comissão de ex-presidentes latino-americanos para investigar abusos de direitos humanos. Ele sugeriu o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o chileno Ricardo Lagos, o costa-riquenho Óscar Arias e o colombiano Ernesto Samper como integrantes.
Deputado da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD), Carlos Michelangeli disse ao Correio que a prisão de López fará com que o povo "desperte em unidade". "Leopoldo se entregou a um sistema judicial que não é autônomo, além de manipulado pelo Estado. Nós apelamos à sanidade, repudiamos os atos de violência do governo e exortamos protestos pacíficos."
Em Brasília, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo recebeu o colega britânico, William Hague, e comentou a crise, depois de o Mercosul — bloco integrado pelo Brasil — respaldar Maduro. "Estamos acompanhando a situação com atenção. Temos a expectativa, como se pronunciou o Mercosul, de que haja uma convergência dentro de um respeito à institucionalidade e à democracia."
Três perguntas para Freddy Guevara, vereador em Caracas e coordenador político nacional adjunto do Voluntad Popular.
Por que Leopoldo López decidiu se entregar à Guarda Nacional Bolivariana?
Leopoldo López se entregou porque nada tem a esconder. Ele não fugiria do país nem para a clandestinidade, pois vai prosseguir com a luta, independentemente dos riscos. Ele decidiu dar a cara a tapa. López quer que sua prisão signifique a abertura dos olhos do mundo que está dormindo.
A imagem de López ficará fortalecida depois da prisão?
Não se trata de um assunto da imagem de López. Trata-se de demonstrar que na Venezuela há um sistema opressor, antidemocrático e que, lamentavelmente, governos como o do Brasil são cúmplices, com seu silêncio, ao que se passa com os venezuelanos e da repressão da democracia na Venezuela.
O Brasil e os outros países-membros do Mercosul ofereceram apoio a Maduro. Como vê essa decisão?
Creio que somente os brasileiros podem fazer reflexões sobre o governo que têm. Não entendo como um país como o Brasil, que sofreu com a ditadura, pode respaldar um governo que tem assassinado jovens estudantes venezuelanos. Pessoas do governo dispararam e mataram a jovens. Os brasileiros têm que perguntar ao seu governo por que ele está sendo cúmplice ativo de um governo delinquente, no qual há mais de 40 jovens feridos à bala, 150 detidos, denúncias de torturados e 80 desaparecidos. (RC)
(Editoria Mundo)
Colaborou Gabriela Walker